O movimento ambientalista precisa virar a mesa do poder: a importância do engajamento das juventudes locais no avanço da pauta
A construção de uma economia sustentável e que ofereça oportunidades para todos pode diminuir as desigualdades em nosso país. Sendo assim, o protagonismo brasileiro diante da pauta ambiental é de suma importância para o nosso desenvolvimento, tendo em vista que temos muitos problemas estruturais causados pela desigualdade social e que podem ser resolvidos através de políticas econômicas verdes.
O estranho é pensarmos que essa perda de protagonismo brasileiro não acontece por falta de atuação de ambientalistas e organizações não-governamentais (ONGs) dentro e fora do Brasil, mas sim pela atuação desastrosa da maioria dos nossos representantes políticos na pauta ambiental, sejam eles da esfera federal, estadual ou mesmo municipal. O que acontece nas plataformas políticas se desdobra em nossas vidas, tendo em vista que a caneta está na mão dos representantes políticos eleitos, ou seja, são eles e cada vez mais elas que têm o poder decisório, porque no final de contas, é na política que as decisões que afetam a vida de todos são tomadas.
Devido aos últimos eventos da história política brasileira, estamos vivendo em um país polarizado e que impõe ainda mais uma dificuldade para dialogarmos sobre as mudanças climáticas e a necessidade de preservarmos o meio ambiente. Temos diante de nós a difícil tarefa de não só comunicar a crise climática que vivemos para a sociedade em geral, mas também para os representantes políticos. Precisamos avançar muito nesse quesito, porque não são todos representantes políticos eleitos que atuam contra os efeitos das mudanças climáticas. Esse fato infelizmente se comprova através da péssima imagem que o Brasil está tendo internacionalmente, devido ao enfraquecimento da nossa legislação ambiental e a falta de vontade política para diminuir o desmatamento.
As Juventudes da Amazônia lançaram o “Manifesto Jovens Vozes da Amazônia para o Planeta (JVAP)” no âmbito da COP 26, com o intuito de demandar aos líderes mundiais que as lutas ambientais e sociais estejam atreladas. Essa necessidade se dá pois os efeitos das mudanças climáticas atingem as pessoas de formas diferentes, dependendo da sua raça, gênero e classe social. Conforme aponta a ativista climática Flávia Bellaguarda: “as políticas públicas precisam ser pensadas de forma transversal, com vários tipos de expertises, e que compreendam o desafio dos efeitos das mudanças climáticas, que já estamos enfrentando”. Esse olhar atento se faz ainda mais necessário, porque são as populações marginalizadas as que menos contribuem para a mudança do clima, mas ao mesmo tempo são as que mais estão sofrendo os efeitos das mudanças climáticas.
Em julho de 2020, compreendendo a necessidade de engajamento das juventudes locais em prol das pautas que acreditamos, fundei o Coletivo XXI, coletivo político suprapartidário formado pelas juventudes da Região Metropolitana de Porto Alegre. Desde então, estamos engajados no debate público local com o intuito de participarmos da construção da cidade que queremos viver, que ao mesmo tempo que preserve o meio ambiente promova o desenvolvimento social. Em fevereiro de 2021, nós do Coletivo XXI, realizamos a denúncia do desmatamento de uma Área de Preservação Permanente (APP) de mais de 100 hectares, em Canoas (RS), para a instalação de uma megaloja.
Através dessa denúncia, buscamos alertar a comunidade regional para os impactos que esse crime ambiental provocaria no microclima local, assim como nas comunidades marginalizadas que sofrem constantemente com alagamentos nas regiões mais baixas de Canoas. Por meio dessa denúncia, conhecemos muitos ambientalistas e atores sociais que estão interessados no desenvolvimento socioambiental da nossa região. Digo que conhecemos, pois nós, jovens, não estávamos integrados à rede ambientalista local. Essa articulação foi tão frutífera que resultou na fundação de uma ONG voltada para o ativismo ambiental, a Ybyrá Ipê, que do tupi significa “Floresta Livre”.
A ativista climática, Flávia Bellaguarda explica que as articulações em prol da ação climática deixam marcas positivas sob os territórios onde são palco, e o caso da denúncia contra o desmatamento da APP de mais de 100 hectares em Canoas (RS) é um exemplo disso, porque da dificuldade em diálogo com o poder público local criamos a oportunidade de fortalecer o ativismo socioambiental em nossa comunidade locais.
Através da atuação nessa denúncia percebi como o poder de decisão de um político tem diferença. Não conseguimos o apoio de nenhum vereador da cidade de Canoas para realizar uma audiência pública para discutir os danos do crime ambiental em curso. Essa dificuldade não nos desanimou, nos articulamos e conseguimos o apoio das deputadas estaduais Sofia Cavedon e Luciana Genro para que fosse realizada uma audiência pública na Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Apesar da tentativa de alguns deputados em fazer com que a audiência não acontecesse, ela aconteceu. Foi o único momento em que nós, movimentos sociais tivemos a possibilidade de dialogar com o poder público local, que tentou usar da tese da futilidade, tentando descredibilizar a denúncia realizada pelo nosso Coletivo, alegando que eram simplesmente “fake news”.
Mesmo que tenhamos construído a denúncia de forma horizontal e com rigor acadêmico, por sermos jovens, fomos atacados por não termos o “largo currículo” como o de um secretário do Meio Ambiente. Por ironia do destino, foi um grupo de jovens acadêmicas e acadêmico de jornalismo que ganhou o Prêmio, devido ao rigoroso trabalho investigativo que realizaram em sua reportagem sobre o crime ambiental, denunciado pelo Coletivo XXI..
O que acontece nas capitais brasileiras sempre possui mais midiatização perante um fato que acontece numa cidade média ou pequena. Em Canoas, pudemos contar com o Iguana Jornalismo, que surgiu em 2018, a partir da iniciativa de estudantes de Jornalismo do Rio Grande do Sul e que ganhou o Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão do Instituto Vladimir Herzog devido a reportagem investigativa que realizaram sobre o crime ambiental em curso. Nem todas cidades possuem veículos de mídia independentes e que produzem um jornalismo de qualidade. Porém, graças às redes sociais e à internet, todas as pessoas possuem o poder de transmitir suas ideias e mensagens para um grande número de pessoas, o que antes era somente uma possibilidade das mídias tradicionais.
Segundo o filósofo e sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, as cidades se transformaram em depósitos de problemas causados pela globalização, impondo aos representantes políticos a tarefa de encontrar soluções locais para problemas globais. A nível local esse cenário é muito desafiador, pois requer uma ampla articulação entre os atores locais para fazer com que algo realmente aconteça. A grande maioria dos políticos que estão eleitos hoje no Brasil não se importam com a situação de emergência climática que vivemos, caso contrário eles não permitiriam que a nossa legislação ambiental fosse enfraquecida e a maioria das cidades estariam tomando ações para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
No Brasil ainda falta muito para avançarmos com relação ao combate às mudanças climáticas, seja no âmbito federal, estadual ou municipal. Além do trabalho de comunicar os efeitos das mudanças climáticas para os representantes políticos, nós como ambientalistas temos também que votar e trabalhar para que outros ambientalistas estejam nas plataformas políticas. Nós precisamos de políticos engajados e que compreendam a emergência climática que enfrentamos, logo não podemos ficar à mercê de velhos caciques políticos locais que pouco se interessam com algo além da sua manutenção no poder.
Gosto de pensar que as lutas sociais funcionam como uma corrida de revezamento, devemos buscar avançar o máximo possível e assim que a energia se esgotar, passamos o bastão adiante para que outra pessoa continue o caminho por nós. Atrelada a essa tarefa de avançar com a pauta, está a necessidade de impedir retrocessos, pois constantes são os ataques aos direitos e avanços garantidos para determinadas pautas e grupos sociais. Precisamos nos articular enquanto ambientalistas, demandar soluções para os problemas que atingem a todos e acima de tudo: virar a mesa do poder, porque, afinal, é na política que as decisões são tomadas.
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Sobre o autor:
Gabriel Constantino é graduando em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2019/2020 fez parte da coordenação do projeto de extensão UFRGSMUN Back In School (BIS), que busca levar às escolas públicas de Porto Alegre e Região Metropolitana temas de Relações Internacionais e informações sobre o acesso à Universidade.
Fez parte da 6ª edição do curso Youth Climate Leaders, em 2021. Fundou o Coletivo XXI no ano de 2020, onde atua desde então na articulação e gestão de projetos. Gabriel é Secretário do Rio Grande do Sul no Afro Verdes, participando das mobilizações antirracistas e estudantis e em prol do meio ambiente no Rio Grande do Sul. Além disso, foi convidado a integrar a turma 2022 do curso de Formação de Lideranças da Fundação Verde Herbert Daniel. Instagram | Facebook