Dois meses se passaram e nada andou: projeto de lei com as “10 medidas de combate à corrupção” está engavetado na sala do presidente interino da Casa, Waldir Maranhão. Proposta torna crime o enriquecimento ilícito de servidores, entre outros pontos
Há dois meses, o projeto de lei que engloba as chamadas “10 medidas de combate à corrupção”, elaboradas pelo Ministério Público Federal (MPF) com o respaldo de 2 milhões de assinaturas de apoio colhidas na sociedade civil, está parado na gaveta da Presidência da Câmara à espera de uma assinatura. Apesar dos discursos inflamados contra a roubalheira generalizada na tribuna da Casa, a comissão especial para debater a matéria, regimentalmente obrigatória por englobar temas relativos a cinco colegiados diferentes, sequer foi instalada.
As medidas, aglutinadas num único projeto de lei, tornam crime o enriquecimento ilícito de servidor público, endurecem a punição de corrupção e reduzem o número de recursos que possam atrasar o julgamento de crimes de colarinho-branco, entre outros pontos.
Em 29 de março, quando o projeto foi aberto no Congresso e as assinaturas entregues ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha – agora afastado por determinação do Supremo Tribunal Federal -, o peemedebista se comprometeu a conferir celeridade à tramitação. Nada disso ocorreu. Para instalação, basta apenas a assinatura do presidente interino da Casa, Waldir Maranhão.
Sem ela, diz o procurador Roberson Henrique Pozzobon, da Operação Lava-Jato, a comissão especial da proposta não pode ser instalada e tudo fica sem ação. Há requerimento de urgência na tramitação das medidas, mas espera a assinatura do ato de Maranhão desde 6 de abril. O presidente interino responde a três inquéritos criminais no Supremo Tribunal Federal por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
O presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção, deputado federal Antonio Carlos Mendes Thame (PV-SP), afirmou que vai tentar se reunir com Maranhão na terça-feira. “Sabe o que ele foi fazer no Chile? Uma palestra sobre transparência”, ironiza o parlamentar.
Questionado sobre o motivo para o projeto não andar, Thame diz que a Câmara está sem comando. “A Casa ficou sem presidente. Ficou sem presidente interino também. Ele (Maranhão) praticamente abriu mão de suas prerrogativas”, avaliou.
O deputado se queixa da lentidão. “Estamos tentando, apesar dessa confusão, fazer a coisa andar. Estou tentando uma reunião com o Maranhão. A competência dele é assinar”, explicou. Questionado por que não encaminhou o projeto direto para a CCJ, Thame afirmou que há um obstáculo no regimento. “Foi o próprio Ministério Público Federal que propôs que nós agrupássemos todas as medidas e formássemos essa comissão para aglutinar todos os projetos. O problema é que, muitas vezes, o ótimo é inimigo do bom”, afirmou o parlamentar.
Pozzobon afirma que o estado de corrupção no Brasil está “alastrado”, como demonstrou, por exemplo, a 30ª fase da Operação Lava-Jato, que apurou a participação do ex-ministro José Dirceu em obtenção de propinas em contratos de fornecedoras de tubos da Petrobras. Ainda assim, ele entende que o Congresso vive uma “inércia”. O procurador não acredita que isso se deva a um entrave burocrático, comum no serviço público, de uma proposta que teve o apoio de mais de 2 milhões de cidadãos.
“Não vejo burocracia, porque é quando há um requerimento. Estamos falando de uma assinatura, é algo muito elementar. Será que em 56 dias não foi possível encontrar na pauta da Presidência da Câmara um momento para fazer a assinatura de um projeto que encontra a adesão de mais de 2 milhões de brasileiros?”, questiona o procurador, mestre em direito pela PUC do Paraná e ex-delegado de polícia.
Resistência
Ao contrário, Pozzobon destaca que dois projetos do deputado Wadih Damous (PT-RJ), crítico da Lava-Jato, podem minar o combate à corrupção. Num deles, fica proibida a celebração de delação premiada quando o investigado está preso. O outro faz o Brasil voltar à condição de única nação em que uma pessoa só pode ser presa após passar por todas as instâncias recursais. As duas propostas foram defendidas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em conversas gravadas, como atitude “antes de passar a borracha” e fazer um “pacto” ou uma “transição” para interromper os efeitos da Lava-Jato.
No mês passado, Damous negou que o objetivo dos seus projetos fosse minar a operação e o combate à corrupção, mas apenas garantir direitos fundamentais. “Hoje, tem-se em mente os políticos e empresários corruptos, que sempre dão um jeito de se safar”, disse em nota. “Quem sofre, de fato, é a população pobre, vulnerável e sem direitos. Esses projetos nada têm de coniventes com o crime.”
Além das 10 Medidas, tramitavam no Congresso 388 propostas de combate à corrupção, segundo levantamento do Correio de 2014. Uma delas, o fim do foro privilegiado para deputados e senadores no Supremo Tribunal Federal (STF), criada há 11 anos, está à espera de novo parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. No ano passado, 30 senadores e 143 deputados, ou 29% do parlamento, respondiam a inquéritos e ações penais no STF, segundo o site Congresso em Foco. Só da Lava-Jato, são 134 pessoas com foro privilegiado no Supremo, inclusive ministros, investigadas em 59 inquéritos e 11 denúncias, de acordo com dados da Procuradoria-Geral da República, segundo dados divulgados na segunda-feira.
“Estamos tentando, apesar dessa confusão, fazer a coisa andar. Estou tentando uma reunião com o Maranhão. A competência dele é assinar”
As propostas – Confira as 10 medidas de combate à corrupção
Investimento em prevenção à corrupção
Medida destina parte das verbas de publicidade da administração pública (entre 10% e 20%) a programas voltados a estabelecer uma cultura de intolerância à corrupção. Também propõe o treinamento continuado de todos os funcionários públicos em posturas e procedimentos contra a corrupção e a realização de programas de conscientização e pesquisas em escolas e universidades.
Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos
Além de tornar crime o enriquecimento ilícito de agentes públicos (com previsão de pena de prisão entre três e oito anos), prevê que o agente público não fique impune mesmo quando não for possível descobrir ou comprovar quais foram os atos específicos de corrupção praticados por ele. Pune, por isso, o enriquecimento de agente público incompatível com o rendimento dele.
Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores
Estabelece o aumento de pena para crimes de colarinho-branco conforme o valor do dinheiro desviado. Assim, quanto maior o dano, maior a condenação, que pode variar de 12 até 25 anos de prisão (montante superior a R$ 8 milhões). Também atribui aos crimes de corrupção peso equivalente aos crimes praticados contra a vida.
Aumento da eficiência dos recursos no processo penal
São propostas 11 alterações pontuais no Código de Processo Penal e uma emenda constitucional, a fim de dar velocidade à tramitação de recursos em casos de crime do colarinho branco. Hoje, brechas na lei permitem que a sentença final desse tipo de crime demore mais de 15 anos para ser proferida.
Celeridade nas ações de improbidade administrativa
A medida propõe três alterações na Lei nº 8.429/92 (que trata das sanções aplicáveis a agentes públicos que cometem atos de improbidade administrativa), para acelerar a tramitação de ações dessa natureza. Entre as mudanças, estão a adoção de uma defesa inicial única (hoje ela é duplicada) e a criação de varas, câmaras e turmas especializadas para julgar ações de improbidade e corrupção.
Reforma no sistema de prescrição penal
Promove alterações nos artigos do Código Penal referentes ao sistema prescricional, a fim de se evitar que decisões judiciais sejam adiadas e acarretem a prescrição do crime, isto é, que a punição perca seu efeito por causa do retardamento continuado do processo. Nos crimes de colarinho-branco, muitas vezes essa demora é utilizada como manobra de defesa.
Ajustes nas nulidades penais
Propõe alterações no Código de Processo Penal com o objetivo de que a anulação e a exclusão da prova somente ocorram quando houver uma efetiva e real violação de direitos do réu. Busca-se evitar que o princípio da nulidade seja utilizado pela defesa para retardar ou comprometer o andamento do processo.
Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa dois
Pretende responsabilizar, de forma objetiva, os partidos políticos em relação às práticas corruptas, à criminalização da contabilidade paralela (caixa dois) e à criminalização eleitoral da lavagem de dinheiro produto de crimes, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela legislação.
Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado
Inclui mudanças na lei para que o dinheiro ilícito seja rastreado mais rapidamente, facilitando tanto as investigações quanto o bloqueio de bens obtidos de forma ilegal. Também cria a hipótese de prisão extraordinária para permitir a identificação e a localização de dinheiro e/ou bens provenientes de crime, evitando que sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado/acusado.
Recuperação do lucro derivado do crime
Propõe duas inovações legislativas para evitar que o criminoso alcance vantagens indevidas: criação do confisco alargado, que permite o confisco dos valores existentes entre a diferença do patrimônio declarado e o adquirido comprovadamente de maneira ilegal; e ação civil de extinção de domínio, que possibilita que a Justiça declare a perda de bens obtidos de forma ilícita.
Fonte: Correio Braziliense