Para eleições municipais deste ano, candidatos não contarão com financiamento privado, tempo na TV cairá de 30 minutos para 10 minutos, muros não poderão ser pintados nem cavaletes colocados em ruas.
Ator decisivo nas últimas eleições locais e nacionais, meio responsável por popularizar, humanizar ou fragilizar candidatos, a propaganda eleitoral na TV sofrerá efeitos diretos no pleito municipal deste ano com a proibição de doações de campanha da iniciativa privada.
Entre marqueteiros, dirigentes partidários e candidatos, é unânime o entendimento de que as receitas irão despencar. Com menos dinheiro, os caros programas de TV, que apresentaram superproduções nas últimas disputas, terão queda de qualidade perceptível. Tomadas aéreas, efeitos visuais e sonoros, captações novelescas em dezenas de ambientes, multiplicidade de câmeras, isso tudo irá refluir. Se falta o empacotamento, o candidato terá de ganhar mais votos na estratégia política, discurso certeiro, simpatia e autenticidade. O velho bordão do político que “gasta sola de sapato” para trotear pelas cidades e guetos também está de volta.
Publicitário e sócio-diretor da Morya, Fábio Bernardi faz uma projeção sombria, considerando que as peças de vídeo, um dos principais gastos das campanhas, continuarão decisivas para a conquista da maioria dos votos.
— Quando uma pessoa para na frente da TV, quer ver boas imagens. A TV é uma caixa de emoção, exige cuidado plástico e conteúdo. A necessidade de dinheiro continua. Então, ou os candidatos farão programas muito ruins esteticamente, com má iluminação, pouco recurso e computação gráfica, ou vão fazer caixa 2. É um desserviço à democracia de qualquer jeito — avalia Bernardi, crítico da legislação restritiva.
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Em 2016, os concorrentes somente poderão financiar as suas campanhas com recursos do fundo partidário e doações de pessoas físicas, que deverão se limitar à fatia de 10% dos ganhos declarados no último Imposto de Renda.
Para o jornalista Marcos Martinelli, que coordenou o marketing das campanhas vitoriosas de José Fortunati e de José Ivo Sartori em 2012 e 2014, o viés positivo será o maior equilíbrio financeiro entre os postulantes. Ele acredita em queda de qualidade dos programas, mas avalia que, em geral, a nova norma não significará a volta dos bisonhos tempos em que concorrentes olhavam fixamente para alguém que segurava um cartaz com o texto a ser lido ao lado da câmera, enquanto o eco atrapalhava a compreensão das falas.
— O lado bom para a democracia é de que vai nivelar os candidatos, mas os programas vão ficar mais toscos. Menos espetáculo, mais realidade. Por outro lado, está mais fácil trabalhar. Um iPhone oferece qualidade de imagem maravilhosa. Um drone se aluga por R$ 100. Antes precisava de R$ 9 mil para contratar um helicóptero — avalia Martinelli, destacando tecnologias que permitem boas captações por preços diminutos.
A realidade está forçando adequações do mercado. Com o fim da abundância, alguns profissionais de marketing estão optando por não atuar na eleição. Além do cachê menor, apontam os recorrentes calotes em campanhas.
— Pelas informações que já temos, os custos de produção de TV e de marketing reduziram seguramente em mais de 50%. Quem não baixar preço, não vai trabalhar — diz Éverton Braz, coordenador da campanha de Maurício Dziedricki (PTB) à prefeitura de Porto Alegre.
Presidente estadual do PT, Ary Vanazzi afirma que a última propaganda partidária da sigla foi rodada com economia de 70%.
— Houve uma inversão de papéis. Antes, elas (produtoras) chegavam cobrando um valor. Agora, partidos é que dizem quanto têm para pagar. Claro que fizemos com menos recursos de imagem. Se antes tínhamos 10 pessoas trabalhando no estúdio, desta vez foram duas — explica Vanazzi.
A crença geral é de que a campanha de rua também sofrerá reduções visuais drásticas não somente por questões financeiras, mas legais: a norma veda, por exemplo, que candidatos façam propaganda com a pintura de muros e o uso de cavaletes e bonecões — que inundaram cidades nas últimas eleições. Ante as restrições de métodos e de dinheiro, a palavra “criatividade” e o uso das redes sociais estão entre as alternativas mais citadas. O fenômeno da campanha de Barack Obama na internet nas eleições norte-americanas de 2008 segue como inspiração, mas há barreiras a serem vencidas.
— A pergunta para fazer uma busca no Google pode ser a mesma, mas a resposta depende do perfil de quem acessa, tem relação com algoritmos. Isso pode gerar interpretação equivocada da realidade porque, muitas vezes, a campanha na rede social acaba atingindo massivamente aquele que já é militante — alerta Bernardi.
Menos dinheiro será ensaio para 2018
Se o dinheiro será curto na eleição municipal, o mundo político está se perguntando como sairá do papel a disputa presidencial de 2018 sem financiamento privado: candidatos ao Planalto cruzam o país em aviões particulares diariamente, elevando gastos.
Existem leituras de que o pleito de 2016 será um laboratório caótico da lei que proíbe o financiamento empresarial. Com escassez de recursos e mudanças normativas radicais, há temores de uso do caixa 2 e de excessiva judicialização.
— Essa eleição vai ser um salto no escuro. Do jeito que chegamos, sem harmonia entre as decisões do Supremo e do Congresso, acredito que essa lei não será replicada em 2018. Talvez verifiquem tantas inconsistências e irregularidades que sejam necessárias adaptações — opina o promotor Rodrigo Lopes Zilio, coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público.
Zilio, defensor da transição gradual, destaca a opção por uma mudança brusca: foi deixado para trás um sistema que era demasiadamente permissivo com as doações empresariais e sobreveio o radical oposto, de veto absoluto ao principal meio de financiamento das candidaturas até então. Ao mesmo tempo, diz o promotor, não foram melhorados os mecanismos de fiscalização, transparência e prestação de contas:
— A gente não sabe o que vai acontecer. Temo que seja eleição excessivamente judicializada.
Os partidos mais ligados à esquerda defendem a lei restritiva, embora o PT, principal representante dessa vertente ideológica, tenha sido o maior arrecadador de doações empresariais nas últimas eleições nacionais.
— Muita gente tem a intenção de acabar com a regra atual. Mas, se é para ser sério, tem de ser ainda mais rigoroso. Temos de concluir a reforma política — diz Ary Vanazzi, presidente do PT gaúcho.
Estratégia é resgatar o corpo a corpo
Para driblar as restrições de propaganda, a apresentação de numerosas chapas de candidatos a vereador está entre as estratégias dos partidos. O líder comunitário, mesmo aquele de cem ou 500 votos, passou a ser considerado mais relevante. Mesmo que não tenha condição de se eleger à Câmara de Vereadores, é a partir dele que o postulante à prefeitura poderá ingressar e disputar votos em bairros e localidades afastadas.
— Nossa coligação deverá ter entre 200 e 300 candidatos a vereador pedindo voto na rua e marcando posição para o prefeito dele — sublinha Antenor Ferrari, presidente do PMDB da Capital, que concorrerá com Sebastião Melo.
As siglas também se preparam para inaugurar plataformas online de arrecadação de doações de pessoas físicas por meio do cartão de crédito. O corpo a corpo também será resgatado.
— Vamos visitar pessoalmente as pessoas, intelectuais, professores, advogados, gente com quem temos relação, e vamos propor que façam doações — explica Ary Vanazzi, presidente do PT gaúcho.
No caso do PTB, o partido acredita que conseguirá financiar a candidatura própria em Porto Alegre, inédita nos últimos 20 anos, com o prometido repasse de recursos da direção nacional, órgão que centraliza as verbas do fundo partidário em todas as siglas.
Os gastos de campanha ainda não estão definidos, mas a avaliação é de que poderão sofrer queda de até 70%. O Ministério Público acredita que a diminuição deverá chegar em 80%.
Em São Leopoldo, o PT aportou R$ 1,6 milhão na eleição para prefeito em 2012. Neste ano, a meta é chegar em R$ 600 mil, um sinal claro dos efeitos da nova regra.
As avaliações são distintas. Presidente do PSOL, Roberto Robaina define a situação como “extraordinariamente boa”.
— Estamos felizes. É um componente novo na eleição que dificulta a participação das grandes estruturas partidárias. Nos sentimos confortáveis porque sempre fizemos campanhas mais baratas — diz Robaina, que coordenará a campanha de Luciana Genro (PSOL) à prefeitura.
Vieira da Cunha (PDT), que deixou a Secretaria Estadual da Educação para concorrer, concorda.
— Sempre defendemos limitações ao abuso do poder econômico nas eleições — diz.
Mas também há críticas de quem considera a redução da visibilidade das eleições um desserviço à democracia. A análise é de que os eleitores terão menos oportunidades para conhecer e comparar os candidatos.
— Do jeito que foi limitada, a campanha vai ser quase secreta. É um prejuízo para o cidadão — diz Éverton Braz, coordenador da campanha do PTB.
Para o advogado constitucionalista Antônio Augusto Mayer dos Santos, “o Congresso foi leviano e demagógico ao proibir a pintura de muros e a utilização de banners. Tornou a propaganda temerária e até ameaçadora, um verdadeiro retrocesso”, diz ele, citando um dos itens da norma que considera exageradamente restritivos.
Principais candidaturas em Porto Alegre
Luciana Genro (PSOL) — A sigla acredita que o impacto da nova lei será pequeno porque o partido tradicionalmente faz campanhas mais baratas. A propaganda na TV continuará sendo o maior gasto. A tática será apostar na militância para fazer campanha nas ruas e arrecadar recursos em plataformas digitais.
Maurício Dziedricki (PTB) — A campanha conta com a promessa de envio de recursos generosos do fundo partidário, feita pelo presidente nacional da sigla, Roberto Jefferson. A sigla também aposta na mobilização da militância do PTB, que detém capilaridade em regiões populares de Porto Alegre.
Nelson Marchezan (PSDB) — O candidato entende que a lei atual favorece os corruptos que são habilidosos para fazer caixa 2. Está conversando com lideranças nacionais do partido para assegurar repasses do fundo partidário. Também discute alternativas de captação de recursos junto a pessoas físicas.
Raul Pont (PT) — Apostará na força da militância e buscará contribuições de simpatizantes. Tentará criar onda a favor da campanha na centro-esquerda com o discurso de combate ao “golpe”, referência ao impeachment. No RS, a sigla ainda precisa resolver pendência legal para ser autorizada a receber verbas do fundo partidário.
Sebastião Melo (PMDB) — A coordenação pretende formar a mais ampla aliança, o que dará longo tempo de propaganda na TV e no rádio. Uma nominata com até 300 candidatos a vereador é aposta. Para reduzir custos, a legenda reformou uma casa de sua propriedade e a transformou em estúdio para gravar os programas.
Vieira da Cunha (PDT) — Como foi o último a se tornar pré-candidato, ainda tenta chegar ao mesmo nível de organização dos adversários. Uma das intenções é contar com repasses do fundo partidário pelo diretório nacional. O presidente da sigla, Carlos Lupi, foi um dos que mais pressionou pela candidatura de Vieira.
Fique atento
As principais datas do calendário eleitoral
20 de julho – Início do período das convenções partidárias, em que as siglas definem as coligações e escolhem os candidatos a prefeito, vice e vereador.
5 de agosto – Último dia para a realização das convenções.
16 de agosto – Início da campanha, faltando 47 dias para a eleição em primeiro turno. A corrida será menor em 2016. Antes, eram cerca de 90 dias.
26 de agosto – Início da propaganda eleitoral na TV e no rádio.
2 de outubro – Dia da eleição em primeiro turno.
30 de outubro – Dia da eleição em segundo turno.
O que será permitido na campanha eleitoral
Alto-falantes e amplificadores de som nas sedes ou em veículos, das 8h às 22h
Comícios
Propaganda na internet e redes sociais, desde que não seja paga
Mesas de distribuição de panfletos, bandeiraços, caminhadas e carreatas
Adesivos e botons
Jantares e almoços, desde que haja cobrança de ingresso a título de doação de campanha
O que está proibido na campanha eleitoral
Pintura de muros, cavaletes, outdoors, showmícios, posts pagos em redes sociais e distribuição de brindes, financiamento privado
Fonte: ZeroHora