Menos de uma semana depois de anunciar a extinção de uma área de reserva mineral na Amazônia, o governo do presidente Michel Temer voltou atrás, nesta segunda (28), e decidiu publicar novo texto mais detalhado sobre o tema.
O novo decreto –que anula o anterior mas volta a extinguir a Renca (Reserva Nacional de Cobre e seus Associados)– proíbe, “exceto se previsto no plano de manejo”, a exploração mineral nas áreas da extinta reserva onde houver “sobreposição parcial com unidades de conservação da natureza ou com terras indígenas demarcadas “.
Nas áreas onde não há sobreposição, o novo texto afirma que a exploração mineral “atenderá ao interesse público preponderante”, considerando elementos como uso sustentável da área, dimensionamento de impacto ambiental e uso de tecnologia para reduzir os impactos.
O texto ainda diz que a obtenção de título de direito minerário estará vinculado à comprovação de não participação em atividade mineral ilegal anterior.
Além disso, foi criado pelo decreto o Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca -de caráter consultivo.
O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, admitiu o receio de um “desmatamento desenfreado” na região, depois de dizer que a pasta não participou da edição do primeiro decreto. O anuncio foi feito na tarde desta segunda (28) por Sarney Filho e peloo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho.
A antiga Renca, área de 46.450 km² se sobrepõe a partes de três unidades de conservação de proteção integral e duas terras indígenas.
“Seria um desserviço à politica ambiental se não fizéssemos um novo decreto para deixar nítido para as pessoas que esse decreto não iria afrouxar regras ambientais nem interferir nas unidades de conservação. Com essas decisões vamos ter responsabilidade na região e não vai acontecer um desmatamento desenfreado conforme era nosso receio”, disse Sarney Filho.
Em entrevista no Palácio do Planalto, o ministro do Meio Ambiente afirmou que conversou com Temer e com o ministro de Minas e Energia sobre a necessidade de “clarificar” a decisão de extinguir a reserva. Para ele, houve uma “sinalização de que o governo estaria abandonando a Amazônia para o setor minerário. “Muito pelo contrário”, completou.
Sarney Filho acrescentou que o novo decreto mantém a extinção da Renca, mas traz “um vigor muito maior” para garantir a preservação das unidades de conservação.
“O novo decreto colocará ponto por ponto de como deverá ser agora após a extinção da Renca, preservando as questões ambientais, indígenas, sejam elas reservas estaduais ou federais. […] A mineração só irá ocorrer dentro da legislação ambiental em vigor”, disse Fernando Coelho Filho.
Segundo o ministro de Minas e Energia, o novo decreto “reforça” os pontos sobre a preservação. Fernando Coelho Filho disse que, como em “qualquer área no país”, antes de fazer uma requisição de pesquisa em determinada área, será preciso apresentar “um plano de impacto ambiental”.
CELEBRIDADES
Desde a manhã desta segunda (28), artistas se envolveram em uma mobilização nas redes sociais pedindo que a população proteste contra a decisão do governo sobre a Renca. Caetano Veloso e Anitta, que protagonizaram a campanha, publicaram mensagens na internet com a hashtag #TudoPelaAmazônia.
A modelo Gisele Bündchen tem divulgado textos nas redes sociais em defesa da região e diz que o governo está “leiloando” a floresta.
CONFUSÃO
Na sexta-feira (25), dois dias após a publicação do decreto, Fernando Coelho Filho já havia convocado uma entrevista às pressas, na qual disse que a Renca não é uma reserva ambiental e garantiu que não haveria redução em áreas de preservação no local.
Na ocasião, Coelho Filho argumentou que, dentro da área da Renca, existem hoje cerca de 28 pistas de pouso clandestinas e mil pessoas praticando garimpo ilegal e que, sem o decreto, o ministério não podia atuar nesta área.
A área é de 46.450 km² –tamanho equivalente ao do Espírito Santo–, na divisa entre Pará e Amapá. A região possui reservas minerais de ouro, ferro e cobre.
A Renca foi criada em 1984, durante o regime militar. Dentro da reserva estão localizadas partes de três unidades de conservação de proteção integral, de quatro unidades de conservação de uso sustentável (uma delas na qual a mineração era permitida a partir de um plano de manejo) e de duas terras indígenas.
Confira a íntegra do novo decreto –
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e
- Considerando a queda do desmatamento na Amazônia, atestado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia;
- Considerando a necessidade de melhor explicar o que é a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados – Renca, localizada nos Estados do Pará e do Amapá, constituída pelo Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984, e o porquê de sua extinção;
- Considerando a necessidade de melhor regulamentar e disciplinar a exploração mineral na área da extinta Renca;
- Considerando a necessidade de fazer cessar a exploração mineral ilegal na área da extinta Renca;
- Considerando a sobreposição parcial da área da extinta Renca com o Parque Nacional das Montanhas do Tucumaque, com a Estação Ecológica do Jari e com a Reserva Extrativista do Rio Cajari, que constituem unidades de conservação da natureza federais, nas quais é proibida a exploração mineral;
- Considerando a sobreposição parcial da área da extinta Renca com a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, com a Floresta Estadual do Paru e com a Reserva Biológica Maicuru, que constituem unidades de conservação da natureza estaduais; e
- Considerando a sobreposição parcial da área da extinta Renca com as terras indígenas Rio Paru D’Este, localizada no Estado do Pará, e Waiãpi, localizada no Estado do Amapá, e a inexistência de regulamentação do art. 231 da Constituição;
DECRETA:
Art. 1º Fica revogado o Decreto nº 9.142, de 22 de agosto de 2017.
Art. 2º Fica extinta a Reserva Nacional de Cobre e Seus Associados, reserva mineral constituída pelo Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984, localizada nos Estados do Pará e do Amapá.
Art. 3º Nas áreas da extinta Renca onde haja sobreposição parcial com unidades de conservação da natureza ou com terras indígenas demarcadas fica proibido, exceto se previsto no plano de manejo, o deferimento de:
I – autorização de pesquisa mineral;
II – concessão de lavra;
III – permissão de lavra garimpeira;
IV – licenciamento; e
V – qualquer outro tipo de direito de exploração minerária.
Art. 4º A autoridade competente para a análise dos títulos de direto minerário relativos à pesquisa ou à lavra em área da extinta Renca sobreposta a unidades de conservação da natureza federais ou a terras indígenas demarcadas iniciará os processos administrativos para o cancelamento dos títulos concedidos e indeferirá os requerimentos de novos títulos de direito minerário requeridos entre a criação e a extinção da Renca.
Art. 5º Nas áreas da extinta Renca onde não haja sobreposição com unidades de conservação da natureza federais, nas quais é proibida a exploração mineral, ou com terras indígenas demarcadas, a exploração mineral atenderá ao interesse público preponderante.
§ 1º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se atendido o interesse público preponderante quando houver:
I – a correta destinação e o uso sustentável da área;
II – o dimensionamento do impacto ambiental da exploração mineral;
III – o emprego de tecnologia capaz de reduzir o impacto ambiental; e
IV – a capacidade socioeconômica do explorador de reparar possíveis danos ao meio ambiente.
§ 2º A concessão de títulos de direito minerário nas áreas a que se refere o caput será precedida de habilitação técnica perante os órgãos e as entidades competentes.
§ 3º O início da explotação dos recursos minerais estará condicionado à aprovação pelos órgãos e pelas entidades competentes dos seguintes planos, observado o disposto em legislação específica:
I – aproveitamento econômico sustentável;
II – controle ambiental;
III – recuperação de área degradada, quando necessário; e
IV – contenção de possíveis danos.
Art. 6º Fica proibida a concessão de títulos de direito minerário a pessoa que comprovadamente tenha participado de exploração ilegal na área da extinta Renca.
§ 1º Nas solicitações de título de direito minerário apresentados por pessoas jurídicas, o solicitante deverá apresentar comprovação de que as pessoas naturais que compõem a sociedade, direta ou indiretamente, não estão impedidas de contratar com a administração pública e de que não tenham participado de exploração ilegal na área da extinta Renca.
§ 2º A proibição estabelecida no caput se aplica aos sócios, aos controladores dos sócios e às pessoas naturais que compõem, direta ou indiretamente, as empresas do mesmo grupo econômico da pessoa jurídica solicitante.
Art. 7º Caberá à Agência Nacional de Mineração, nas áreas da extinta Renca, a autorização para transferência do título de direito minerário, que somente será autorizada após decorrido o prazo de dois anos, contado da data da expedição do título, para as pessoas naturais ou jurídicas que comprovarem deter as mesmas condições técnicas e jurídicas do detentor original.
Art. 8º Nas áreas da extinta Renca onde haja sobreposição parcial com unidades de conservação da natureza federais e estaduais ou com terras indígenas demarcadas, ficam mantidos os requisitos e as restrições previstos na legislação relativa à exploração mineral em unidades de conservação da natureza, terras indígenas e faixas de fronteira.
Art. 9º Fica criado o Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, que será composto por um representante, titular e suplente, dos seguintes órgãos e entidades:
I – Casa Civil da Presidência da República, que o presidirá;
II – Ministério de Minas e Energia;
III – Ministério do Meio Ambiente;
IV – Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
V – Ministério da Justiça e Segurança Pública, escolhido dentre os servidores da Fundação Nacional do Índio – Funai; e
VI – Agência Nacional de Mineração.
§ 1º Serão convidados a participar do Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca:
I – um representante do Poder Executivo do Estado do Amapá; e
II – um representante do Poder Executivo do Estado do Pará.
§ 2º O Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca terá caráter consultivo e será ouvido pela Agência Nacional de Mineração antes da outorga de títulos de direito minerário relativos à área da extinta Renca.
§ 3º Os representantes dos órgãos referidos nos incisos I a IV do caput serão indicados pelos respectivos Ministros de Estado e designados em ato do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República.
§ 4º Os representantes referidos nos incisos V e VI do caput serão indicados pelos dirigentes máximos das respectivas entidades e designados em ato do Ministro de Estado Chefe Casa Civil da Presidência da República.
§ 5º A participação no Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.
Art. 10. Ficam revogados:
I – o Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984; e
II – Decreto nº 92.107, de 10 de dezembro de 1985.
Art. 11. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Fonte : Folha de São Paulo