Um artigo científico recente traz novas e úteis informações para melhor concatenar a política brasileira sobre mudança climática com o combate ao desmatamento, ainda a principal fonte das emissões nacionais de carbono (gases do efeito estufa).
O flanco mais arejado do agronegócio deveria tomar nota. Isso, claro, se de fato quiser atuar com base em evidências, e não delegar a política do setor à atrasada bancada ruralista.
No estudo “Who Owns the Brazilian Carbon?” (Quem é o Dono do Carbono Brasileiro?, em tradução livre), parte-se da constatação de que o Brasil é o campeão das emissões por mudanças no uso da terra (leia-se: desmatamento), modalidade que responde por um décimo da poluição climática no mundo. Após recuar 80% entre 2005 e 2012, a destruição da floresta amazônica por aqui voltou a subir.
Além disso, o padrão de desmate está mudando. No passado predominava o corte raso de grandes extensões para implantar fazendas de gado. Agora a devastação ocorre em fragmentos menores, não raro por iniciativa de pequenos proprietários de terra ou posseiros.
Em qualquer dos casos, a biomassa –madeira, folhas, raízes etc.– da floresta derrubada se transforma em gases, pelo fogo ou por decomposição. O principal deles é o dióxido de carbono (CO2), gás do efeito estufa mais comum na retenção de radiação solar na atmosfera, aquecendo-a.
Por outro lado, o Ministério da Agricultura prevê um aumento de produção que demandaria a abertura e a ocupação de 74 mil km2 de terra até 2026. Isso equivale a três quartos da superfície de Santa Catarina.
Questão crucial: vamos direcionar essa expansão para mais de 1 milhão de quilômetros quadrados de pastagens degradadas, aumentando a produtividade da pecuária de corte, ou permitir que a fronteira agropecuária siga avançando sobre matas virgens e comprometendo as metas de redução de carbono que o país assumiu no Acordo de Paris?
O artigo mencionado saiu no periódico “Global Change Biology”. Tem como primeiro autor Flavio Luiz Mazzaro Freitas, do Instituto Real de Tecnologia da Suécia (KTH). Contou com a colaboração de seis pesquisadores do KTH, da Universidade de Tecnologia Chalmers na Suécia, da USP e do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola).
Reunindo informações de bases de dados oficiais com um mapa pioneiro de estoques de carbono (biomassa) nos diversos tipos de vegetação primária do Brasil, eles tentam responder à questão do título e, com isso, subsidiar políticas públicas nacionais para deter a devastação e cumprir os compromissos de Paris.
A boa notícia: 75% do carbono contido nas matas está protegido de uma maneira ou outra, de unidades de conservação e terras indígenas a reservas legais e áreas de preservação permanente em propriedades rurais.
A má notícia: há cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados que podem ser legalmente desmatados em terras particulares e guardam 6,5% do estoque de carbono acima do solo. São 3,4 bilhões de toneladas, uma vez e meia do que se emitiu no país em 2016 incluindo todos os setores (desmate, agropecuária, indústria, transportes e energia).
“Os novos números deste estudo indicam que a conservação do carbono desprotegido no Brasil vai depender de uma combinação de politicas que incluem a regularização fundiária, a destinação de terras, a implementação do Código Florestal e outros instrumentos que priorizem a proteção da vegetação nativa e dos estoques de carbono que excedem a proteção dos mecanismos legais”, afirma Gerd Sparovek, da Esalq-USP, um dos autores.
Mais ainda, 40% do carbono desprotegido se acha no cerrado, e não na Amazônia, como muitos se inclinariam a concluir. Isso ocorre porque a savana brasileira está sob pressão maior da fronteira agrícola e porque ali as exigências de reserva legal (25% da propriedade) são menores que no bioma amazônico (80%), que também abriga a maior parte de unidades de conservação.
Não é que a Amazônia não mereça atenção, afinal ali está um terço do carbono desprotegido e a taxa de desmatamento está crescendo. Mas o bioma conta com décadas de monitoramento por satélite e atenção da sociedade civil aqui e no exterior, que só agora começa a despertar para o cerrado.
Como já foi dito neste espaço, a savana brasileira é muito rica em espécies de plantas e animais, está mais ameaçada e desempenha papel decisivo na regularização dos recursos hídricosque abastecem as usinas hidrelétricas e o agronegócio.
Precisamos falar mais, e melhor, do cerrado.
Fonte: Folha de São Paulo