“Cenário é de guerra”, diz professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
A disposição de ajudar animais resgatados no distrito de Bento Rodrigues e outras localidades afetadas pelo rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, está levando um pequeno “exército” de veterinários a Mariana. No galpão alugado pela empresa, na estrada que liga a cidade ao distrito devastado pela lama, médicos e outros profissionais de vários cantos do país se revezam para prestar atendimento clínico a animais retirados da lama, muitos deles depois de passar vários dias atolados. Batizado de Centro de Recolhimento de Animais, a estrutura funciona há uma semana.
Nos corredores entre as baias onde estão cães, gatos, aves e outros animais, chama atenção a variedade de sotaques. Além de mineiros de Belo Horizonte e também do interior, há profissionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas (SP), Santa Maria (RS), Cabo Frio e Niterói (RJ), entre outras cidades. “Tenho um histórico de atuação profissional com animais em situações de catástrofes. Quando elas ocorrem, já me mobilizo para ir ao local atingido, com o objetivo de ajudar no recolhimento e na atenção a esses animais”, conta a médica veterinária Luciana Guimarães Santana, de 36 anos, moradora de São Paulo. Ela veio para Mariana com Daniela de Oliveira Souza Souto, de 34, colega de profissão. Ambas têm clínicas na capital paulista e deixaram tudo organizado por lá para passar alguns dias fora do trabalho, prestando socorro aos bichos.Ontem, a dupla, que chegou na terça-feira, cuidava do cachorro batizado de Valente. Último a ser retirado de Bento Rodrigues, o cão vira-lata ficou 10 dias preso na lama. “Ele chegou debilitado. Foi medicado e está com sonda para urinar e respiração artificial. Mas está se recuperando bem”, explicou Luciana.
Daniela explica a razão de tanta dedicação. “Os animais são seres como quaisquer outros e precisam de alimentação, cuidado e carinho, especialmente numa situação de desastre como essa”, diz.No centro de recolhimento estavam sendo atendidos ontem 98 cães, três gatos, 120 galinhas, oito patos, oito cavalos, quatro porcos, dois ganços e uma vaca que estava em trabalho de parto, parindo o bezerrinho no meio da tarde.Uma das coordenadoras do centro, a médica veterinária Carla Sassi veio de Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas, para o trabalho voluntário. “Não tiro férias no trabalho. Saio de folga justamente quando preciso atuar em alguma tragédia como essa de Mariana, prestando assistência aos animais”, explica a profissional.
Também à frente do trabalho com os bichos, a médica veterinária de Belo Horizonte Bárbara França Teixeira explica como é o acolhimento no local. “Eles chegam geralmente sujos, com fome e debilitados. São medicados, recebem banho e tosa, são identificados e tratados, quando necessário. Todos estão sendo acompanhados”, disse. Segundo ela, há também voluntários para passear com cães durante o dia e equipes preparadas para intervenções cirúrgicas de diversas modalidades. Até ontem, mais de 30 haviam sido feitas. “Entendo que esse trabalho é essencial e de extrema importância para esses animais neste momento.”A maior parte dos animais que atualmente estão no centro de recolhimento já foi identificada pelos donos, moradores dos distritos atingidos. “Mas eles não têm como levar os bichos, porque também estão sem casa”, conta outra coordenadora do centro de recolhimento, a médica veterinária Amélia Margarida de Oliveira Leybonz, que veio de Nepomuceno, em Minas, com a família, para contribuir com o trabalho. “Eu e outros voluntários temos um projeto chamado Veterinários no Asfalto, que presta apoio a comunidades isoladas e também em situações de tragédias. Aqui em Mariana o apoio tem sido surpreendente. Além do que, todos os profissionais que têm chegado são muito competentes”, disse.
UFMG
O trabalho com os animais teve o apoio ontem de um grupo de 12 profissionais da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Representante do grupo, o professor Júlio César Cambraia Veado explicou que os voluntários são alunos de residência nas diversas áreas da veterinária, que estão ajudando com mão de obra. “Soubemos antes que não havia necessidade de trazer insumos e viemos prestar apoio na realização de procedimentos. Esse primeiro contato serve para avaliar a situação, que está estável, mas lembra um cenário de guerra. Na próxima semana, vamos retornar para continuar o trabalho”, afirmou o professor.
Fonte: Correio Braziliense