No dia em que se completa nove anos da morte da irmã Dorothy Stang, um dos símbolos de defesa da floresta e de seus habitantes, a Mobilização Nacional Indígena divulgou imagens que mostram representantes da bancada ruralista protagonizando mais uma cena de afronta pública aos direitos de índios e outras minorias.
Em vídeo gravado durante uma audiência em Vicente Dutra (RS), parlamentares como os deputados Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) não só incitam a violência contra lideranças indígenas que tentam retomar suas terras invadidas por fazendeiros, grileiros e madeireiros, como também insultam gays e lésbicas, e refoçam o discurso inverossímil acerca da demarcação de terras indígenas para o público de produtores rurais.
Nas imagens, os parlamentares se referem a índios, quilombolas e homossexuais como “tudo o que não presta”, e estimulam agricultores a usarem de segurança armada para expulsar indígenas do que consideram serem suas terras.
“Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”, disse o deputado Alceu Moreira. “A própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça”, defendeu.
Na tentativa de colocar o público contra o próprio governo, de cuja base eleitoral o seu partido (PMDB) faz parte, ele afirma que o “movimento pela demarcação de terras indígenas” seria uma “vigarice orquestrada” pelo ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Moreira diz também que tal movimento seria patrocinado pelo Ministério Público Federal, o qual, segundo ele, defenderia a “injustiça”.
Ao contrário do que sugere, porém, a demarcação de terras indígenas é direito previsto na Constituição Federal, e o governo Dilma é notadamente o que menos demarcou terras desde a Ditadura Militar.
No vídeo, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Luís Carlos Heinze, sugere a ação armada dos agricultores. “O que estão fazendo os produtores do Pará? No Pará, eles contrataram segurança privada. Ninguém invade no Pará, porque a brigada militar não lhes dá guarida lá e eles têm de fazer a defesa das suas propriedades”, afirmou. “Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como o Pará está fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade. Foram corridos da propriedade. Isso aconteceu lá.”
Integrante do PP, partido que está pleiteando a comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Heinze, não satisfeito, insulta também outras minorias. “Quando o governo diz: ‘nós queremos crescimento, desenvolvimento. Tem de ter fumo, tem de ter soja, tem de ter boi, tem de ter leite, tem de ter tudo, produção’. Ok! Financiamento. Estão cumprimentando os produtores: R$ 150 bilhões de financiamento.
Agora eu quero dizer para vocês: o mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também é ministro da presidente Dilma. É ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas. Tudo o que não presta ali está aninhado”, discursou.
Promovida pelo também deputado ruralista Vilson Covatti (PP-RS), que pertence à Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, a audiência pública aconteceu em novembro de 2013, e seu tema foi o conflito dos produtores rurais com os indígenas do povo Kaingang, que vivem na Terra Indígena Rio dos Fundos, de 715 hectares.
Em dezembro do ano passado, produtores rurais do Mato Grosso do Sul organizaram um leilão para arrecadar recursos para a contratação de seguranças privados para impedir a ocupação de comunidades indígenas. O evento recolheu mais de R$ 640 mil e foi apoiado pela bancada ruralista. Parlamentares como a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estiveram presentes e defenderam a iniciativa.
Impunidade na esteira do retrocesso – Assassinada no dia 12 de fevereiro de 2005, a missionária Dorothy Stang, que trabalhava com pequenos agricultores na região de Anapu (PA), foi assassinada por se posicionar a favor da vida da floresta e de seus defensores. Até hoje, nenhum dos acusados de serem mandantes do crime foi punido. O seu assassinato representa só mais um capítulo de atentados contra índios, quilombolas e outras minorias.
Os que ainda resistem lutam para que as histórias da irmã Dorothy e de outros sejam mais do que meras estatísticas de violência no campo. Eles esperam justiça e governança na Amazônia, para que atitudes como as propostas pelos deputados acima não se tornem a maneira corrente de cessar conflitos fundiários.
Fonte : Greeanpeace Brasil