Representante do Partido Verde (PV) na corrida eleitoral carioca, a deputada estadual Aspásia Camargo quer ser a primeira prefeita da história do Rio de Janeiro carregando bandeiras muito além da causa ecológica. Aos 68 anos, Aspásia critica a falta de planejamento pelo qual a cidade passa há décadas. A socióloga defende que o Rio seja pensado de forma sustentável.
Candidata numa chapa puro-sangue, Aspásia promete “sacudir a poeira” e imprimir um novo jeito novo de fazer política. Essa nova forma, segundo ela, passa por dar continuidade a projetos e obras que estejam em andamento, além de não fazer loteamento de cargos. Ela admite fazer composições e aceitar indicações políticas para determinados cargos. Frisa, no entanto, que os aprovados terão que passar pelo seu crivo.
O Terra abriu essa semana a série de entrevistas com os candidatos a prefeito do Rio de Janeiro. Foram convidados os pretendentes ao cargo que obtiveram pelo menos 1% na pesquisa Datafolha, divulgada no dia 21 de julho. O candidato Marcelo Freixo (Psol) teve a entrevista publicada na última quarta-feira. Nesta sexta-feira, será a vez do candidato do PSDB, Otávio Leite.
A seguir, confira os principais trechos da entrevista com Aspásia:
Terra – O que a senhora oferece como opção diferente ao eleitor do Rio. Por que votar em Aspásia Camargo?
Aspásia Camargo- O eleitor pode contar comigo para sacudir a poeira dessa velha política que está aí, que está há muitos anos da mesma maneira. Fazendo obras até que o próximo governo chegue, e a obra do governo anterior não sirva. Essa maneira tradicional de fazer política. Acho que o Rio não pode seguir esse caminho. O mundo mudou muito. O desenvolvimento sustentável é hoje uma realidade, uma referência. A Rio+20 deixou muito claro que o caminho a seguir é do desenvolvimento sustentável. Isso significa que essa cidade tem que fazer ajustes muito profundos, sobretudo nas metas que ela quer atingir para chegar a um patamar de cidade mundial, com qualidade de vida para seus habitantes, e com condições de se integrar a uma comunidade internacional sustentável. Muitas cidades já estão fazendo isso, e o Rio não está.
Terra – A cidade não tem planejamento no longo prazo?
Aspásia – A primeira coisa que ofereço ao meu eleitor é a certeza de que vamos planejar o futuro, e esse futuro, certamente, será muito melhor se ele for planejado. O que temos hoje no Brasil é uma tradição de não-planejamento. E daí que decorre essa corrupção incontrolável, o desperdício, a falta de rumo, a superposição de funções. Uma lentidão absurda nos processos. Propus uma lei de resíduos sólidos, e até hoje o Rio não tem coleta seletiva. Temos menos de 1% de coleta seletiva. E isso porque não temos a reciclagem, que não significa absolutamente nada para os nossos governantes. Há uma lentidão muito grande nos processos de decisões, e as decisões são muito vazias, de conteúdo e de ousadia. Precisamos tomar providências muito sérias para aproximar a comunidade acadêmica do processo decisório, porque é a recomendação que a Rio+20 fez, e é muito importante.
Terra – O Rio deve se guiar pelo desenvolvimento sustentável? Qual a importância disso?
Aspásia – Sim, e hoje o Rio não faz isso. Ele se compõe de três pilares: o econômico, o social e o ambiental. O econômico, o Rio nunca tomou conhecimento disso. Foi capital há muitos anos, mas não nos reciclamos para sermos economicamente produtivos. Tudo o que foi feito naquela época está ultrapassado. As cidades estão sendo movidas por novas tecnologias, com um novo tipo de infraestrutura, que nos próximos 20 anos, será a grande mola do desenvolvimento. Como exemplo, o transporte de massa, que não temos.
Terra – Em que pontos o Rio vai na direção errada?
Aspásia – O prefeito tinha quatro anos de mandato, e decidiu que não ia esperar a melhor decisão dos governos federal e estadual, que estão sem recursos. Não temos recursos para investir. Enquanto a China investe de 40% a 50%, dos recursos, porque poupa muito dinheiro, nós não temos. Tudo nosso é muito acanhado. Mas o governo persiste e acha que ele é que tem que fazer. O setor privado é uma linha auxiliar que ele vê com desconfiança. Então, ficamos com saneamento marcando passo, uma cidade que é a segunda mais rica do Brasil e que tem 40% apenas do seu esgoto tratado, e olhe lá. Sabemos que os canos, a infraestrutura que está no Centro, em Copacabana, muito antiga, está completamente frágil, e gera essas explosões que acontecem só aqui. Boa parte da estrutura está completamente desgastada e não funciona mais.
Terra – Qual a consequência da falta de saneamento na cidade?
Aspásia – Estamos com todo nosso patrimônio natural, o que temos de mais bonito, absolutamente poluídos, e, portanto, inúteis para o turismo, para a qualidade de vida da população. E agora, nem podemos dizer que a injustiça social tenha sido resolvida. Chafurdamos, igualmente, zonas oeste, norte e sul, na mesma tragédia da falta de esgotos. Agora, começa a invadir até a praia de Grumari. Várias praias impróprias para banho.
Terra – Onde entra o prefeito nisso, já que uma empresa do governo do Estado (Cedae) cuida da questão do saneamento?
Aspásia – A Constituição diz que o titular de saneamento é o município. Então, temos que assumir integralmente a responsabilidade do município e resolver do jeito que pudermos. É isso que a Baixada Fluminense já fez. Como o Rio, uma cidade robusta economicamente, pode ficar desprovida de meios de resolver o problema, que tem solução.
Terra – Seria uma declaração de independência?
Aspásia – Não, seria cumprir a Constituição. Podemos fazer isso, não precisa pedir licença a ninguém. É só assumir. Não adianta também esse amor todo, o prefeito ama o governador, o governador ama a presidente da República. Tudo isso tem um lado positivo, mas tem um lado negativo também. Quando as coisas estão erradas, ninguém pode reclamar senão o aliado fica ofendido. Não tem que ter isso. A gente tem que fazer. É claro que eles têm que se cooperar. Mas daí concordar com tudo e não lutar para que as coisas tomem um outro rumo, acho que é diferente.
Terra – Uma atitude dessas não implicaria num embate com o governo estadual? Não é uma atitude ousada?
Aspásia – Demonstrei ao longo da minha vida que eu posso ter mais ousadia. E essa ousadia é fundamental para que o Rio ingresse no circuito das cidades globais, sustentáveis. Precisamos ver a economia como a base da prosperidade E a educação como base do desenvolvimento dos recursos humanos, do aprimoramento das pessoas, capaz de oferecer as condições necessárias para fazer uma nova economia funcionar. Essa velha economia do petróleo, do aço, e de tantas coisas que estão ensaiando no Rio só tem nos trazido aborrecimento. O mundo está buscando outra coisa.
Terra – O Rio tem um calendário significativo de eventos nos próximos anos. Como fazer para que seja deixado um legado efetivo para a cidade?
Aspásia – Esses eventos são efêmeros. Claro que sempre deixam uma coisa aqui, outra ali. Mas os Jogos Pan Americanos deixaram muito pouco. Para o que se gastou, é de uma gravidade extrema. Se faz um estádio de futebol, e depois não sabe o que fazer com ele, entrega para um clube de futebol. Faz a Cidade da Música, que custa mais caro do que uma termelétrica, e depois não sabe o que fazer com ela. O Rio vive numa redoma imperial, como se estivéssemos no século 19. Ninguém tem a menor noção que uma sociedade de serviços tem que ter serviço de boa qualidade. Existe talento nessa cidade, mas o governo não acompanha a vanguarda que essa cidade representa. Acredito que temos as melhores condições de fazer muito mais do que estamos fazendo. Gasta-se muito dinheiro para não fazer nada. Ou coisas incompletas, ou inúteis, que ninguém sabe para que serve.
Terra – Copa e Olimpíada são bem-vindos?
Aspásia – São muito bem-vindos. Houve mérito em trazê-los para cá. Mas o que precisamos é ter juízo, e usar esses eventos para alavancar uma mudança de qualidade na infraestrutura, nos serviços, na qualificação dos moradores. Os serviços são muito precários. O acesso a serviços públicos é deplorável. Na zona oeste, não se tem acesso a hospital. Todos os serviços são muito mal distribuídos pela cidade, e a população não participa de nada, para tomar decisões e ajudar a governar.
Terra – O prefeito não ouve a população?
Aspásia – O prefeito governa à moda antiga. Não vou dizer que ele é autoritário porque ele é uma pessoa jovial, simpática, circula pela cidade, não tem medo de enfrentar os problemas. Acho que são virtudes dele. Mas acho que o modo de governar é imperial, onde tinha um rei que amava seu povo, e o povo gostava dele. E por um ato de inspiração e responsabilidade, fazia as coisas ouvindo seus conselheiros. É o que acontece, ele ouve seus principais assessores, resolve tudo, num espaço que não deve ser maior do que uma varanda comum. É tudo ali, e ninguém tem a oportunidade de pensar diferente, de propor outra coisa, de abrir um debate. Ele certamente procura se informar, mas não o suficiente para ganhar legitimidade nas coisas que são decididas, que implicam dinheiro público, e que tem que dar um resultado, e que a população precisa ajudar também.
Terra – Em termos de transportes, a prefeitura começou a implementar o BRT (Bus Rapid System), que prevê faixas somente para ônibus, com pontos específicos de parada. É uma boa opção?
Aspásia – Ele fez colocando veículos a diesel, que é altamente poluente, para não gastar muito dinheiro. E não existe uma rede de transporte. Ele está atuando de maneira emergencial. Onde a situação é mais calamitosa, como a zona oeste, que era como se fosse outra cidade. Demorava duas horas para chegar e pagava até R$ 8 para chegar até lá.
Terra – A senhora optaria por trilhos?
Aspásia – Optaria por trilhos, metrô, metrô de superfície. Tivemos a chance de fazer na Barra um sistema de alta velocidade com metrô de superfície. A Barra foi sendo ocupada de maneira irresponsável, sem nenhuma preocupação com saneamento e transporte, a ponto de, às vezes, não ter como acessar o miolo, o interior do bairro. Só dá para andar de carro, os transportes públicos não chegam ali. Perdemos essa oportunidade de fazer o melhor. Hoje, a situação é muito preocupante. O metrô já vai começar congestionado. Ele vai chegar aonde a Barra começa. Quando o bairro começa, acaba a linha de trem. É incompreensível. Mas que isso é melhor do que não ter, é. Mas me preocupa, já que quanto mais se avança mais preocupa. Tem a demanda ainda da região metropolitana. As pessoas das cidades vizinhas são cariocas, o prefeito daqui é responsável por elas. Muitas trabalham aqui, consomem, criam riquezas para o Rio. São cidadãos que deveriam ser tratados como de primeira classe. E ninguém planeja a vida deles
Terra – Onde entra o prefeito nessa questão do metrô, que é gerenciada e tocada pelo governo estadual?
Aspásia – Ele tem que liderar processos que mudem essa visão acanhada e ultrapassada de cidade. São quase 12 milhões de pessoas no Rio, e não só 6,2 milhões que fazem parte da comunidade e vão votar para prefeito.
Terra – O PV vai enfrentar uma candidatura favorita, que é a do prefeito, e que tem mais recursos e uma ampla aliança partidária. Qual será a estratégia para superar esse favoritismo?
Aspásia – Sou mais feliz do que ele, embora ele diga que é muito feliz. Tenho compromisso com a cidade e com as propostas que estou fazendo. Tive com o PT, tenho pessoas de confiança no PSDB, no PPS, em váriospartidos. Não preciso me preocupar com a distribuição do bolo. Não vou distribuir nada. Farei uma política diferente. É sabido que quanto maior a coalizão, maior é a paralisia do governo. Um vai te puxar para um lado, e outro para outro. Não anda nem para frente e nem para trás.
Terra – Isso quer dizer que a senhora vai governar sozinha?
Aspásia – De jeito nenhum. Todos os partidos têm pessoas e lideranças importantes. O PDT, por exemplo, tem tradição de Darcy Ribeiro. O PSDB tem o legado do Plano Real, da responsabilidade fiscal. As ideias são discutidas e podem ser acertadas. Acho que a democracia brasileira depurou muito as forças políticas, e você pode perfeitamente fazer uma articulação em torno de alguns princípios básicos e de algumas prioridades. O que não é possível é governar com dezenas de sopas de letras que não representam ninguém, nem nada. Ninguém sabe nem de onde surgiu aquilo. É melhor ficar sozinho.
Terra – Num eventual segundo turno, aceitaria apoios de diferentes partidos?
Aspásia – Evidente. Mas não aceitaria nenhum tipo de aliança que pudesse comprometer o meu projeto, de uma administração com novas bases, nova filosofia, nova maneira de fazer política. A condição é essa. Se eu chegar ao segundo turno, minhas ideias terão vingado, conquistado uma parcela importante da população. E nessa hora, tem que fazer alianças. Dentro do que ofereço que vão ser discutidas novas composições.
Terra – Cargos entram nessa discussão?
Aspásia – Claro que sim. Mas não o cargo para ser dado e loteado por algum grupo político. O cargo tem que ser dado para a melhor pessoa que aquele partido pudesse indicar, e com a minha aprovação, logicamente, seguindo critérios de competência. Loteamento de cargos políticos, não. Mas uma composição de governo, sim.
Terra – O PV foi aliado de Cesar Maia durante anos, quando ele comandava a prefeitura. Não é uma contradição com o seu discurso de hoje?
Aspásia – Há momentos em que é preciso que partidos façam alianças para poderem desenvolver suas políticas. A aliança com Cesar Maia começou no primeiro governo dele, que foi um governo cheio de esperança. Naquela época, ele não tinha ainda aderido à ideia de aliança com Deus e todo mundo. Ele propôs uma organização mais séria, que funcionou naquela época. O (Alfredo) Sirkis foi secretário de meio ambiente e criou várias universidades de conservação. Acho que o PV ganhou com isso, ele abriu uma porteira na área do urbanismo. Como fazer uma cidade sustentável sem levar em conta a importância das políticas de urbanismo?
Terra – Em 2008, o PV viveu o fenômeno da candidatura do Fernando Gabeira, que perdeu a eleição por uma margem bastante pequena de votos. Isso pode se repetir este ano?
Aspásia – Tenho muita esperança porque represento esse segmento que votou no Gabeira e votou na Marina. O que estou fazendo é trazer a bandeira da sustentabilidade da Marina para discussão no Rio de Janeiro.
Terra – A senhora terá apoio do Gabeira e da Marina?
Aspásia – O Gabeira foi à minha convenção, me ajudou muito dentro do partido a construir a unidade que levou à minha candidatura. É uma pessoa com quem me aconselho, é uma referência no partido. Agora, o Gabeira trabalha hoje como jornalista. É uma pessoa séria. Tem certas coisas que ele não pode fazer. Se ele fosse apenas um militante do partido, ou um candidato a vereador, seria diferente. Não vou pedir que ele dê certos tipos de declarações. Mas que ele está me apoiando, ele está. Foi lá e mostrou isso.
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