Em poucas semanas, as decisões políticas sobre o que chega no nosso prato já deixam claro: vamos comer ainda mais veneno, além de perder direitos no que diz respeito à qualidade e acesso à alimentação
Uma lei natural que acompanha a humanidade é que sem alimento não há vida. Mesmo assim, aqui no Brasil, isso só se traduziu em direito em 2010. Fruto de uma campanha encabeçada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em fevereiro daquele ano, a alimentação foi incluída como um direito social no artigo 6º da nossa Constituição.
O Conselho, estabelecido como um órgão de assessoramento e diálogo entre a sociedade civil e a Presidência da República, teve grande relevância na promoção dos debates que tornaram possível que o país saísse do Mapa da Fome. Mas, no Brasil de 2019, o Consea não existe mais. A notícia da sua extinção no primeiro dia do governo Jair Bolsonaro é bastante preocupante, especialmente porque a fome já voltou a crescer por aqui.
O que se seguiu desse descuido inaugural é igualmente alarmante. Em pouco mais de um mês e com sede de veneno, o Ministério da Agricultura (Mapa) pisou fundo no acelerador para demonstrar que a liberação de agrotóxicos deve ganhar destaque na nova gestão. Em três atos publicados no Diário Oficial (nº 01, 04 e 07), o Mapa concedeu registro a 57 agrotóxicos, o que significa, em média, mais de um novo agrotóxico por dia. O Ministério ainda acatou o pedido de registro de mais 210 novos produtos (atos 02 e 05), que agora devem seguir para análise. Na prática, estamos vendo parte do Pacote do Veneno sendo empurrado goela abaixo dos brasileiros dia após dia.
Entre as novas aprovações está um ingrediente ativo que é novo no país: o Sulfoxaflor, que já teve seu registro caçado nos Estados Unidos por ser potencialmente danoso às abelhas. De resto, são produtos já utilizados por aqui, que passam a ser mais amplamente empregados por novas empresas e em outros tipos de alimento. Não é só a quantidade de agrotóxicos liberados que assusta, mas a capacidade destrutiva dos ativos: 42% das novas aprovações são de ingredientes considerados altamente ou extremamente tóxicos.
Dois exemplos disso são o Mancozebe, utilizado em culturas de arroz, feijão, banana, milho e tomate, e o Piriproxifem, empregado em lavouras de café, melancia, melão e soja. Os dois ingredientes são considerados extremamente tóxicos e seu uso segue autorizado em alimentos que fazem parte do nosso cotidiano. Novamente, a ganância dos ruralistas e da indústria de veneno se sobrepõe à saúde. Para além do Congresso, a onda de retrocessos na área de segurança alimentar vai ganhando força também no poder executivo.
Ao invés de seguir carimbando tanta aprovação de novos agrotóxicos, precisamos urgentemente de medidas e políticas que assegurem à população o acesso a alimentos saudáveis. É isso que a sociedade deixou claro que quer e espera. Vale lembrar que, para isso, o país não precisaria reinventar a roda, já que existe uma proposta na mesa que pode nos ajudar a trilhar esse caminho: a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), já aprovada em Comissão Especial na Câmara e que visa diminuir a quantidade de veneno no campo de forma gradual e responsável. Ela é fundamental para garantir que no futuro todos os brasileiros tenham acesso não só a alimentos, mas a alimentos mais saudáveis. Concentrar esforços e injetar vontade política nesse sentido é que seria uma demonstração de respeito e cuidado com a população brasileira.
Na arena da alimentação teremos muita luta em 2019 – dentro e fora do Congresso e do governo. Estaremos atentos para exigir o direito de todos de ter acesso a uma alimentação de qualidade e sem veneno. Fique de olho e junte-se a nós nessa batalha.
Fonte: Greenpeace