Por Fabiano Carnevale
A história dos Partidos Verdes no mundo é rica, sinuosa e complexa. A formação dos primeiros partidos verdes tem origens nos movimentos anti-nucleares, pacifistas, feministas e de direitos civis nas décadas de 1960 e 1970. O primeiro partido com uma plataforma ecologista foi o Partido dos Valores da Nova Zelândia, em 1972.
Embora não tenha sido o primeiro a ser fundado nem o primeiro a chegar num parlamento nacional, é o partido verde da então Alemanha Ocidental que mais influenciou na criação e divulgação dos ideais ecologistas pelo mundo. Até hoje, é considerado como a “mãe dos partidos verdes”.
Os verdes alemães provocaram um tsunami na política europeia no início da década de 1980. Com suas propostas de democracia radical, enfrentamento da política tradicional e temas controversos para a agenda pública nacional e internacional, chegaram ao Bundestag (o parlamento alemão) em 1982.
Com todas as falhas e erros de estratégias daquele primeiro momento dos verdes alemães (como o rodízio de bancada no primeiro mandato que se mostrou trágico – algo que dedicarei mais espaço no futuro – e a falta de apoio à unificação da Alemanha, p.ex.) foram eles os responsáveis pela disseminação da ideia de que partidos ecologistas poderiam ocupar espaços significativos da arena pública em todos os países do mundo.
Nos deram o famoso slogan “Nem à Direita nem à Esquerda, à frente!”. Naquele momento, esse slogan representava uma superação da dicotomia “Capitalismo x Socialismo”. Era o fim da Guerra Fria, da queda do Muro de Berlim e do fracasso das experiências do “Socialismo Real”. Um lado e o outro haviam apostado no industrialismo como solução para a Humanidade. Apresentamos ali o “Ecologismo”, uma nova categoria para agir politicamente.
Atualmente, com o esfacelamento do cenário político no Brasil e no mundo nos vemos diante da necessidade de repensar nossa atuação e posicionamento. O famoso slogan dos verdes alemães foi subvertido de muitas formas pelos verdes brasileiros. Foi usado como justificativa para alianças pragmáticas fora do campo progressista. Chegou a hora de dizermos claramente em qual espectro da disputa ideológica nós estamos.
Houve um tempo no qual me alinhava com a ideia de que os conceitos históricos de “esquerda” e “direita” eram caducos para pensarmos e atuarmos politicamente. Os governos social-democratas do PSDB e do PT indicavam isso. Entretanto, de lá para cá a extrema-direita cresceu e ganhou forma exatamente ao se apropriar dessas categorias políticas clássicas.
Nenhum partido político com a história e as conexões internacionais que temos pode se dar ao luxo de não se adaptar, se realinhar e se reconfigurar diante da conjuntura que se impõe.
As principais experiências de sucesso dos verdes no mundo são exatamente as que dão conta dessa nova realidade sócio-política. São aquelas que atuam dentro do campo progressista da esquerda.
Na Holanda (onde nos chamamos de “Esquerda Verde”) vencemos a onda da extrema-direita reafirmando nossos compromissos com a pluralidade, o multiculturalismo e a não-violência. Na Islândia temos uma governante eco-feminista. Na Finlândia, atingimos uma marca histórica elegendo 20 parlamentares, sendo 17 mulheres. Na Alemanha, algumas projeções nos dão como segunda força política que pode emergir nas próximas eleições europeias. O que nos mostra que nesse momento histórico a reconfiguração do nosso campo de luta deve ser dentro do campo de lutas que a Extrema-Direita está impondo. E aí temos que retomar as categorias tradicionais, mais especificamente dentro da Esquerda.
É dentro do campo da esquerda que devemos nos recolocar como protagonistas do debate político. Evidentemente não somos a esquerda corporativista (que se alia ao agronegócio, aos banqueiros e às classes dominantes) nem à esquerda cirandeira (adepta do infantilismo estatal, das proto-ditaduras latino americanas e dos slogans de rimas fáceis). Somos a esquerda ecológica, internacionalista, feminista e aliada aos estudos da Ciência. Pela esquerda, reconhecemos a inevitabilidade da ingerência humana na crise climática. E da esquerda reconhecemos que a desigualdade social é fator determinante na luta pelo desaquecimento global. A devastação de países africanos por fatores climáticos não é só um desafio ambiental. É também sócio-econômico.
Somos a esquerda ecológica, a que reconhece que a questão ambiental é antes de tudo uma questão social. Sabemos, por exemplo, que as consequências do Furacão Idai na África, nos mostram que é impossível dissociar a questão ambiental da questão social. Os fatos nos dizem que – em termos de pegada ecológica – um estadunidense médio equivale a 55 moçambicanos. Podemos reduzir o aquecimento do planeta em mais de 1,5o. C nos próximos 20 anos e salvar a Humanidade. E sabemos que se os Estados Unidos reduzissem suas emissões de carbono per capita 7 vezes, o planeta ainda aceitaria um crescimento econômico de 8 vezes de Moçambique. Ou seja, a crise climática é essencialmente uma crise social.
Somos a esquerda internacionalista, pois representamos um movimento global de resistência à extrema-direita nacionalista e reacionária. Rejeitamos a intolerância e a xenofobia. Reafirmamos a luta pelos direitos humanos. E não nos furtamos ao debate da segurança pública. Somos um só planeta, uma só comunidade. Nossas relações locais são tão importantes quanto as globais. Quanto maior nossa tolerância e inclusão, maior será nossa capacidade de lidarmos com a crise migratória.
Somos a esquerda feminista. A que reconhece que o patriarcado nos levou à legitimação do fim da biodiversidade e do conhecimento tradicional. A que reconhece a retirada do saber local (majoritariamente construído e propagado por mulheres) e que nos levou do saber agroecológico para a monocultura dos transgênicos.
Somos a esquerda que se alia à Ciência para demonstrar que a crise climática é uma catástrofe humanitária. É urgente e inegociável. Aos negacionistas daremos todas as evidências científicas da catástrofe ambiental que estamos nos encaminhando.
Nem se trata aqui de copiarmos o manifesto da Terceira Esquerda Verde de Mendiluce e Cohn-Bendit (2000). Ali eles diziam que estavam à frente da esquerda. Eu não tenho essa pretensão. O que eu proponho é estarmos ao lado da esquerda ecologista que tem ocupado os principais espaços de poder na Europa, em conjunturas similares a que vivemos atualmente no Brasil.
E aqui afirmar que o Ecologismo é a melhor resposta para a onda extremista que enfrentamos no Brasil. Construir a nossa “onda verde”: ecológica, humanista, internacionalista e feminista!
Fonte: Medium