O debate em torno da nova lei envolve desde a instalação de um posto de combustíveis a uma grande hidrelétrica, passando pela produção agropecuária, mineração, infraestrutura, costurando com a conservação da biodiversidade e mudanças climáticas. Nada trivial, portanto.
O assunto foi tema esta semana de um seminário na Câmara dos Deputados. Nos próximos meses, o parlamento deverá apreciar o projeto de lei de autoria do poder Executivo e que está sendo coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, com participação direta da Casa Civil da Presidência da República.
O projeto prevê ritos simplificados para o licenciamento de empreendimentos com menor potencial poluidor, racionaliza os termos de referência – questionários que dão origem aos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) –, fixa prazos para as análises e define uma metodologia para dispensa de licenciamento, em alguns casos.
O texto também reduz de 15 para 12 meses o prazo que os órgãos ambientais têm para emitir – ou negar – uma licença para obras que exijam EIA e de 8 para 6 meses no caso da licença de instalação.
Críticas bem vindas
Ao mesmo tempo em que a proposta avança em relação a algumas das regras do licenciamento em vigor, deixa margem a críticas que ainda precisam ser digeridas pelo governo e incorporadas ao texto pelo relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, deputado federal Ricardo Tripoli (PSDB/SP), que considerou bem vindos os comentários que agreguem valor ao debate neste momento de formulação do novo regramento legal.
Os comentários mais contundentes vêm de entidades representativas dos agentes econômicos, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), mas não só. A Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) faz coro e diz que a proposta em discussão não atende aos interesses dos estados.
De modo geral, essas entidades querem acelerar os trâmites ambientais e reduzir etapas do licenciamento. Em alguns casos, como o da atividade agropecuária, a intenção é liberá-la da exigência de licença ambiental – um pedido que dificilmente encontrará respaldo na Constituição Federal, dizem alguns especialistas que acompanham o tema.
Outras vezes, o problema está no grau de relevância ambiental da área como critério para determinar o rito de licenciamento – se em uma, duas ou três fases – e o sistema de classificação dos empreendimentos com base no porte e no potencial de degradação.
A proposta do governo passa de 60 para 90 dias prazo que esses órgãos têm para se manifestar sobre um licenciamento, mas que se eles não se pronunciarem no prazo, o processo segue da mesma forma. As entidades que representam esses segmentos, assim como o Ministério Público não estão nada satisfeitos, e querem mudanças no texto.
Outra polêmica é a limitação da participação das autoridades intervenientes, órgãos públicos que normalmente têm de opinar em casos específicos como Agência Nacional de Águas, Funai, Incra. Até mesmo associações de servidores de órgãos públicos ligados ao licenciamento têm pleitos sobre a melhoria das condições de trabalho, ampliando a equação política a ser enfrentada.
Rumo ao parlamento
Antes de seguir para o Congresso, o documento deverá ainda passar pela consulta pública, o que deve ocorrer nas próximas semanas. Muitos ajustes e bastidores, porém ainda farão parte do processo, inclusive depois que o projeto chegar ao parlamento, onde o embate político se sobrepõe à argumentação técnica e científica, como se viu nas discussões do Código Florestal.
Faltam debate e consensos. Mas o projeto avança. E recebe apoio de setores fundamentais da sociedade.
“Estamos discutindo [a proposta de lei] com todos segmentos do governo federal, ouvindo sociedade civil, governos municipais, mas é o Congresso que dará a palavra final. O projeto não pode servir de pretexto para dizer que estamos atrapalhando o desenvolvimento”, sinalizou o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, na abertura do seminário.
Ao contrário. “A área de financiamento internacional dá atenção à questão ambiental”, lembrou o deputado Ricardo Tripoli. “Vale no mercado mais um empreendimento com licenciamento do que um que não tem. É um selo certificador”, alertou o relator do projeto de lei.
“O texto do MMA é um texto claro, sem aberrações. Tem começo meio e fim. E isso não é coisa menor”, disse o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, ao comentar a proposta na mesa de abertura do seminário.
Segundo ele, a nova lei deve trazer segurança jurídica, não só para o empreendedor, mas para a sociedade. E agregar os novos ventos pós ratificação do Acordo de Paris. “É preciso que a lei reflita as expectativas da sociedade em relação a um mundo com baixas emissões de carbono”, lembrou.
“Estamos vinculados aos princípios da precaução, da participação, da vedação ao retrocesso e do poluidor-pagador. Não há como fazer mudanças legislativas tentando se afastar desses princípios, porque estaremos nos afastando do estado constitucional”, alertou a procuradora da República Fabiana Schneider, que representou o Ministério Público Federal durante o evento.
Alguns dos palestrantes apelaram para que o projeto de lei seja discutido o mais amplamente possível com a sociedade. O caso de Mariana – em que o rompimento de uma barragem de contenção de resíduos da mineradora Samarco causou a morte de 19 pessoas e deixou um rastro de destruição até o Atlântico – veio à tona como exemplo do que não se pode mais tolerar em relação ao licenciamento de obras de grande porte, principalmente.
Mas veio de uma entidade ambientalista o pedido de cautela no processo de elaboração da lei: “Faço um apelo a essa casa: não votem legislação em atropelo”, disse Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica. (WWF Brasil/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site WWF Brasil.