Angústia cresce com a falta de assistência neste momento delicado e reclamações sobre a Vale aumentam. Estresse subiu com alarme de que barragem poderia estourar
A tensão dos familiares de desaparecidos em Brumadinho chegou a um ápice neste domingo dentro da Estação do Conhecimento, espaço da mineradora Vale usado para receber parentes e amigos de desaparecidos após o rompimento da mina do Feijão. Já se passavam pouco mais de 48 horas desde o colapso da barragem e a falta de informações sobre e os mais de 300 desaparecidos cadastrados pela mineradora fez um grupo de mulheres perder a paciência. “A gente quer respostas!”, reclamava uma delas. “É tudo muito vago!”, se queixava outra sobre as notícias desencontradas no espaço onde se encontram representantes da Defesa Civil. Sabe-se até o momento que há 58 mortos, e 19 identificados. À flor da pele, outra apontava a indiferença como era tratada. “Eu não estou esperando o resultado de um concurso público não! Se o meu marido não tem valor para vocês, ele tem para mim! É meu esposo, pai da minha filha, filho da minha sogra! Ele é um simples funcionário de vocês, substituível, mas para mim ele não é”, gritava uma das mulheres de um desaparecido que trabalhava como terceirizado na Vale.
Os familiares das vítimas do rompimento da barragem do córrego de Feijão reclamavam do “descaso da mineradora diante da tragédia” e das informações desencontradas. É um processo lento. Buscar vítimas nos escombros, fazer o resgate, identificar corpos. A esperança da sobrevivência dos demais diminui. À medida que as horas passam, o desespero cresce. O choro é rotina entre os que querem saber se ainda ainda há chances de alguém ser encontrado vivo.
Na noite deste domingo, a Vale divulgou uma lista atualizada com 305 pessoas que trabalhavam na companhia com as quais ainda não conseguiu contato. Segundo o Corpo de Bombeiros, um ônibus com vítimas foi encontrado na área administrativa da Mina de Feijão e as equipes trabalhavam para realizar o resgate.
A sensação de impotência de familiares diante da incerteza sobre a vida e a morte de seus parentes foi agravada por um estresse quando o dia nem havia clareado. Uma sirene tocou às 5h30 de domingo em alerta aos moradores de Brumadinho de que outra barragem próxima dali poderia estourar e eles precisariam deixar suas casas. O alarme de emergência foi acionado em toda a região da mina do Córrego do Feijão por conta do risco “iminente” do rompimento da barragem B6, após a Vale detectar um aumento do nível de água. Era mais um sobressalto para Brumadinho, acompanhado pelo Brasil inteiro. Horas depois o alarme foi reduzido. Mas a insegurança só fez crescer entre os moradores da cidade. Muitos não dormem tranquilos enquanto não têm clareza sobre a extensão das consequências do acidente. Alguns temem que outra tragédia aconteça.
Um centro de saúde, que fica em uma parte alta do bairro Parque da Cachoeira, se tornou um dos pontos de apoio para os moradores que se viram obrigados a deixar suas casas na madrugada. Lá passaram a maior parte do dia esperando novidades e recebendo auxílio médico e alimentação de voluntários. Eles também fizeram um cadastro com nomes e telefones, mas não ficou claro onde os desalojados passariam a noite. Muitos ligavam para amigos e familiares pedindo um lugar para dormir. A reportagem encontrou apenas uma funcionária da mineradora no local, que disse que estava atuando como voluntária e não como representante da empresa.
Na hora do almoço, um boato de que a barragem tinha rompido causou tensão e ansiedade entre os moradores, mas a notícia falsa foi logo desmentida. Segundo o Corpo de Bombeiros, cerca de 3.000 pessoas foram evacuadas por conta do alarme da madrugada. Só por volta das 16h, um voluntário informou na UBS que a Defesa Civil tinha descartado o risco de rompimentos e as buscas por desaparecidos, que tinham sidos suspensas, foram retomadas. “Será? É muito difícil confiar. Tenho medo de voltar para casa com essa barragem perigando”, disse Yara Thayany após escutar o anúncio. Vários moradores que estavam no centro médico também compartilhavam do mesmo sentimento de desconfiança, apreensão e pediam uma resposta da Vale, dona das barragens.
“Não tenho conhecimento de ninguém da Vale nos procurando, nenhum morador, apenas bombeiros e defesa civil. Está todo mundo na ansiedade e a Vale não está dando suporte. Até agora, a única coisa que ela fez foi matar pais de famílias e destruir sonhos em um monte de barro. Até quando eles vão continuar matando gente? Já foi Mariana e agora chega aqui em Brumadinho e no Parque da Cachoeira”, diz Adilson de Souza, presidente da associação do bairro.
Ele conta que, há cerca de seis meses, representantes da Vale chegaram a fazer duas palestras para mostrar que o complexo de mineração era seguro. Raiane Resende, agente de saúde do bairro, lembra que durante a exposição eles comunicaram que a empresa daria treinamentos para rotas de fuga em caso de rompimento, o que nunca foi feito, segunda ela. “Lembro que ficamos assustados, mas a representante da Vale assegurou que era apenas um treinamento porque, nem se tivesse o pior dilúvio em Brumadinho, as barragens cederiam. Para tranquilizar os moradores, ela ainda disse que trabalhava na área administrativa, logo abaixo da barragem”, conta. “Mas nem precisou de dilúvio, né? Hoje temos um morador desaparecido e 40 casas perdidas. O que eles farão?”, completou Souza.
Questionada pela reportagem sobre as críticas para a falta de assistência aos evacuados, a Vale respondeu por nota que já disponibilizou acomodações para mais de 800 pessoas, além de 40 ambulâncias e um helicóptero para apoio ao resgate. Ainda segundo a Vale, para o acolhimento e identificação das vítimas, empregados e voluntários atuam nos postos de atendimento.
Medo de uma nova catástrofe
Pedro Rocha, a mulher, a filha de seis anos e a sogra acordaram assustados com o toque forte da sirene de evacuação no Parque da Cachoeira, alertando para que a população se dirigisse para as áreas mais altas da cidade. Não deu tempo de nada. Rocha reuniu a família e saiu de carro correndo morro acima, deixando para atrás as portas da casa abertas. “Desde a tragédia de sexta, não ficamos mais tranquilos. A gente dorme pensando que pode acontecer tudo de novo”. Rocha mora em uma casa a apenas três quarteirões de onde a lama de rejeitos engoliu algumas casas e os sonhos de vizinhos. “Até umas nove da manhã não tínhamos informações se a nova barragem tinha estourado. Ficamos esperando aquele barulho de sexta-feira, da água quebrando o mato”, explicava Ana Aparecida, sentada em um dos bancos do posto de saúde do seu bairro.
O pesadelo continua à medida que as informações sobre os prejuízos para a cidade crescem. Vidas humanas, o rio Paraupeba que abastece a região, fauna e flora. O déjà vu de Mariana veio ainda mais cruel em janeiro de 2019.
Fonte: Elpais