Brasília, 11 de novembro de 2020 – Chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta (11/11), aquela que pode ser considerada uma das mais completas e importantes ações socioambientais já apresentadas na corte para exigir a retomada efetiva do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM). A Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada no tribunal traz um extenso levantamento com dados e análises sobre a destruição da floresta e a desestruturação de políticas ambientais promovida pelo governo Bolsonaro (veja o sumário executivo da ação).
A ADPF foi concebida por um time de dez redes e organizações da sociedade civil: ISA, Artigo 19, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Conectas Direitos Humanos, Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Engajamundo, Greenpeace Brasil, Instituto Alana, Observatório do Clima e Terrazul. As organizações pedem participação como amici curiae (“amigos da corte”, instituições ou pessoas que fornecem informações e auxiliam as partes em um processo judicial).
De acordo com os responsáveis pela ação, a administração federal estimula desmates e queimadas por meio de um conjunto de ações e omissões que, na prática, paralisaram o PPCDAM. O plano criado em 2004 e aplicado até 2018 continua em vigor, segundo a legislação.
Entre as demandas da ADPF, estão a retomada do cumprimento de metas estabelecidas pela legislação nacional e acordos internacionais assumidos pelo Brasil sobre mudanças climáticas, na prática abandonadas desde 2019. A ação exige, por exemplo, que o desmatamento na Amazônia seja reduzido ao patamar de 3.925 km² até 2021, o que já deveria ter ocorrido em 2020, segundo a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n.º 12.187/2009). A meta significa uma redução de cerca de 60% em relação à taxa oficial de desmatamento de 10,1 mil km², para o período entre agosto de 2018 e julho de 2019, apurada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Se o objetivo não for alcançado, os autores da ação pedem uma moratória na derrubada da floresta na Amazônia, por um ano, entre outras medidas. Nesse caso, o prazo para cumprimento da meta seria postergado no máximo para 2022.
A ADPF solicita ainda a redução contínua, até a extinção, da destruição ilegal das florestas em Terras Indígenas e Unidades de Conservação federais amazônicas. A ADPF aponta, ainda, violações aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, além dos direitos das presentes e futuras gerações.
Para viabilizar esses objetivos, a ADPF pede ainda: um plano de fortalecimento de órgãos federais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Nacional do Índio (Funai); a implantação de um portal na internet com relatórios sobre ações e resultados, em linguagem clara e acessível; e a criação de uma comissão emergencial de deliberação, monitoramento e transparência da política de combate ao desmatamento, com participação da sociedade civil e coordenação do STF.
“Amparados principalmente pela Constituição mas também por acordos internacionais, defendemos que o desmatamento na Amazônia seja imediatamente combatido, de forma a salvaguardar o equilíbrio ecológico e climático das gerações presentes e futuras”, afirma Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA e coordenador técnico da iniciativa. “Como todos os direitos humanos são impactados pela devastação ambiental, cabe ao STF determinar a aplicação da política pública em vigor, que já se mostrou exitosa quando efetivamente aplicada”, conclui.
Recordes de desmatamento e desmonte de políticas
As taxas oficiais de desmatamento crescem gradualmente desde 2012, mas bateram recordes a partir de 2019, com o governo Bolsonaro. O índice de 2018-2019 (10,1 mil km²) é 34% maior que o de 2017-2018. Trata-se do maior número desde 2008 e a terceira maior alta percentual da história. A taxa para 2019-2020 caminha para ser um novo recorde e deve ser divulgada até o fim do ano. O sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) estima mais um aumento de 34%. Seria a primeira vez na história que o desmatamento na Amazônia tem duas altas seguidas na casa dos 30%.
Apesar da crise ambiental histórica, os indicadores reunidos na ADPF mostram um esforço inédito da administração federal para enfraquecer instituições, normas e políticas ambientais. Nos últimos dois anos, o número de multas por destruição à floresta na Amazônia caiu 61% na comparação com 2018, com queda de 29% em 2019 e 46% em 2020. Embora o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, insista que sua pasta não tem verbas, o Ibama executou apenas 35,3% dos recursos destinados à fiscalização ambiental e meros 41,6% na prevenção e controle dos incêndios florestais, considerada a execução até 5 de outubro. A partir de 2019, o governo paralisou novos financiamentos do Fundo Amazônia, que financia parte importante das ações de órgãos ambientais. Além de interromper novas doações, o governo não deu destino algum há pelo menos R$ 2,8 bilhões disponíveis para novas contratações no fundo.
Em agosto, sem nenhuma divulgação, o governo publicou o “Plano Nacional para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020 – 2023”. O documento, no entanto, é genérico e não apresenta metas, indicadores, cronograma e formas de monitoramento. Recentemente, o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse que propôs a representantes de oito países europeus reduzir o desmatamento em 50%, até 2023. A meta não foi formalizada por nenhuma norma ou comunicado oficial.
A ADPF é um tipo de ação que busca evitar, suspender ou reparar dano a algum princípio básico da Constituição resultante de ato ou omissão do Poder Público. A ação foi elaborada em conjunto e apresentada pelos partidos PSB, PDT, Rede, PV, PT, PSol e PCdoB.
Fonte: Socioambiental