Indiciada este mês pela Polícia Federal em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), a Vale reservou apenas 0,1% do seu último orçamento de meio ambiente divulgado, referente ao ano de 2014, para a “preparação de resposta a emergências ambientais”. O relatório de sustentabilidade da companhia mostra que apenas US$ 1,2 milhão, de um total de US$ 864,8 milhões, foi destinado a essa rubrica. A empresa alega que o valor refere-se apenas a custos de gestão e que o gasto com ações efetivas foi diluído em outras rubricas mais genéricas como “recursos hídricos”, “gestão de emissões atmosféricas” e “resíduos”. O total voltado para a resposta a desastres ecológicos, porém, não foi especificado.
Outro ponto que chama a atenção no relatório de sustentabilidade da Vale, divulgado no primeiro semestre do ano passado, é que a empresa colocou como o seu principal gasto na área ambiental a rubrica “barragens, diques e pilhas de estéril”. Foram US$ 314,8 milhões ou 36,4% do total. A própria empresa já admite que no próximo documento, relativo ao ano de 2015, a ser divulgado no próximo mês de abril, esse custo passará a ser considerado “operacional”, por ser relativo a “alteamento de barragens, operação, manutenção e monitoramento das estruturas geotécnicas”.
PROCURADOR: “PEDALADA AMBIENTAL”
Os números divulgados pela companhia foram vistos com preocupação por especialistas ouvidos pelo GLOBO. O promotor de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público de Minas Gerais Carlos Eduardo Ferreira Pinto, que atua nas investigações da tragédia de Mariana, afirma que, por sua especificidade, o custo com a preparação de respostas a emergências ambientais não poderia estar diluído em outras rubricas genéricas, como alega a Vale. Para ele, as companhias que atuam no setor de mineração têm em geral muita resistência em investir recursos nessa área:
— As empresas não gostam desse tipo de investimento em prevenção porque existe uma visão de que a probabilidade de acontecer um acidente é muito pequena. Espero que, ao menos após um desastre como o que vimos da barragem de Fundão, haja uma mudança nessa mentalidade e os planos de emergência sejam efetivamente levados a sério.
Sobre a colocação da rubrica “barragens, diques e pilhas de estéril” como principal gasto no setor de meio ambiente da empresa em 2014, o promotor diz que tratou-se de uma “pedalada ambiental”:
— Nesse caso, a lógica foi invertida. Não haveria como realizar as atividades de mineração sem lidar com os rejeitos.
Opinião semelhante tem o pesquisador do Grupo de Análise de Risco Tecnológico e Ambiental da Coppe-UFRJ, Moacyr Duarte:
— Não dá para colocar como um gasto ambiental algo que já seria obrigatório. Como a empresa conseguiria uma licença sem uma barragem?
Se tem como principal dispêndio ambiental um custo que já admite retirar no próximo relatório, a Vale ainda colocou no relatório de sustentabilidade com o segundo maior valor investido uma rubrica bastante genérica: “outras categorias”, com US$ 107,5 milhões (12,4%). A companhia informou em nota que foram recursos voltados para “a contratação de terceiros, serviços de manutenção e questões ambientais vinculadas ao processo de licenciamento, entre outros”. E também disse que no próximo documento essa rubrica será extinta. Na sequência do ranking de investimentos, vieram “resíduos” (US$ 87,5 milhões ou 10,1% do total) e “recursos hídricos” (US$ 76,4 milhões ou 8,8%).
EMERGÊNCIA: DUAS CITAÇÕES NO RELATÓRIO
Na tabela que consta do documento, a “preparação de resposta a emergências ambientais” foi apenas a 18ª entre 24 rubricas listadas pela empresa, com US$ 1,2 milhão ou 0,1% do total. Outra curiosidade: no relatório, que tem 119 páginas, a palavra emergência só é citada outras duas vezes, no capítulo que trata de “relação com pessoas”. A principal é a que fala sobre um centro de gerenciamento de crises “com o objetivo de proteger os empregados próprios e contratados e controlar os danos ao patrimônio da empresa”. Não há referência a danos externos.
Atuante em meio ambiente há 30 anos, a procuradora federal Telma Malheiros critica o modo como são elaborados muitos relatórios de sustentabilidade. Segundo ela, é difícil ficar claro o que é realmente uma iniciativa da empresa em prol da ecologia:
— O que se diz investimento ambiental pode ser na verdade algo que resulta em melhoria no processo produtivo da própria empresa ou mesmo uma exigência legal. E não são divulgados, por exemplo, esses custos em relação ao total de um empreendimento, o que levaria muitas vezes à conclusão de que os gastos são irrisórios.
A procuradora também ressalta a importância de uma cultura de prevenção:
— No Brasil, a gente só legisla depois da lama derramada. Precisamos rever um marco regulatório, pensar na obrigatoriedade do seguro ambiental. Ou, na hora de um acidente, a sociedade pode acabar arcando com uma consequência que deveria ser de responsabilidade das empresas.
VALE TEM 143 BARRAGENS NO PAÍS
No último relatório de sustentabilidade, a Vale destacou que 37% dos gastos de meio ambiente foram voluntários e os 63% restantes referentes a requisitos legais.
Em nota, a empresa ainda afirmou que “é referência em gestão de segurança de barragens e tem uma equipe qualificada e multidisciplinar atuando nessas operações”. A companhia alegou ainda que “em 73 anos de história, nunca registrou um acidente com barragens”. E que, “logo após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, a Vale realizou uma inspeção extraordinária em todas as suas barragens de rejeito no Brasil”. Hoje, a Vale tem 143 barragens de rejeito de minério de ferro no país.
A Vale é uma das controladoras da Samarco, junto com a mineradora anglo australiana BHP Billiton. As três empresas estão atualmente em fase de negociação com o governo federal para chegar a um acordo financeiro de ressarcimento dos danos provocados pela tragédia, que deixou 17 pessoas mortas.