Em meio ao aumento do desmatamento no país, MMA coleciona polêmicas ao cortar recursos e afastar servidores de áreas estratégicas que buscam a preservação de uma das maiores riquezas do país que é a biodiversidade
O clima é de tensão no Ministério do Meio Ambiente (MMA), que está sendo desmontado e fugindo de sua principal atribuição: a proteção ambiental. A confusão reina dentro e fora da sede da pasta. No Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), teve de tudo na última semana. Demissão de chefe de parque, pedidos de exonerações, entradas e saídas de interinos e protestos de servidores, mostrando a delicada relação entre o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e os funcionários que tocam as autarquias da pasta. E, para piorar, na noite de sexta-feira (26), foi anunciado um corte de 24% do orçamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Com essa tesourada, os recursos do órgão responsável pelo combate ao desmatamento no país passaram de R$ 368,3 milhões para R$ 279,4 milhões, valor insuficiente para cobrir as despesas fixas, estimadas em R$ 285 milhões para este ano. Salles já abriu mão do Serviço Florestal (que foi para a Agricultura) e da Agência Nacional de Águas (ANA), que foi parar no Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR). Ele ainda desestruturou o Sistema Nacional do Meio Ambiente, extinguiu a Secretaria de Mudanças do Clima, proibiu funcionários do Ibama de dar entrevistas sem autorização da assessoria de imprensa do ministério, autorizou o leilão de blocos de petróleo no Espírito Santo e no santuário marinho do Complexo de Abrolhos (BA), contrariando relatórios técnicos, e ameaçou investigar funcionários em detrimento de pescadores que disputam o direito de pescar em áreas protegidas. Além disso, o ministro não poupa críticas um suposto exagero na aplicação de multas por desrespeito à legislação ambiental.
Não à toa, Salles ganhou a pecha de antiministro alinhado com o agronegócio entre técnicos, ambientalistas e até parlamentares. O ministro criou o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar, mas também fez uma proposta polêmica para tentar converter os R$ 250 milhões em multa da Vale pela tragédia de Brumadinho (MG), em investimento em infraestrutura e trilhas para sete parques nacionais do estado, que depois serão alvo de concessões à iniciativa privada. O apelido pega mal no país com a maior biodiversidade do mundo. E fica ainda pior à luz dos dados de 2018 do Global Forest Watch, relatório da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que indica que o Brasil lidera o ranking do desmatamento de florestas primárias (que não foram afetadas pelo homem), com 1,3 milhão de hectare devastado no ano passado. O número é cerca de três vezes maior que o Congo, que está em 2º lugar.
Na Amazônia, entre agosto de 2017 e julho de 2018, o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite revelou aumento de 13,7% na área desmatada em relação ao mesmo período no ano anterior. O pior resultado em 10 anos.
Procurado e questionado sobre os planos para conter o desmatamento e o aumento ou a diminuição no número de multas por desrespeito à legislação ambiental, o MMA não comentou o assunto.
Lógica invertida
Outra polêmica no ministério foi o desaparecimento, na sexta-feira, de uma série de mapas de áreas prioritárias para conservação da biodiversidade brasileira do site do MMA. Isso provocou um alarde de possível falta de transparência. Por meio de uma nota, a pasta informou que o endereço eletrônico areasprioritarias.mma.gov.br foi tirado do ar por “necessidade de ajustes no mapa das Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios”. “Ajustes se fizeram necessários, pois havia um sombreamento entre biomas”, completou. O órgão não explicou, no entanto, porque as matérias relacionadas aos mapas também foram deletadas.
No mesmo dia, funcionários do ICMBio fizeram uma assembleia para questionar por que o assessor especial do ministro, Gastão Donadi, estaria despachando do gabinete e fazendo reuniões sem ter sido nomeado presidente interino. Um grupo de funcionários chegou a procurá-lo, mas não teria sido recebido.
A secretária executiva da Associação Nacional de Servidores da Carreira de Meio Ambiente, Elizabeth Uema, avaliou que a lógica da pasta está “invertida”. “Entendemos que é prerrogativa de cada gestão imprimir sua política. Mas, no momento atual, está havendo uma desestruturação do ministério. Áreas fundamentais de conservação ambiental simplesmente foram entregues a outras pastas. O Serviço Florestal saiu com tudo dentro, inclusive, os cerca de 40 funcionários. A ANA também. A lógica foi subvertida. A Agricultura tem como missão institucional o desenvolvimento do agronegócio. Já a área ambiental faz um contrapeso, garante um grau de sustentabilidade às ações”, explicou.
Presidente da Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente do DF, Alexandre Bahia Gontijo, trabalha no Serviço Florestal e fala de um ambiente de incertezas. “Me parece que o ministro acha que as qualificações técnicas dos funcionários são, na verdade, ideológicas. Somos servidores de carreira. Tem gente de esquerda e de direita, progressista e conservador, mas o trabalho é pautado na legislação ambiental brasileira, que está na Constituição e é rigorosa, e nas questões técnicas. Fazemos estudos, experimentos, e chegamos a resultados independentes, sem margem para ideologias. Precisamos conversar, encontrar um caminho. Mas submeter o Meio Ambiente ao setor produtivo não é diálogo, é agenda tendenciosa, conflitos de interesses”, afirmou.
Entidades e parlamentares criticam gestão
Fora do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a gestão do ministro Ricardo Sales também vem sendo alvo de críticas de especialistas e de parlamentares.
O coordenador de políticas públicas da ONG Greenpeace, Márcio Astrini, avaliou que as iniciativas de Salles estão na contramão da preservação ambiental. “Não tem nenhuma medida que fortaleça as políticas de proteção ambiental, como aumentar o combate ao desmatamento da Amazônia, principal problema do setor”, criticou. Ele lembrou que Salles “foi a segunda opção” do presidente Jair Bolsonaro, pois a primeira era não ter ministério.
A relação do ministro com os funcionários da pasta incomoda o coordenador do Greenpeace. “As notícias diárias são de exoneração, pedido de demissão e ameaça aos trabalhadores. Ele fala mal de multas, de servidores do Ibama ou de licenciamento ambiental. Hoje, no ministério, há muita confusão. O ministro critica os órgãos que deveria melhorar, capacitar”, observou. “Os funcionários estão vendo um desmonte generalizado”, completou.
O deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que preside a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, tem uma visão parecida. “Acho normal o ministro da Agricultura defender agricultura e o de Minas e Energia defender a mineração, mas não acho normal um ministro do Meio Ambiente não defender o meio ambiente. Temos informações sérias de que está sendo feito um desmonte da fiscalização. Inúmeras funções relevantes no ministério não foram preenchidas. Ele liberou a exploração de petróleo em Abrolhos contrariando pareceres técnicos, o que é inimaginável”, lamentou.
Para o professor de direito ambiental da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rômulo Sampaio, Salles precisa dialogar mais com as outras pastas, sem enfraquecer os órgãos fiscalizadores. “Um alinhamento do MMA com o Ministério da Agricultura, por exemplo, pode ser bom, mas essa relação não deve simplesmente atropelar as necessidades do meio ambiente. Fazer reformas estruturantes não é necessariamente ruim. Sabemos que alguns órgãos nunca funcionaram como deveriam, mas não pode enfraquecer”, alertou. O estudioso avisa que as políticas de proteção ao meio ambiente no Brasil já estão combalidas. Ele considera sensato que a sociedade civil demonstre resistência ao olhar para as propostas do ministro para evitar o enfraquecimento do MMA. (LC)