Na eleição presidencial e do Congresso em 2018 o Brasil elegeu um presidente que se diz de direita. E mais, que se diz admirador do regime militar ditatorial do século passado, de seus presidentes generais e até de alguns dos seus esbirros torturadores mais covardes.
Alguns cidadãos acham que isto é um sinal do fim do mundo e que a jovem democracia brasileira está moribunda.
Eu não acho. É claro que não fico feliz com o resultado. Também não fiquei feliz com os dois escolhidos pelo povo para o segundo turno… Mas vejamos algumas ponderações de fé na resiliência da democracia no país.
Todas as democracias mais experientes e de longa tradição liberal têm forças políticas atuantes que vão da extrema esquerda a extrema direita. Isto é comum. Cabe ao povo de cada nação escolher periodicamente, em eleições livres como foi a nossa em 2018, quem deve representá-lo nos parlamentos e executivos.
Aqui nós estávamos acostumados desde a constituinte de 1987/88 a ver governos de centro ou de esquerda se revezarem em Brasília no executivo e costurando maiorias ecléticas no parlamento. Mesmo o exótico Collor de Melo recusava o rótulo de direita…
Direita, direita, aberta, explícita e até orgulhosa de ser direita não víamos há muitos anos…
Agora está aí e pelo voto da maioria que foi às urnas.
Penso que o maior responsável por isto é o próprio partido de esquerda que se comportou de forma desastrada nos últimos quatro períodos governamentais. Falei sobre esta possibilidade muitas vezes e não vou ficar repetindo isto. É até aborrecido e não sou aprendiz de profeta..
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De qualquer forma isto era sempre uma possibilidade em qualquer democracia. Agora temos claramente um espectro político completo, da extrema direita à extrema esquerda.
O povo pode acompanhar, sentir, reagir, protestar, apoiar, julgar suas idéias e práticas. E em breve pode escolher se quer manter ou mudar esta orientação no comando do governo federal.
Quem planta bem, colhe bem.
Quem planta mal, colhe mal.
Isto é democracia. Um regime de governo vivo com altos e baixos sempre como possibilidades. O regime da liberdade e da responsabilidade.
Mas o presidente eleito é admirador de generais ditadores e de militares torturadores! Sim, isto é realmente detestável, mas na faixa política das esquerdas também há admiradores de ditadores não menos detestáveis no passado e mesmo no presente.
Mas o presidente não aparenta ter apreço pelo respeito aos modernos direitos humanos! Sim, mas é bom saber que são muitos os governos de direita ou de esquerda que no passado e no presente também não tinham e não têm este apreço .
Aliás, pouca gente sabe que a atual pauta de direitos humanos foi lançada como uma política pública quando da criação da ONU após a segunda grande guerra mundial e é produto de concepções liberais, socialdemocratas e democrata cristãs. Na votação da Carta dos Direitos Humanos no final da década de 1940 quem se recusou referendá-la? A União Soviética e seus estados dependentes na Europa Oriental ( esquerda ) e a Arábia Saudita e África do Sul ( direita ).
Outra observação é que nas classificações tradicionais de direita e de esquerda cabem variações internas bem amplas. Na direita, por exemplo, temos correntes autoritárias e outras realmente democráticas e até libertárias… Militaristas, religiosas, nazistas, fascistas, nacionalistas, internacionalistas, estatistas, privatistas, conservadoras de várias famílias, e liberais mais ou menos liberais, anarcocapitalistas, etc. Ou seja, desde amantes de ditaduras até amantes da democracia. Na esquerda não é muito diferente.
É preciso ter bom senso e ver que no conjunto dos votantes do presidente vitorioso tem de tudo. E pelo que eu senti na pele durante dois meses de campanha a grande maioria de seus apoiadores não tem orientação política bem definida. Só queriam mudar a orientação fracassada dos últimos governos federais. E queriam aquele que prometia as mudanças mais radicais e não os mais sensatos e equilibrados.
De qualquer maneira é preciso reconhecer que ele ganhou de forma legitima e vai governar. Pode errar e pode acertar. Quem não aprovar algumas de suas políticas tem o direito e até o dever de se manifestar, criticar e propor alternativas. É o que pretendo fazer se discordar de alguma proposta específica. Como posso apoiar algo que julgue necessário.
O Brasil, embora seja presidencialista (infelizmente), não se resume ao presidente da república. Existem Congresso, judiciário, estados, municípios, meios de comunicação livres, liberdade religiosa, política e sindical, ONGs, empresas privadas, associações de mil tipos e mil falas, um povo, afinal.
Artigo por Eduardo Jorge