O futurólogo Ian Pearson previu recentemente que, por volta de 2050, será possível a implantação de dispositivos nos animais para capacitá-los a falar conosco.
Daí surgem questões interessantes, como se tais dispositivos forneceriam uma voz a animais criados e mortos para servir de comida, e se essa voz nos faria pensar duas vezes sobre o ato de comer esses seres.
Em primeiro lugar é importante precisar o que os animais seriam capazes de fazer com o auxílio dessa tecnologia. É duvidoso, por exemplo, que os tornasse capazes de coordenar esforços para derrotar seus carrascos à moda orwelliana.
Os animais já se comunicam uns com os outros de maneiras significativas para eles, mas não de forma a coordenar esforços uns com os outros. Uma tal estratégia de larga escala exigiria habilidades adicionais que incluem um sólido alcance gramatical e uma grande capacidade de fazer raciocínios sobre a mente alheia.
O mais provável é que essa tecnologia vá oferecer alguma sobreposição semântica ao repertório comunicativo já existente dos animais, como, por exemplo, traduzir “au, au!” como “intruso! Intruso!”. Segundo o cientista, é possível que essa habilidade fosse convincente o bastante para que alguns de nós parássemos de comer carne; talvez nos motivasse a “humanizar” as vacas e os porcos falantes ou a achá-los mais parecidos conosco.
De fato, há alguma evidência empírica para apoiar essa suposição. Pesquisadores orientados pelo Dr. Brock Bastian, de Melbourne, pediram a um grupo de participantes para escreverem um ensaio curto descrevendo as muitas maneiras pelas quais os animais são semelhantes aos humanos. Outro grupo escreveu sobre as maneiras pelas quais os humanos são semelhantes aos animais. Os participantes que humanizaram os animais tiveram visões mais positivas deles do que os que animalizaram os humanos.
Assim, se a tecnologia tivesse a capacidade de nos fazer pensar sobre os animais mais como humanos, seríamos então capaz de promover um tratamento melhor aos animais.
Carne é assassinato
Mas imaginemos apenas por um momento que a tecnologia conseguisse fazer algo adicional: revelar mais sobre a mente do animal para nós. Uma das maneiras pelas quais isso beneficiaria os animais seria mostrar-nos que eles pensam a respeito de seu futuro. Isso poderia nos fazer parar de comê-los porque nos forçaria a ver os animais como seres que dão valor às suas vidas.
A noção humana sobre o assassinato é baseada na ideia de que é certo tirar a vida do animal, desde que você se empenhe para minimizar o seu sofrimento. Uma vez que se acredita que os animais não consideram suas vidas no futuro – estão presos no “aqui e agora” –, não é dado pelos humanos o valor à sua futura felicidade.
Se a tecnologia conseguisse permitir aos animais que nos revelassem que têm aspirações quanto ao futuro (imagine ouvir seu cachorro dizendo “Eu quero jogar bola”), e que valorizam suas vidas (“Não me mate!”), é possível que essa tecnologia pudesse provocar em nós uma compaixão mais profunda pelos animais que são mortos pela carne.
Entretanto, há também razões para sermos céticos. Primeiro, é possível que as pessoas simplesmente atribuíssem a capacidade de falar à tecnologia e não ao animal. Portanto, não haveria uma mudança fundamental em nossa maneira de perceber a inteligência do animal. Segundo, as pessoas estão em geral motivadas a ignorar informações sobre a inteligência dos animais.
Racionalizando nossa dieta
“Steve Loughnan, da Universidade de Edinburgh, e eu conduzimos uma série de estudos – parte de um projeto que ainda não foi publicado – em que experimentalmente diversificamos o entendimento das pessoas sobre quão inteligentes vários animais são. Descobrimos que as pessoas usam a informação sobre a inteligência de forma que lhes impeça de sentir-se mal por participar no sofrimento causado aos animais inteligentes de sua própria cultura. Elas ignoram informações sobre a inteligência dos animais quando o animal já está sendo usado como comida em sua cultura. Mas quando as pessoas pensam nos animais que não são usados como comida ou que são usados como comida em outra cultura, a inteligência do animal passa a ser percebida como realmente importante.
Portanto, fornecer aos animais meios de falar conosco possivelmente não mudasse de modo algum nossa atitude moral – pelo menos com relação aos animais que já comemos”, declarou Jared Piazza, professor de Psicologia Social da Universidade de Lancaster.
“Temos de lembrar do que já deveria ser óbvio: os animais falam conosco. Certamente a maneira como eles falam conosco é importante com relação às nossas decisões sobre como tratá-los. Não há muita diferença entre uma criança chorando de medo e um porquinho chorando de medo. Há quem conte que as vacas de fazenda que têm seus filhotes roubados assim que nascem lamentam a perda durante semanas com um choro de cortar o coração. O problema é que nós nunca temos tempo de escutar”, acrescentou ele.
Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation. Para ler o artigo original, clique aqui.
Fonte : http://www.anda.jor.br/