Novas regras para demarcação de terras indígenas estão prontas para votação no Plenário da Câmara. No entanto, o destino da polêmica proposta vai depender do diálogo entre parlamentares ligados ao agronegócio e aqueles identificados com causas socioambientais.
A chamada PEC 215 (proposta de emenda à Constituição) muda a Constituição e determina que a demarcação de terras indígenas passará a ser feita por lei de iniciativa do Executivo, e não mais por decreto, como acontece hoje. Na prática, essa medida dá ao Congresso Nacional a palavra final sobre novas demarcações.
O texto também proíbe a ampliação das terras já demarcadas, garante indenização aos proprietários de áreas dentro dessas reservas e fixa o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, como marco temporal para definir o que são terras permanentemente ocupadas por indígenas e quilombolas.
Para reduzir as críticas à proposta, o relator da PEC e coordenador jurídico da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), definiu que os projetos de lei sobre demarcações terão tramitação mais rápida, semelhante à de medida provisória.
“O que mais se censura na proposta é que a criação de reservas indígenas se tornaria praticamente irrealizável, porque os projetos viriam do Executivo e, aqui no Congresso, não seriam encaminhados. Então, para evitar isso, obrigatoriamente nós iremos votar tão logo o Executivo encaminhe a proposta de criação da reserva”.
A bancada do agronegócio defende a medida para conter supostas irregularidades nas demarcações de terra, que prejudicam os interesses dos produtores rurais. Denúncias de fraudes em laudos antropológicos, por exemplo, estão em investigação na CPI da Funai e do Incra, na Câmara.
Por outro lado, os movimentos socioambientais avaliam que a transferência da decisão de demarcações do Executivo para o Congresso representaria o fim das demarcações, devido à força da bancada do agronegócio na Câmara e no Senado.
“Eles pretendem que os 228 processos de homologação [de terras indígenas] sejam simplesmente sepultados e os 144 processos sub judice sejam engavetados pela Justiça, em favor dos latifundiários e dos agronegocistas. E, ao mesmo tempo, os 1.611 processos pendentes, relacionados a terras quilombolas, também seriam definitivamente jogados no lixo da história”, afirma o deputado Edmilson Rodrigues (Psol-PA) e integrante da Frente Parlamentar Ambientalista.
Manifestações
O conflito fundiário entre indígenas e produtores rurais acirra ainda mais os ânimos em torno dessa discussão.
O guarani-kaiowá Daniel Vasques, integrante da Articulação dos Povos Indígenas, promete novas manifestações para barrar a PEC 215: “Filho e sangue do Brasil não vai se calar, em momento algum, diante desse genocídio pronunciado pela PEC 215. Só resta resistir com todas as forças, todas as lágrimas e sangue, e vamos chegar lá”.
Já o diretor do Instituto Pensar Agro, João Henrique Hummel, avisa que os produtores rurais também estão mobilizados em defesa da PEC e em busca de segurança jurídica: “O cidadão brasileiro que está na insegurança jurídica da sua propriedade, porque quem atestou que aquela terra poderia ser vendida e ocupada foi o Estado, que, inclusive, deu a escritura e incentivos para que ele fosse para aquela região para povoar e produzir”.
Tramitação
A PEC 215/00 tramita há quase 16 anos na Câmara e foi aprovada em comissão especial, em outubro do ano passado, depois de muito bate-boca entre os parlamentares. Na ocasião, PT, PCdoB, PV, Psol e Rede se manifestaram contra a proposta. Houve divisão no PSB, enquanto os demais partidos com representação na comissão aprovaram o texto.
Para a aprovação definitiva de uma proposta de emenda à Constituição, são necessários os votos favoráveis de, pelo menos, 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação nos Plenários da Câmara e do Senado. Alguns deputados já anunciaram que vão pedir a inconstitucionalidade da PEC 215/00 no Supremo Tribunal Federal (STF), em caso de aprovação da proposta no Congresso.
ÍNTEGRA DA PROPOSTA: