Me segura que vou ter um troço. Esta é uma frase cômica, talvez muito vulgar para um tema clássico como a política externa de um país. No entanto, ela me parece adequada para definir os passos de Bolsonaro neste primeiro ano de governo.
Ele começou questionando a relação com a China, o nosso maior parceiro comercial. Os chineses não podem comprar o Brasil, dizia. Com o tempo, a turma do deixa-disso o convenceu de que as relações com a China são necessárias. Os próprios chineses, do alto de muitos séculos de experiência, estavam tranquilos. Hoje, Bolsonaro já fala de um futuro comum com a China.
Bolsonaro resolveu transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. De novo, a turma do deixa-disso o convenceu de que não era oportuno. O filho Eduardo insiste na tese. Isto indica, pelo menos, que na próxima geração de Bolsonaros no poder a transferência pode ocorrer. Isso leva tempo e depende das urnas.
Bolsonaro disse a Trump que o ama. Sua ideia era se alinhar totalmente com os Estados Unidos. De novo, a turma do deixa-disso alertou: calma, é preciso se aproximar sim, mas com cautela.
Ele achou que os Estados Unidos indicariam o Brasil para a OCDE. Pensava que isto viria de uma hora para outra. Os americanos indicaram a Argentina, pois já tinham compromisso anterior com o vizinho. Trump vai cumprir a promessa. Mas no seu tempo. Por enquanto, fala em taxar aço e alumínio do Brasil sem, ao menos, telefonar para Bolsonaro.
Por falar em Argentina, Bolsonaro criticou a escolha popular e disse que aquilo iria se tornar uma nova Venezuela. Resolveu que não iria à posse de Alberto Fernández. Em seguida, designou um ministro. Voltou atrás e disse que não iria mais ninguém. De novo, a turma do deixa-disso entrou em campo. Bolsonaro atenuou seu discurso e resolveu enviar o vice, general Mourão.
Nem sempre foi possível segurar Bolsonaro. Às vezes, ele teve um troço, como no momento em que divulgou o vídeo do golden shower. Sua ideia era mostrar como o mundo estava perdido.
Bolsonaro de novo teve um troço quando foi criticado por Macron e ofendeu Brigitte, a mulher do presidente francês.
No campo da política ambiental, aí sim não foi possível contê-lo. Ele não consegue entender a preocupação mundial com a Amazônia, muito menos com o aquecimento do planeta.
Mesmo contido em vários momentos, continuou tendo um troço, dessa vez acusando Leonardo DiCaprio de financiar as queimadas na Amazônia. Em seguida, investiu contra Greta Thunberg: pirralha, pirralha.
Bolsonaro não entende a influência crescente da juventude. Ainda mais quando é encarnado por meninas. Ele mesmo disse que fraquejou quando fez a filha, depois de tantos varões na família.
Ele no momento ainda tem o apoio de 30% dos brasileiros. Este índice é dinâmico, pode cair.
Mas a verdade é que muita gente como ele duvida do aquecimento global, questiona o papel das ONGs e acha Greta uma pirralha que deveria estar estudando.
Bolsonaro não é um relâmpago em céu azul. Nem simples produto da ignorância, pois seus simpatizantes frequentaram boas escolas. Isto não significa que fecharam suas cabeças para sempre. Podem mudar no futuro.
Por enquanto, não há outro caminho, exceto segurar para que Bolsonaro não tenha um troço. Em termos domésticos, tem sido mais difícil. Foi preciso a intervenção da Justiça para evitar que nomeasse um diretor da Fundação Palmares simpático à escravidão.
Além da Justiça, o próprio Congresso tem de segurar Bolsonaro: supressão de radares nas estradas, mineração em terras indígenas, ataques à ciência, ele vive tendo um troço.
Sexta-feira passada foi o 13 de dezembro. Felizmente, o ano termina sem que consigam ter o grande troço, aquilo que ameaçam constantemente nas entrevistas: um AI-5.
Foi um ano duro para todos os seguradores no Brasil, inclusive a imprensa, que sofreu alguns solavancos para evitar os troços. No entanto, chegamos ao final de 2019 sem grandes sobressaltos. E com muito mais experiência para a nova temporada. Creio que isto é uma forma modesta de dizer Feliz Ano Novo.