Pelo menos 38 pessoas no sul e sudeste do Estado amanhecem o dia com a real sensação que pode ser o último. São pessoas marcadas para morrer, de acordo com a lista de ameaçados de morte feita pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) a partir de levantamentos realizados nos municípios paraenses. São lideranças sindicais ou trabalhadores rurais que vivem sob ameaça constante e que passaram a ter mais receio em relação à própria vida depois do assassinato em 2011 do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em Nova Ipixuna. Finalizado em agosto de 2012, o levantamento da CPT é o mais recente a respeito de ameaças de morte em consequência da luta pela posse da terra e mostra que a violência no campo ainda é palavra de ordem no lado de baixo do mapa do Pará.
O assassinato de José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva é o capítulo mais recente do histórico de violência agrária no Pará. Nos próximos dias 3 e 4 de abril, José Rodrigues, Lindonjonson Silva e Alberto Lopes irão a júri popular, em Marabá, por serem acusados de ter envolvimento direto na morte dos extrativistas. Rodrigues é acusado de ser o mandante do crime, já Lindonjonson e Alberto são apontados como os executores do assassinato. É mais um caso de morte anunciada no campo, já que pelo menos dez anos antes de serem emboscados José e Maria denunciavam extração ilegal de madeira em Nova Ipixuna e se diziam ameaçados de morte.
“Diversos trabalhadores rurais e lideranças ameaçadas de morte fazem parte dos acampamentos de famílias sem-terras que reivindicam terras públicas ilegalmente ocupadas por fazendeiros e madeireiros. No sul e sudeste do Pará, são milhões de hectares de terras criminosamente grilados ou ocupados ilegalmente por latifundiários. As respostas que os trabalhadores rurais e suas lideranças têm recebido quando pressionam a liberação dessas áreas para a reforma agrária tem sido as ameaças e mortes por parte dos grileiros e ocupantes ilegais”, diz o advogado José Batista Afonso, da Comissão Pastoral da Terra.
Não é uma situação isolada. O número de ativistas ameaçados no país aumentou de 125 para 347 entre 2010 e 2011, segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil. Somente em um ano, o número de ativistas ameaçados no país aumentou 177,6%. A CPT diz que a situação é particularmente grave no Estado do Pará. Segundo o Relatório de Investigação 2005 da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), o Estado representa 40% da superfície total desmatada no Brasil, e tem as taxas mais altas do país, tanto de escravidão como de ameaças a defensores dos direitos humanos. Doze dos 29 assassinatos de ativistas rurais brasileiros em 2011 ocorreram em solo paraense, garante a CPT.
Isolados
De acordo com os Cadernos de Conflitos no Campo, nos últimos 10 anos 692 pessoas foram ameaçadas de morte no Estado do Pará. A maioria dessas ameaças no sul e sudeste do Estado. “Esse número, embora alto, não representa a totalidade das pessoas vítimas desse tipo de violência no campo. Muitos casos não são registrados porque as vítimas se encontram em municípios isolados ou em regiões que não têm a presença da CPT ou de outras entidades de defesa dos direitos humanos que possa fazer o registro das ameaças”, diz José Batista Afonso.
Em São Félix do Xingu, Juvêncio Coelho da Luz tem medo da escuridão e tem uma bala no peito como companheira diária. Membro do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de São Félix, é assentado pelo Incra desde 2004. Em 2011 recebeu uma proposta de compra da terra. Juvêncio recusou. Poucos dias depois enquanto roçava o pasto recebeu um tiro de revólver, calibre 32. A bala continua alojada no peito. Juvêncio Coelho da Luz registrou o ocorrido na Delegacia de Polícia de São Felix do Xingu, mas nenhuma providência efetiva foi tomada por parte da polícia. O agricultor mora atualmente na vila do Projeto de Assentamento Sudoeste, sem poder retornar ao próprio lote por medo de ser assassinado. Depois de baleado, vem sendo avisado do risco que corre.
Em Tucuruí, Roquevam Alves Silva é uma das lideranças do grupo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). As ameaças de morte sofridas por ele têm sido especificamente por denúncias feitas contra madeireiros de Tucuruí que extraem e vendem ilegalmente madeira nas ilhas do Lago da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT) e nas áreas de terra firme no entorno.
Depois das denúncias feitas por Roquevam Silva, madeireiros tiveram madeiras, balsas e equipamentos apreendidos pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e foram intimados pela Delegacia de Polícia Civil de Tucuruí. A partir daí, a vida de Roquevam virou de ponta cabeça. Teve a casa incendiada duas vezes e escapou de uma tentativa de homicídio. É o preço que vem pagando pela militância. “Perdi a liberdade. Me sinto inseguro, achando que a qualquer hora posso ser assassinado”.
O medo de Roquevam não é infundado. A história mostra que no sul e sudeste do Pará, ameaça de morte costuma ser promessa cumprida.
Fonte: Diário do Pará