Indicado para ocupar a Diretoria de Avaliação da Educação Básica de órgão vinculado ao Ministério da Educação, doutor em economia defende o movimento Escola sem Partido.
O doutor em economia Murilo Resende Ferreira foi indicado para ocupar a Diretoria de Avaliação da Educação Básica do Inep (Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão vinculado ao Ministério da Educação.
Ele será responsável pela coordenação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), prova criada em 1998 para avaliar a qualidade do ensino médio no Brasil e que pode ser usada pelos estudantes para entrar em universidades públicas. O exame é realizado anualmente. Só em 2018, 5,5 milhões de estudantes se inscreveram, e 4,1 milhões fizeram a prova.
O presidente Jair Bolsonaro defendeu, no sábado (5), a indicação: “Murilo Resende, o novo coordenador do Enem, é doutor em economia pela FGV e seus estudos deixam claro a priorização do ensino ignorando a atual promoção da ‘lacração’, ou seja, enfoque na medição da formação acadêmica e não somente o quanto ele foi doutrinado em salas de aula”, escreveu em sua conta no Twitter.
Ao utilizar a palavra “lacração”, Bolsonaro se referia a uma questão do Enem de 2018, que tratava de um “dialeto secreto” utilizado por gays e travestis. “Uma questão de prova que entra na dialética, na linguagem secreta de travesti, não tem nada a ver, não mede conhecimento nenhum. A não ser obrigar para que no futuro a garotada se interesse mais por esse assunto”, afirmou em entrevista ao programa Brasil Urgente, da Band, em 5 de novembro de 2018, quando já estava eleito.
Quem é Murilo Resende
Formado em administração de empresas pela FGV (Fundação Getulio Vargas) de São Paulo, em 2006, Resende tem 36 anos. Ele concluiu o doutorado em economia pela mesma instituição em 2014, no Rio, sem ter feito mestrado. Sua tese trata da teoria e da história dos bancos e arranjos financeiros.
Entre 2015 e 2016, chegou a atuar como professor visitante da Universidade Federal de Goiás. Entre 2015 e 2018, foi professor visitante de economia da Esup (Escola Superior Associada de Goiânia), uma faculdade particular que oferece cursos de administração de empresas, ciências contábeis e direito.
Ele também mantinha um site em que vendia cursos online e oferecia “aulas particulares” em “pacotes personalizados”. Um deles, de filosofia política, tratava dos autores Olavo de Carvalho, Eric Voegelin e Bertrand de Jouvenel, ao custo de R$ 190.
Em sua página, Resende se apresentava como “aluno do seminário de filosofia de Olavo de Carvalho desde 2009” que buscava “estudar filosofia e ciência política em profundidade nos últimos anos”. Outros cursos oferecidos tinham títulos como “As principais correntes do marxismo” e “Descartes: pai da ideologia de gênero”. A página foi retirada do ar.
As divergências Resende já fez parte do MBL (Movimento Brasil Livre) em Goiás e defende o movimento Escola sem Partido. Ele também já se manifestou contrariamente ao que chama de “ditadura marxista” nas escolas e universidades, questão que também é apontada pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, como um dos principais problemas do ensino no país.
Ao ter seu nome anunciado para o cargo no Inep, um dos fundadores do MBL, Renan Santos, criticou o economista em sua conta no Twitter, dizendo que ele foi expulso do grupo porque “vivia xingando a gente por lutarmos pelo impeachment [da então presidente Dilma Rousseff]”.
Em 21 de setembro de 2016, Resende falou por meia hora durante a audiência pública “Doutrinação Político-Partidária no Sistema de Ensino”, organizada pelo Ministério Público Federal de Goiás. No evento, ele chegou a se referir aos professores como “manipuladores”. “Ideologia de gênero é hoje o grande cavalo de batalha desses manipuladores, sim, gente que não quer estudar de verdade, que sequer conhece a literatura, sequer conhece a filosofia”, afirmou.
Sua fala chegou a ser interrompida por professores após o economista afirmar que alguns deles tinham defendido o aborto. Abaixo, o Nexo compilou frases proferidas por Murilo Resende no evento em 2016.
Frases
“Eu, graças aos meus pais, tive condições de estudar numa escola particular, mas mesmo lá testemunhei o horror de professores fazendo doutrinação política explícita. Na sétima série, meu livro de história aplicado foi ‘O Capital’ [de Karl Marx] em quadrinhos, onde o capitalista era um gordo que tinha começado a roubar a propriedade na pré-história e continuava roubando tudo em todas as eras. Foi assim que eu aprendi história num colégio católico.”
“Uma pessoa, hoje, que entrar numa universidade federal, com uma linha de pesquisa que não siga a linha gramscista, frankfurtiana ou de ideologia de gênero, em geral, qual a chance de ela realmente progredir em seus estudos? Qual a chance de alguém que tem uma perspectiva conservadora ou liberal, por exemplo, sobre a educação? Se alguém aparecesse com uma linha de pesquisa dessa hoje na federal, ele teria 0,05% de chance de ser aprovado.”
“Esse estágio atual que a gente passa na educação brasileira nasceu em muitos sentidos já no regime militar, onde a gente vê o regime militar adotar a famosa tese da panela de pressão. Para contrabalançar a esquerda guerrilheira, a esquerda do Araguaia, eles deveriam dar um espaço nas universidades. Inclusive a Unicamp foi criada para isso, para ser uma espécie de fazenda onde seriam alojados os marxistas. Você deveria deixar esses marxistas ditos democráticos que não tinham aderido à luta armada, o espaço deles deveria se dar nas escolas.”
“O grande cronista Nelson Rodrigues já relatava que nas escolas e no jornalismo daquela época já era quase impossível encontrar vozes que não eram marxistas na década de 1970. Com a redemocratização, esse aparelhamento brutal e ditatorial avançou inclusive para lugares como a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da Educação], o MEC, com uma voracidade.”
“Qualquer ser humano que tenha alguma dignidade que olhe o currículo das nossas universidades de pedagogia sabe que precisam de uma reforma absurda, uma reforma completa para limpar todas essa contaminação ideológica até o ponto em que os professores voltem a se preocupar com a sala de aula, e não só com filosofia da educação e ficar discutindo Paulo Freire e a criança do futuro que será um jovem socialista.”
“Essa é a situação triste que a gente vive no Brasil. Não ensinam português, a literatura nacional está sendo abandonada, agora até Machado de Assis e Monteiro Lobato vão ter que ser proibidos porque não são politicamente corretos, mas ensinar para uma criança que não existem homem e mulher, que qualquer um pode escolher ser homem e mulher, a partir do contexto de gênero, isso é a prioridade número um da escola brasileira.”
“Ao contrário das aparências superficiais de pregação da diversidade, o verdadeiro objetivo dessa ideologia [de gênero] é abolir toda a diferença e complementaridades entre os homens (inclusive a fundadora de todas elas: masculino e feminino), transformando a humanidade em uma massa pastosa e indiferenciada (e confusa), tão flexível e configurável quanto os personagens de jogos online”
Em texto publicado no site muriloresende.org, que foi retirado do ar
O futuro do Enem
Ao jornal O Globo, Resende afirmou que o Enem “não sofrerá alterações imediatas”, por ser um “exame central”. “O Enem é obviamente uma prova central. Tem que manter [as diretrizes]. A gente tem milhões de alunos que dependem do Enem para seleção nas universidades. Tudo isso tem que ser mantido”, disse ao jornal.
As discussões sobre gênero, porém, devem ficar de fora das próximas provas, segundo indicações dadas pelo novo governo. Em novembro de 2018, então indicado para o Ministério da Educação, Rodríguez afirmou que daria aval para que Bolsonaro consultasse as provas antes de serem aplicadas, se ele assim desejasse.
Ainda em novembro, o então presidente eleito disse à Band que o exame teria que “cobrar o que realmente tem a ver com a história e cultura do Brasil, não com uma questão específica LGBT”.
O que é a Diretoria de Avaliação da Educação Básica
Conhecida pela sigla Daeb, a diretoria que coordena o Enem trabalha com avaliações de qualidade educacional, que servem para as instituições e sistemas de educação, e exames, com resultado para os alunos.
Em relação às avaliações, a principal é o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), feito desde os anos 1990. Mas há também iniciativas internacionais, como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que avalia alunos com 15 anos em relação a outros países, e o Erce (Estudos Regionais Comparativos e Explicativos), junto à Unesco, para avaliar a qualidade da educação no ensino fundamental em leitura, ciências e matemática.
A diretoria também cuida de exames, como o Enem, o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos e a Certificação de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros, o Celpe-Bras.
Quem ocupava o cargo
Desde 2016, a diretoria era ocupada por Luana Bergmann Soares, servidora de carreira do Inep desde 2010. Formada em pedagogia pela Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), ela fez mestrado em educação pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), com financiamento da CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Sua tese trata da ação do Instituto Ayrton Senna na rede municipal de educação de Joinville, em Santa Catarina, entre 2001 e 2008, e investiga os métodos e princípios da gestão empresarial na escola pública.
Fonte: Nexo Jornal