A aprovação das licenças prévia e de instalação concomitantes de um novo empreendimento que recebe o nome da capital e figura no Brasão do município, desde sua criação, revela a impertinência de mudanças trazidas pela Lei 21.972 de 2016 ao rito do licenciamento ambiental em Minas Gerais.
Essa Lei simplificou o processo do Licenciamento, mas estendeu-o a setor, o da mineração, que tem demonstrado imaturidade e irresponsabilidade na condução de seus procedimentos burocráticos junto ao Estado e operacionais no território e nos lugares de vida do povo de Minas Gerais.
A Lei 21.972 concentrou o processo e o fura-fila do licenciamento ambiental por meio de uma instância governamental sob absoluto controle do governador do Estado. Para tanto, foi criada uma superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), no âmbito da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A Suppri comanda a análise e a negociação dos grandes projetos poluidores e causadores de consideráveis impactos territoriais no estado, mais de 70% deles no setor da mineração.
A Suppri tornou-se assim o braço operacional do Estado no controle e na sanção ambiental a projetos não raro incondizentes com um real desenvolvimento de Minas. O caráter técnico, a procedente análise ambiental, cedem terreno à conveniência e acordos políticos. O meio socioambiental e os valores da natureza e dos ecossistemas são relativizados e burocraticamente subordinados aos interesses da economia predatória. E a possibilidade de um meio ambiente equilibrado cede lugar à repetição de um modelo de desenvolvimento que desvaloriza a inteligência instalada em diversas áreas de ponta de nossas universidades e instituições de pesquisa.
A flexibilização das exigências do licenciamento para mineradoras é certamente um dos maiores danos trazidos pela lei 21.972 para o controle público do meio ambiente. Como resultado, a exigência do licenciamento trifásico – com licenças prévia (LP), de instalação (LI) e de operação (LO) concedidas cada uma a seu tempo – passa a ser aplicada em poucas situações. E a lei delega ao arbítrio do Poder Executivo a definição dos critérios de avaliação e decisão.
O caso do licenciamento da Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) no Pico Belo Horizonte e adjacências é bom exemplo disso. O empreendedor apresentou o projeto, em três etapas de lavra e beneficiamento, no Estudo de Impactos Ambientais (EIA) de 2013.
Nesse estudo, evidenciava-se a estratégia de caracterização de uma primeira etapa ou fase do projeto, concebida para reduzir as exigências da análise e aprovação pelo Copam. Ou seja, a descrição do projeto é fracionada para passar a ideia de uma etapa inicial que se quer como referência para a classificação do projeto que irá variar de acordo com seu porte ou volume de produção. Afinal, as exigências do Copam são bem menores para projetos de menor porte. Contudo, a “fase 1” proposta pela Tamisa estabelece a maior parte das estruturas que atenderão à fase 2, e reserva a maior parte do minério extraído para ser processado na mesma fase 2. Fica claro, portanto, que esse desenho, mantido nos EIAs de 2013, 2017 e no atual, de final de 2019, tem como principal objetivo acelerar o trâmite administrativo e criar fato consumado que tem como alvo, apresentado no EIA 2013, a extinção de todo o maciço serrano a leste do pico Belo Horizonte.
O EIA de 2017 eliminou a terceira fase proposta no EIA 2013, mas mantém a divisão em duas etapas para garantir essa brevidade e redução de exigências.
Em 2019, a Tamisa apresenta a terceira versão de EIA, adequando suas estruturas para ficarem somente no município de Nova Lima, embora algumas delas rentes às divisas de Nova Lima com Sabará e com Belo Horizonte e muito mais próximas de núcleos urbanos de Belo Horizonte e Sabará do que da sede urbana de Nova Lima.
A manobra burocrático-administrativa, isto é, do licenciamento iniciado com base no volume de produção da fase 1, criada pela Tamisa, é acatada pela Suppri e assim garantida a possibilidade da implantação do empreendimento em licença concomitante das etapas prévia e de instalação.
Sabemos, por decisões da Justiça, que dificilmente um empreendimento instalado perderá o direito de operar, uma vez concluída a instalação, pois a maior parte do investimento estará feita, legitimada. De outra sorte, a lei 21.972 combinada com a Deliberação Normativa (DN) 217/2017, do Copam, permitirá que, uma vez iniciada a operação do empreendimento, possa ele ser gradualmente ampliado, podendo inclusive alcançar a dimensão pretendida no primeiro EIA do empreendimento, por meio de licenças simplificadas de expansão e instalação de novas estruturas. Assim, a efetivação do projeto, somente em Nova Lima, poderá ser estendida a Sabará ou mesmo a Belo Horizonte ou Raposos. A inexistência de barragens na versão atual poderá ser alterada com implantação de barragens, não apresentadas no EIA com o provável propósito de reduzir a reação da opinião pública. Esse modus operandi é permitido pela DN 217.
A Câmara de Atividades Minerárias do Copam e os pareceres do Estado
Recriada após a publicação da Lei 21.972, a composição da CMI-Copam não segue o condão do desenvolvimento sustentável. Isto é comprovado pelo predomínio do interesse econômico e da corporação mineradora na composição dessa instância colegiada, o que ficou bem caracterizado em dados de relatório da Controladoria Geral do Estado, de 2019, sobre a atuação da CMI. Essa comprovação ocorre também na reunião fatídica que aprovou essa nova mineração na Serra do Curral.
No parecer favorável ao projeto Tamisa a Suppri/Semad informa não ter responsabilidade sobre informações do empreendedor, que fundamentaram seu parecer. Configura-se assim como ente sem memória administrativa e sem capacidade técnica e crítica, para avaliar se a tese do empreendimento em duas etapas é pertinente ou mero subterfúgio para atalhar a obtenção de seus intentos.
Enquanto poder que deveria representar o interesse público e premissas condizentes com o momento atual do planeta e de nossa região metropolitana, o governo de Minas Gerais não deveria dar-se ao direito de agir de forma ingênua, antiética e não profissional. A situação é agravada pelo modelo anacrônico e insustentável de uma gestão participativa monopolizada pelos interesses do segmento econômico que hoje conta com a desconfiança pública e notória de toda a sociedade mineira.
De outro modo, hoje, há elementos científicos de sobra para que o Estado de Minas Gerais atue de forma eficaz para proteger territórios com atributos naturais e culturais que, se largados à própria sorte, serão ocupados e irreversivelmente descaracterizados pela mineração e outras possíveis atividades predatórias, como temos visto de forma ininterrupta nos últimos anos ou décadas.
O Partido Verde compreende que região como a do Quadrilátero Ferrífero e Aquífero não mais pode ser tratada como monopólio do poder minerário sancionado pelo governo estadual ou pela Justiça.
É uma região de belas paisagens e sítios históricos de grande importância para Minas Gerais e o Brasil; dotada de valores naturais e ambientes únicos, endêmicos e microendêmicos, que estão a se perder dia-a-dia pelo desequilíbrio da composição de conselhos e pelo desprezo governamental por outras possibilidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural.
Os atributos hidrogeológicos do Quadrilátero evidenciam-no como infraestrutura natural de enorme importância para o abastecimento público e a segurança hídrica da população metropolitana. A área deve ser protegida para a recarga dos aquíferos locais e regionais, sem os quais não estará garantida a qualidade e volume da água que alimenta rios, ribeirões, córregos e belíssimas cachoeiras que propiciam a recreação coletiva, o direito a nadar, pescar e exercer a comunhão contemplativa e lúdica com a natureza.
Tombamento já!
A desconsideração ao presente processo de Tombamento da Serra do Curral, ao se colocar o licenciamento ambiental à frente da medida protetiva, configura a imoralidade por parte do Estado, da Semad e por conselheiros do Copam, que têm ignorado e negligenciado inúmeras informações trazidas ao presente caso por atores diversos.
Não é admissível, por sua vez, que eventuais acordos com qualquer órgão ou autoridade do Ministério Público, em prejuízo do presente processo de tombamento, conforme alegam a Semad e a direção do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), sirvam de pretexto para se desconsiderar a vontade popular, o ordenamento constitucional e o investimento do Estado no processo administrativo para finalmente tombar a Serra do Curral e o Pico Belo Horizonte em sua inteireza.
Em vista disso, a Executiva Estadual do Partido Verde fará recurso à licença concedida pela Câmara de Atividades Minerárias do Copam, deverá acionar e apoiar ações na Justiça e apresentará, com apoio de seus parlamentares, projeto de lei para alteração da lei 21.972, com a finalidade de estabelecer a devida ordem ambiental nas instâncias e procedimentos de poder que têm gerado tantos infortúnios para o povo e o território mineiros.
No intuito de defender a Serra do Curral, o PV também mobilizará seus deputados na Assembleia Legislativa para que seja imediatamente votada a PEC 67/21, que propõe a inscrição da Serra do Curral como bem tombado na Constituição de Minas Gerais.
Belo Horizonte, 04/05/2022
Pela Executiva Estadual do PV
*O relatório pode ser baixado no link.
Nas páginas 17 e 18 são apresentadas tabelas com a performance das organizações representadas na Câmara de Atividades Minerárias (CMI-Copam).