RIO – O título de Patrimônio Mundial da Unesco a Paraty e Ilha Grande animou ambientalistas. Além do reconhecimento internacional da relevância da biodiversidade, outro fator destacado pelos especialistas é o fortalecimento no pleito por melhorias na conservação do ecossistema local. E, apesar da Estação Ecológica de Tamoios não estar dentro da área premiada, a luta pela sua manutenção, evitando o plano federal de transformá-la numa “Cancún brasileira” , ganha mais força.
A Estação de Tamoios fica entre os municípios de Angra e Paraty, e ocupa 5% da Baía de Ilha Grande, com suas 29 ilhotas e rochedos, onde vivem animais sob ameaça de extinção como a garoupa, a tartaruga-verde e o cavalo-marinho-do-focinho-longo. Sendo assim, é uma das unidades de conservação relevantes na área da Costa Verde. Para Ivan Marcelo Neves, membro do Instituto sócio ambiental da Baía de Ilha Grande, o título é uma boa notícia em “tempos sombrios”.
— Isso reforça a luta para não tentarem transformarem em Cancún a Baía da Ilha Grande — afirma o ambientalista, que enxerga uma oportunidade para a sociedade cobrar políticas públicas voltadas à conservação. — Fortalece ainda mais o mosaico das unidades de conservação e abre um excelente caminho para fortalecer os órgãos públicos ambientais e a participação da sociedade. Precisamos de projetos para a recuperação das áreas degradadas, conter as invasões e promover um programa exequível de saneamento ambiental nos municípios da Baía da Ilha Grande.
O biólogo Mario Moscatelli também celebrou a notícia. Ele que trabalhou na região entre 1987 e 1991, disse esperar que agora as autoridades brasileiras se sensibilizem e façam sua parte.
Apesar da renovação de esperança, Moscatelli cita sua experiência na região para citar pessimismo quanto ao plano da “Cancún brasileira”.
— Os interesses econômicos lá são bastante diversificados e poderosos. Desde 1987 vejo muita festa e efetivamente pouca ação. Paraty até está mais bem conservada devido a dificuldade de acesso, mais nos arredores já há muitos loteamentos. Se colocarem na cabeça que querem fazer Cancun, vão pressionar até conseguir. Mas o título é um reforço.
A Estação Ecológica de Tamoios ganhou projeção maior em 2012, quando Jair Bolsonaro, deputado federal à época, foi multado por pesca irregular. Desde então, ele iniciou campanhas para rever os parâmetros de proteção ambiental do lugar. Depois que venceu a eleição, o presidente já anunciou mais de uma vez que pretende transformar a unidade em uma espécie de Cancún brasileira, fomentando a entrada do turismo e resorts. Mas a estação é uma obrigatoriedade legal para o funcionamento da Usina Ambiental de Angra. Além disso, juristas defendem que regressão na legislação ambiental precisa ser feita a partir de projeto de lei, e não por decreto.
Dentre as preocupações ambientais na região, o saneamento básico seria o mais urgente, dizem os especialistas. Em 2017, a Firjan apresentou um Mapa do Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro, em que utilizava dados de 2015 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Nessa estatística, Angra dos Reis figurava com apenas 8.5% do seu esgoto tratado, e 46% coletado.
O estudo não mensurou a situação de Paraty, pois foram analisados os 70 maiores municípios fluminenses.
— O saneamento é um dos maiores desafios a ser enfrentado. Enquanto isso, há crescimento de invasões, que se configuram como principal vetor de degradação ambiental — explica Neves.
O ambientalista ainda diz que em Paraty o problema é ainda pior, e que quase toda a totalidade de esgoto é lançada nos cursos d’águas.
— Em Paraty há quase nada de saneamento. Em Ilha Grande, a situação também tende a se agravar por inexistência de saneamento ambiental. Principalmente nas comunidades da Vila do Abraão, Saco do Céu, Araçatiba e Provetá que são as áreas com adensamento sobre os ecossistemas.
Biodiversidade foi essencial para o título
Uma forma de Paraty e Ilha Grande vencerem o prêmio da Unesco 10 anos após a primeira tentativa ter falhado foi ter focado seu dossiê na relevância da biodiversidade local. Em 2009, o pleito havia sido pelo título de patrimônio cultural. Agora, o o título é de Patrimônio Cultural e Natural. Nos pareceres do Icomos e da IUCN, órgãos assessores da Unesco, estão explicados os critérios para a vitória.
Entre os mamíferos — cerca de 150 espécies —houve destaques para jaguar, queixada, macaco-prego, bugio e muriqui-do-sul. Ainda há 125 espécies de sapo. Diante de uma “propriedade de relevância global”, os órgãos afirmam que é preciso dar mais atenção à conservação ambiental. A biodiversidade foi essencial para o título, pois o critério de “beleza natural ou importância estética” não foi aceito. Segundo o IUCN, a região sofreu muito com crescimento urbano nas últimas décadas, e as áreas marítimas e costeiras não estavam dentro da área premiada.
Sobre o aspecto cultural e histórico, o destaque foi o “fantástico exemplo” das comunidades tradicionais, na sua representação cultural, relação e interação com o ambiente natural. Por outro lado, dois critérios não foram aceitos pelo Icomos: a associação com tradições históricas através de trabalhos artísticos; e o desenvolvimento de arquitetura, monumentos ou tecnologia relacionado com o intercâmbio entre comunidades históricas.