Peemedebista manteve o apoio de pares quando já estava na mira da Lava Jato, mas perdeu sustentação depois que o impeachment de Dilma avançou ao Senado e ele teve seu mandato suspenso pelo Supremo
O plenário da Câmara dos Deputados deve decidir na segunda-feira (12) se cassa o mandato do deputado afastado Eduardo Cunha. O peemedebista do Rio responde a um processo disciplinar por ter dito aos colegas, em março de 2015, que não possuía contas no exterior. Em outubro daquele ano, o Ministério Público Federal confirmou a existência de contas ligadas ao seu nome na Suíça.
A sessão será um novo capítulo de um ciclo acelerado de ascensão e queda de Cunha, que comandou a Câmara dos Deputados entre fevereiro de 2015 e maio de 2016 e chegou a ser considerado um dos homens mais poderosos do país.
No ápice de seu poder, contava com o apoio de boa parte da classe política e de empresários. Foi capaz de aglutinar as forças opositoras contra Dilma Rousseff e impor importantes derrotas à ex-presidente.
Em abril de 2016, Cunha comandou o plenário da Câmara na aprovação da admissibilidade do impeachment de Dilma, encaminhando o processo ao Senado, em um momento decisivo para o fim do governo petista.
O então presidente da Câmara já havia sido o responsável pela aceitação da denúncia por crime de responsabilidade contra Dilma, em dezembro de 2015, e tinha o controle de uma bancada informal com cerca de 150 dos 513 deputados.
Todo esse poder, contudo, sempre foi acompanhado de suspeitas de envolvimento no esquema de desvio de verbas da Petrobras, revelado pela Operação Lava Jato.
Em maio, um mês depois de o impeachment passar pela Câmara, Cunha teve o mandato de deputado suspenso pelo Supremo Tribunal Federal e acabou afastado da função de presidente da Câmara, sob suspeita de usar seu cargo para atrapalhar as investigações. Ele viria a renunciar ao comando da Câmara em julho.
Atualmente, Cunha continua parlamentar, com foro privilegiado (que garante que seus processos da Lava Jato fiquem no Supremo), mas sem exercer o cargo. Se for cassado, ele perde o mandato e o foro privilegiado.
Nesta quinta-feira (8), às vésperas da votação de sua cassação, levantamentos feitos por jornais informavam que o peemedebista já tinha contra si mais do que os 257 votos necessários para cassar seu mandato.
Cunha manteve o apoio de muitos de seus pares quando já estava no alvo da Lava Jato e continuou sendo útil à oposição a Dilma, a líderes do PMDB e a parcela expressiva da Câmara até a aprovação da admissibilidade do impeachment. Esse apoio, porém, foi minguando enquanto o processo contra a petista avançava no Senado e sua situação na Lava Jato se complicava. Estes são alguns dos ex-aliados do peemedebista que podem agora selar sua cassação:
Antiga oposição
O PSDB e o DEM, que compunham o núcleo duro da antiga oposição ao governo da ex-presidente Dilma, foram aliados importantes de Cunha para deflagrar o impeachment da petista. O deputado Carlos Sampaio (SP), vice-presidente do PSDB, responsável pela área jurídica do partido e líder tucano na Câmara em 2014 e 2015, era um destacado articulador da tese do impeachment ao lado do peemedebista
Em 5 de outubro de 2015, quando já havia informações de que Cunha seria titular de contas na Suíça, Sampaioafirmou que ele contava, até aquele momento, com “o benefício da dúvida”. Em 21 de outubro de 2015, quando Cunha já havia sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Sampaio declarou que o peemedebistamantinha a legitimidade para continuar no cargo de presidente da Câmara. Hoje, o líder do PSDB na Câmara, deputado Antonio Imbassahy (BA), afirma que a bancada é favorável à cassação de Cunha.
Também em outubro de 2015, o então líder do DEM, Mendonça Filho (PE), hoje ministro da Educação, também dizia que Cunha, mesmo denunciado pela Procuradoria-Geral da República, tinha respaldo para continuar presidindo a Casa.
Um mês depois, Mendonça Filho pressionava a Câmara para acelerar a análise do caso de Cunha no Conselho de Ética. Em 17 de novembro de 2015, segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, 4 dos 13 deputados do DEM defendiam o rompimento com o peemedebista. Nesta quinta-feira (8), o atual líder do DEM, Pauderney Avelino (DEM), disse que sua bancada será orientada a votar pela cassação de Cunha.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), é outro filiado ao DEM que já foi mais simpático ao peemedebista. O fluminense era aliado de Cunha em 2015, o que contribuiu para que assumisse posições importantes na Casa, como a presidência da comissão especial sobre a reforma política. Ao ser eleito presidente da Câmara em 14 de julho de 2016, contudo, Maia se comprometeu a encaminhar a cassação do peemedebista e obteve, com isso, o apoio de parte do PT e do PCdoB. Depois, disse que, “se pudesse”, votaria pela cassação de Cunha — como presidente da Casa, ele não votará na sessão de segunda-feira.
Outros dois partidos da antiga oposição, o PSB e o PPS, também articularam junto a Cunha para fazer avançar o impeachment de Dilma e, hoje, defendem cassar o mandato do peemedebista.
Centrão
No grupo de partidos que dava sustentação a Cunha, conhecido por “centrão”, também devem ocorrer viradas de posição.
O “centrão” já existia na prática no início do governo Dilma, articulando interesses que não se alinhavam automaticamente nem ao Planalto, nem à antiga oposição, sob a liderança de Cunha. O grupo se tornou formalmente um bloco parlamentar em 18 de maio de 2016, reunindo 12 partidos e representando 225 deputados.
O voto de uma deputada do PRB, integrante do “centrão”, Tia Eron (BA), foi determinante para que o processo contra Cunha no Conselho de Ética avançasse. Segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, em outras duas legendas da frente, o PR e o PSD, a maioria dos deputados também deve votar contra o peemedebista.
PMDB
Cunha cresceu no seu partido, o PMDB, à margem dos caciques tradicionais da legenda, que dominam os diretórios estaduais. No Rio, seu Estado, o PMDB é controlado por Jorge Picciani, pai do atual ministro dos Esportes Leonardo Picciani. A força de Cunha derivou de sua capacidade de construir uma base de deputados fiéis de fora do PMDB — no “centrão” — e transitar no meio empresarial, fazendo a ponte entre parlamentares e empresários que aceitavam financiar campanhas.
Apesar disso, a ascensão de Cunha à presidência da Câmara, no início de 2015, foi boa para o PMDB, que passou a controlar as duas Casas do Congresso simultaneamente, já que o Senado é comandado por Renan Calheiros (PMDB-AL). Michel Temer, então presidente do PMDB, que participou da articulação da queda de Dilma, teve em Cunha um aliado útil para deflagrar o impeachment e fazê-lo avançar na Câmara.
Após seu afastamento do cargo pelo Supremo, o respaldo do PMDB a Cunha passou a ser cada vez mais discreto. Quando já era presidente interino, Temer disse que seu colega de partido enfrentava um “quadro dramático” e recebeu Cunha para uma reunião reservada no Palácio do Jaburu (residência oficial do vice-presidente), em encontro não informado na agenda oficial, mas descoberto pela imprensa.
O ex-presidente da Câmara conseguiu somente adiar a votação de sua cassação, prevista inicialmente para meados de agosto. Nesta segunda-feira (8), o jornal “Valor” informou que Cunha já havia sondado o Ministério Público a respeito de uma possível delação premiada, com potencial de dano a outros políticos — o deputado, porém, negou que esteja pensando em um acordo do gênero.
Fonte : Jornal Nexo