Ministra Rosa Weber quer julgar até maio de 2020 consulta que obriga mínimo de 30% de mulheres na direção das siglas.
Na esteira de decisões com o intuito de promover a equidade de gênero na política, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) deve avançar nos próximos meses com ações para fortalecer a presença de mulheres no comando dos partidos políticos. A corte vai verificar a situação de secretarias da Mulher em cada legenda e também pode julgar, no próximo ano, uma consulta que estabelece uma reserva mínima de 30% de mulheres na direção das siglas.
A consulta apresentada pela deputada Lídice da Mata (PSB-BA) em agosto de 2017 questiona se a cota mínima de 30% de vagas para candidatas mulheres nas eleições, obrigatória desde 2009, vale também para a composição das comissões executivas e diretórios nacionais dos partidos. A petição também questiona se devem ser indeferidos pela Justiça Eleitoral os pedidos de registro desses órgãos internos que não respeitam o percentual.
Relatora da ação, a ministra Rosa Weber tem intenção de pautar o julgamento até maio de 2020, quando acaba seu mandato como presidente do TSE. Ela é a única mulher no tribunal e também foi relatora da consulta julgada em maio de 2018, quando o plenário da corte decidiu que no mínimo 30% do Fundo Eleitoral deveria ser destinado a candidaturas femininas.
A decisão sobre o financiamento é vista como um fundamento que pode contribuir no julgamento sobre as cúpulas partidárias. “Um dos grandes motores para esse convencimento de participação da mulher, rompendo as amarras da cultura de que a mulher não deve participar da política, é justamente um Fundo Eleitoral em que as mulheres possam ter acesso mais facilmente à possibilidade de ser eleita”, afirmou Lídice da Mata ao HuffPost.
Um dos advogados responsáveis pela elaboração da consulta, Daniel Falcão, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), entende que essa reserva não fere a autonomia partidária. “Esse não é um conceito absoluto. O partido não pode fazer o que ele quer, tanto é que a Lei dos Partidos dá diversas ordens de como os partidos devem se organizar minimamente. Por exemplo, não pode gastar o Fundo Partidário da forma como bem entenderem”, afirmou à reportagem.
Na consulta ao TSE, os advogados alegam que a cota é uma forma de assegurar os princípios constitucionais de isonomia e pluralismo partidário, no sentido de “direito de acesso igualitário entre homens e mulheres a cargos eletivos, promovendo representações políticas que reflitam a proporção de gêneros verificada na demografia do País”.
Internamente, algumas siglas adotam políticas de promoção da representatividade feminina, mas em geral, o controle dos partidos é dos homens. De acordo com levantamento do Transparência Partidária, apenas 20% dos cargos de direção partidária em nível nacional são ocupados por mulheres.
A tentativa via Judiciário também é uma forma de vencer a resistência no Legislativo, onde lideranças partidárias masculinas prevalecem, o que dificulta alterações na legislação nesse sentido.
Para Lídice da Mata, uma eventual reação no Congresso só virá de “caciques que se acham donos de partido”. “Os que não se acham donos de partido certamente entenderão como um estímulo à participação da mulher na política e abertura democrática dos seus partidos para o fortalecimento da presença feminina”, afirmou à reportagem.
Para a deputada, são poucas as chances de eventuais tentativas de burlar essas cotas porque as direções partidárias são pequenas.
Mulheres na política brasileira
Garantir a presença feminina no comando dos partidos pode ser uma forma de aumentar efetivamente a representatividade das mulheres nos órgãos de poder, uma vez que decisões como quais candidaturas lançar e quanto dinheiro destinar a elas são tomadas por essas estruturas partidárias. “Fazer parte da executiva [do partido] por si só já é importante para que tenha representação de gênero diferenciada nas decisões”, explica Falcão.
O Brasil está na lanterna dos rankings de presença feminina no poder. Estamos na 152ª posição na lista de 192 países que mede a representatividade feminina na Câmara dos Deputados, divulgada pela Inter-Parliamentary Union. Já entre os cargos no Executivo, ocupamos a 161ª posição na comparação entre 186 países, de acordo com o Projeto Mulheres Inspiradoras.
Apesar de as mulheres representarem 52% do eleitorado, elas são apenas 15% dos deputados federais e dos senadores e 14% dos vereadores. No Executivo, apenas um estado é governado por uma mulher e 12% dos municípios.
Hoje a legislação prevê apenas a reserva de candidaturas e não de cadeiras no Legislativo. Há também falhas no cumprimento dessa norma por meio de candidaturas laranja. Em setembro, o TSE decidiu que a fraude à cota de gênero leva à cassação de toda a chapa eleita, mas não foi determinada punição para os dirigentes partidários por entender que não havia prova efetiva do envolvimento deles no caso analisado, referente a vereadores de Valença do Piauí (PI).
Secretarias da Mulher nos partidos
O TSE também irá consultar os partidos a respeito de estruturas internas ligadas à promoção de políticas de gênero. Neste ano, o Congresso estabeleceu que cabe à Secretaria da Mulher da legenda ou por instituto presidido pela chefe da secretaria a aplicação dos 5% do Fundo Partidário para promoção da participação política das mulheres.
Muitas siglas não têm essa estrutura consolidada. De acordo com levantamento interno do TSE ao qual o HuffPost teve acesso, de 35 legendas analisadas, não foi encontrado qualquer registro de um núcleo específico para essa área no PMN, Avante, Novo, Rede e PMB. Apenas 9 partidos tinham site próprio para um núcleo voltado para mulheres e 17 não tinham página ativa no Facebook desses órgãos.
Por meio da Comissão Gestora de Política de Gênero, criada em 11 de outubro, o TSE pretende reunir integrantes das secretarias da mulher nos partidos e oferecer apoio para esses órgãos.
Para a presidente da comissão, Renata Dalposso, a possibilidade de melhora da equidade de gênero no cenário brasileiro passa por um conjunto de fatores. “O problema começa dentro da organização interna dos partidos porque eles definem a direção, e as mulheres já começam a ficar marginalizadas dos processos decisórios das agremiações”, afirmou ao HuffPost.
Dalposso, que é chefe de gabinete de Rosa Weber, também citou que o sistema atual “não garante as vagas das mulheres”, só a disputa. “Mas o que está por trás disso é um aspecto cultural muito forte, de o partido entender que a inserção da mulher na organização do partido e na política fortalece a agremiação como um todo e o processo democrático”, completou.
Uma das referências usadas pela comissão é o manual “Empoderando as mulheres para fortalecer os partidos – um guia para promover a participação política das mulheres”, organizado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Instituto Nacional Democrático) e pelo Instituto Democrático Nacional de Assuntos.
O estudo reúne boas práticas adotadas em partidos de diversos países, divididas entre período pré-eleitoral, eleitoral e pós-eleitoral. Alguns exemplos são adotar medidas para a participação das mulheres nas estruturas de decisão, criar diretrizes para recrutamento de candidatas, fornecer treinamentos, criar redes de levantamento de recursos e fundos internos específicos para mulheres, sensibilizar lideranças masculinas e trabalhar com organizações da sociedade civil.
O manual aponta benefícios para as siglas a partir dessas medidas. “Mulheres candidatas têm mais probabilidade que os homens de virem da sociedade civil. Tais conexões podem se refletir positivamente para o partido em que a mulher faça campanha para estabelecer relações com a base eleitoral”, diz o documento. “Realizar estratégias que promovam o empoderamento das mulheres pode levar a partidos políticos mais democráticos e transparentes”, diz o estudo.
Fonte: HuffPost