Na quinta-feira (2), maioria das entidades ouvidas falou a favor da descriminalização do aborto; nesta segunda (6), maioria será de entidades contrárias. Ministra disse que STF deve ouvir todos os lados.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta segunda-feira (6) a audiência pública que discute a possibilidade de descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez.
As audiências públicas foram convocadas pela ministra Rosa Weber, relatora de um caso que será julgado pelo STF.
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A ação discute se a criminalização do aborto, descrita nos artigos 124 e 126 do Código Penal, contraria princípios fundamentais da Constituição, como liberdade e igualdade. Ou seja, se quem aborta deve ser preso ou não.
Atualmente, o aborto é permitido em três casos:
- quando a gravidez é resultado de estupro;
- quando há risco de vida para a mulher;
- se o feto for anencéfalo.
Nas duas primeiras situações, a permissão do aborto é prevista em lei. No caso de feto anencéfalo, foi resultado de um entendimento firmado pelo STF.
No primeiro dia de audiências, na sexta-feira (3), a maioria dos inscritos falou a favor da descriminalização. Já nesta segunda, mais entidades serão ouvidas, e a maioria é contrária à legalização.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, afirmou que a Corte tem a atribuição de ouvir os diversos pontos de vista sobre casos que deverá julgar.
“O STF, com a seriedade que lhe e própria, historicamente abre esse espaço para ouvir todas as opiniões, e respeitar todas, porque assim se faz necessário. O Poder Judiciário age por provocação, não age de ofício, portanto, não toma nenhuma atitude que não seja mediante a convocação expressa, processual, de partes interessadas”, afirmou Cármen Lúcia.
‘Ativismo judicial’
Durante a audiência, o senador Magno Malta (PR-ES) afirmou que a competência para legislar sobre o assunto é do Poder Legislativo, e não da Suprema Corte. “Nos últimos tempos temos assistido estarrecidos o ativismo judicial no país. E parece que é uma coisa que virou regra. E o ativismo judicial vem portando-se desta forma. A Suprema Corte tem que cumprir o seu papel de guardar a Constituição e ter cuidado como guardiã da lei”, criticou o parlamentar.
Em resposta, a ministra Rosa Weber rechaçou os argumentos de “ativismo judicial” contra a análise, pela Corte, do tema aborto. “Não se sabe qual será o resultado, mas o julgamento compete ao STF”, disse. “Eu particularmente tenho o maior respeito pelo Poder Legislativo do país, mas nós não estamos invadindo a competência”, disse.
Argumentos contra a descriminalização
- Dom Ricardo Hoerpers, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB): defendeu que o direito à vida está previsto na Constituição e que o Supremo, ao julgar o tema, faz “ativismo”. Para ele, a discussão deveria estar sendo feita pelo Legislativo. O bispo argumentou que não se pode tratar o feto como um órgão do corpo a ser “extirpado”. “Não podemos tratar o assunto negando, deletando, ignorando a existência do bebê. Parece que estamos falando de uma vesícula biliar, de um rim, de um adendo que precisamos extirpar. Que está causando a morte das mulheres. O foco está errado”, afirmou. “Urge combater as causas do aborto, através de implementação e aprimoramento de políticas públicas que atendam eficazmente as mulheres. Mas essa não é matéria para decidir na Suprema Corte, e sim no Legislativo”, disse.
- Padre José Eduardo de Oliveira e Silva, da CNBB: questionou os números apresentados por entidades ligadas a órgãos de saúde sobre abortos no Brasil. “A realidade é que dos 200 mil abortos atendidos pelo SUS, no máximo 50 mil são abortos provocados, provavelmente bem menos. Então no máximo há 100 mil abortos por ano no Brasil. Os números que foram aqui apresentados são 10 ou mais vezes maiores do que a realidade”, disse ele. “Toda essa inflação é para poder concluir que onde se legalizou a prática, realizaram-se menos abortos do que no Brasil. Mas na Alemanha se praticam 120 mil abortos por ano, a Alemanha possui apenas 80 milhões de habitantes. Se tivesse 200 milhões, como o Brasil, ali haveria 300 mil abortos por ano, três vezes mais do que no Brasil”, completou Oliveira e Silva.
- Douglas Roberto de Almeida Baptista, da Convenção Geral das Assembleias de Deus: disse que o direito à vida, garantido na Constituição, não pode ser violado. “Arrebata-se da Carta Magna em vigor a garantir a dignidade à pessoa humana e do direito à vida, demonstrado dessa forma a desmesurada importância que o constituinte originário concedeu ao direito à vida”, afirmou.
A favor da descriminalização
- Lusmarina Campos Garcia, do Instituto de Estudos da Religião: questionou o fato de, na opinião dela, religiões insistirem em disseminar a misoginia. “Esta audiência pública é um momento importante para um debate aberto e democrático cuja pergunta de fundo é: por que uma parte das tradições religiosas, que são construções históricas, insistem em disseminar e reproduzir a misoginia, controlando os corpos e criminalizando psiquicamente por causa do suposto pecado e da culpa e também criminalmente?, disse. “As inquisições contra mulheres continuam mesmo travestidas por outras faces e formas. Outrora, foram as fogueiras reais, hoje as fogueiras simbólicas, mas não menos perversas que persistem através de um poder religioso que age contra a dignidade das mulheres via poder político e se mantém institucionalmente”, defendeu, completou.
- Maria José F. Rosado Nunes, do movimento “Católicas pelo direito de decidir”: argumentou que a própria religião tem produzido diferentes correntes sobre o aborto. “A legalização do aborto responde a uma questão de justiça social e justiça racial”, afirmou. “É preciso considerar que as posições existentes a respeito do aborto são diversas. No campo evangélico, houve posições favoráveis à legalização do aborto. No campo católico, as disputas remetem a séculos de discussões internas entre moralistas, teólogas, teólogos”, disse. “É um dever ético da sociedade reconhecer as mulheres, nos reconhecer, como agentes morais de pleno direito com capacidade de escolha e decisão. Imoral é que outros decidam sobre o que nós mulheres possamos ou não fazer dos nossos corpos”, completou.
- Fabiana Galera Severo, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos: defendeu a liberdade da mulher para decidir sobre a interrupção da gravidez. “[O aborto] não viola o direito à vida, ao contrário, consagra o seu direito à vida. A interpretação restritiva do direito de a mulher decidir sobre sua própria vida reprodutiva, essa sim é incompatível com o direito humano à vida com dignidade e à liberdade sexual e reprodutiva”, afirmou.
Fonte: G1