“Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida”, este é o tema da Campanha da Fraternidade 2017 que foi lançada nesta quarta-feira, 01.03, pela CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil e durará os quarenta dias que caracterizam a Quaresma.
Mas o que são e quais são os biomas brasileiros e porque eles são tão importante para defesa da vida?
Segundo o site Biomas Brasileiros: “Bioma é formado por todos os seres vivos de uma determinada região, cuja vegetação tem bastante similaridade e continuidade, com um clima mais ou menos uniforme, tendo uma história comum em sua formação. Por isso tudo sua diversidade biológica também é muito parecida.”
A palavra Bioma não consta da Constituição Federal.
No art. 225, § 4.º, temos a proteção de algumas áreas consideradas como patrimônio nacional. Essas áreas coincidem com alguns biomas como o da Mata Atlântica, o da Floresta Amazônica e o do Pantanal. Mas, ficam de fora desta proteção constitucional áreas cuja vegetação tem bastante similaridade e que são consideradas biomas, como é o caso do Cerrado, dos Pampas e da Caatinga.
§ 4.º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
A proteção ao patrimônio nacional, conforme à Constituição Federal, depende de lei complementar, que não foi votada até o momento. O intérprete, para proteger os biomas da voracidade dos depredadores, terá que recorrer às ferramentas de hermenêutica jurídica e aplicar a interpretação sistemática, buscando combinar diversos diplomas legais para atingir ao desiderato de proteção legal adequada.
Estes diplomas legais existem, mas não como deseja a CNBB e a Campanha da Fraternidade, que, diga-se, seria o mais adequado.
Para começar, o intérprete deve valer-se do caput do art. 225 usando a expressão “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois se há um campo onde esta expressão se aplica, esse é, sem dúvida, o bioma. Se o bioma perde o equilíbrio, toda a vida ali existente precisa se adaptar ao novo ambiente ou não se manterá viva.
Diga-se, a bem da verdade, cada bioma, por suas características próprias, abriga vidas distintas. Uma ave dispersora do Cerrado não alcançará as gigantes árvores da Amazônia e por isso não terá acesso aos seus frutos, e mesmo que tenha, o formato do bico e outras características dificultarão o manejo do fruto, o que lhe impedirá à realização da dispersão de sementes. Assim como as aves, os polinizadores são específicos de cada formação, portanto merecem proteção e legislação específica.
O aplicador do direito pode ainda se valer da Lei n.º 6.938/81 que trata da Política Nacional de Meio Ambiente para utilizar os conceitos de poluição, poluidor e os instrumentos de proteção ambiental, aplicando os mesmos aos biomas, mas sentirá a ausência do termo bioma e de sua caracterização enquanto unidade de vidas, com todas as suas correlações ou conexões vitais.
Indo mais adiante, o hermeneuta terá o auxilio da Lei n.º 12.651/2012, considerado o novo Código Florestal e ali, especificamente, verificará que também o legislador deixou de tratar da palavra bioma, preferindo utilizar termos mais genéricos e cientificamente questionáveis, conforme pode ser extraído do art. 12, que trata da “Reserva Legal”:
Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).
I – localizado na Amazônia Legal:
a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;
b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;
c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais;
II – localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento).
A áreas urbanizadas dentro dos biomas brasileiros só podem ser protegidas superficialmente com utilização, pelo intérprete, de bastante polêmica. APP’s urbanas, áreas de proteção permanentes em rios, cursos d’águas que se localizam nas cidades que atravessam os biomas nacionais, alguns deles considerados patrimônio nacional.
Aqui mora um dos graves problemas para a defesa da vida. Depois que as cidades chegam e descaracterizam o bioma fica difícil reconstitui-los e até reconhecer sua importância ambiental sem que isto não signifique um grande debate jurídico. Mesmo os membros do Ministério Público, titulares de ação civil pública, instrumento processual importante, relutam em pedir a aplicação da lei para proteger as APP’s urbanas e os biomas do qual fazem parte.
O art.11 do Código Florestal avançou para caracterizar uma parte das Zonas Costeiras do Brasil, definindo estas áreas como Apicuns e Salgados, mas os mangues, um tipo específico de bioma que guarda as fontes básicas de alimento e reprodução das vidas marinhas, ficou de fora da proteção legal.
Avançando na sistematização e integração interpretativa, pode-se ainda solicitar o auxilio da Lei 9.998/2000, a Lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, bem, mas ainda não estamos falando de bioma conforme seria o ideal. A Lei não cria Unidades de Conservação e nem indica que devam ser criadas com base no estudo do bioma, onde se localizariam.
O hermeneuta dispõe das Leis de Crimes Ambientais e das Resoluções CONAMA, porém, sem que o termo bioma e a unidade de vida de cada um deles esteja ali delimitados para orientação dos que pretendem vê-los preservados.
O único bioma tratado como tal por um diploma legal, é o bioma ‘Mata Atlântica”.
A Lei 11.428/2006, cuja ementa trata da “utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências.”.
No art. 2.º da Lei acima, temos a caracterização da floresta deste bioma:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.
Mas é no art 6.º do Capítulo que trata dos Objetivos e Princípios Jurídicos do Bioma Mata Atlântica que o jurista de boa-fé e interessado na defesa do meio ambiente, vai encontrar os termos que podem ser utilizados para todos os biomas que se deseje proteger:
Art. 6.º A proteção e a utilização do Bioma Mata Atlântica têm por objetivo geral o desenvolvimento sustentável e, por objetivos específicos, a salvaguarda da biodiversidade, da saúde humana, dos valores paisagísticos, estéticos e turísticos, do regime hídrico e da estabilidade social.
Nos instrumentos legais, o legislador tratou dos recursos naturais possíveis de utilização econômica imediata, notadamente os recursos florestais, quanto aos demais elementos que compõe o que a CNBB, em sua campanha, chama de vida, a defesa adequada ainda é uma lacuna no nosso ordenamento jurídico.
A Campanha da Fraternidade visa sensibilizar os católicos nos elementos “ver”, “julgar” e “agir”.
No caso dos biomas, o “ver corretamente” vai exigir grande esforço de busca de conhecimento e entendimento sobre a importância destes conjuntos de vidas.
No caso do “julgar”, creio que é muita mais fácil perceber e decidir as responsabilidades da preservação dos biomas.
E no caso do “agir”?
A CNBB poderia começar com uma emenda constitucional descrevendo todos os biomas e sua proteção. Depois, poderia criar um projeto de lei de iniciativa popular, regulamentando a proteção dos biomas brasileiros. Também poderia solicitar das câmaras municipais de cada paróquia a criação de Unidades de Conservação Municipal para proteção de nascentes e de fragmentos de florestas urbanas.
A iniciativa da CNBB, seja qual for o resultado, merece todo o aplauso e está de acordo com a Carta Pastoral do Papa Francisco, que pode ser lida ao longo destes 40 dias como forma de conhecer a crise ambiental do Planeta. Para ter acesso basta clicar em Laudato Si e baixar.
José Carlos Lima – diretor da Fundação Verde Herbert Daniel