O episódio Bolsonaro foi mais uma oportunidade para reiterar minha condenação absoluta à tortura de pessoas e de animais.
Como prometido agora comento críticas de cidadãos que me pediam igual condenação a citações de outros parlamentares brasileiros exaltando personalidades como Marighela, Che Guevara, etc.
Embora a violência da guerra revolucionária, contra-revolucionária, religiosa, nacionalista, tribal,imperialista, etc, seja vista por um número cada vez maior de pessoas ( eu inclusive ) como bárbara, repulsiva,condenável, é preciso colocar esta nova visão num contexto histórico.
Nem sempre foi assim. Pelo contrário. A história da humanidade é a história da cultura da guerra, da violência. Pessoas como Buda ou Cristo ( tirando seus raros momentos de impaciência ) são exceções, aves raríssimas.
Os exaltados, os admirados, os imitados os cultuados são de outro tipo: Davi, Ciro, Alexandre, César, Maomé, Ricardo Coração de Leão, Saladino, Robespierre, Napoleão, Garibaldi, Lênin, Ho Chi Min, Guevara… A violência, a guerra vista como parteira da história.
O século XX, o século da violência, levou esta visão ao seu ponto máximo de brutalidade. Imperialistas, democracias liberais, fascistas, nazistas, comunistas, fundamentalistas religiosos romperam todas as barreiras, todos os limites na utilização da violência política/militar. Alvos civis, terrorismo, genocídio, torturas atingiram milhões de pessoas.
O século XX foi o século das guerras. Das guerras mundiais de 1914 e 1939, mas também antes , entre elas e depois a luta nunca cessou. Guerras frias ou quentes nas regiões coloniais da África e Ásia, na América Latina, na Coréia, na Indochina, na China, na Hungria, na Tcheco-eslováquia, no Oriente Médio.
Os episódios de violência política/militar na América Latina com protagonistas como Marighela e Che Guevara de um lado e Pinochet, Garrastazu e Videla de outro lado fazem parte desta história de ação e reação dentro da mesma cultura, a cultura da guerra. Na minha juventude eu acreditei que este era um caminho de libertação e segui por ele com toda fé.
Quem começou na época moderna a romper de fato com esta hegemonia da cultura da guerra e iniciar uma resistência por uma nova cultura, a cultura da paz ? Foram pessoas e exemplos de vida como Henry David Thoreau ( EUA ), Leon Tolstoi ( Rússia ), Gandhi ( Índia ) e mais recentemente Martin Luther King (EUA ) e Mandela ( África do Sul ). Também os movimentos ambientalistas, pacifistas e pelo desarmamento e pelos direitos humanos em todo o mundo. Gandhi é a maior personalidade política do século XX. Ele liderou a libertação da índia, a jóia da coroa do maior império da história, utilizando os princípios de luta não violenta que viriam ser um novo paradigma de política, de convivência social e pessoal.
O horror à cultura da violência teve um fruto institucional que promete mudar a história da relação entre povos e nações: a criação da Organização das Nações Unidas. É a ONU que hoje centraliza as esperanças de que a hegemonia da cultura da guerra será superada pela hegemonia da cultura de paz. Também a grande experiência prática de estruturação da União Européia no coração mesmo das trevas de uma Europa endemicamente belicosa mostra o caminho possível de uma futura Federação Democrática de Nações a partir do aperfeiçoamento da ONU que administre e minimize as rivalidades religiosas e nacionalistas.
É nisto que eu acredito hoje. Este é o meu internacionalismo hoje. Assim não aprovo declarações ignorantes da história gritadas por deputados brasileiros de direita ou de esquerda que deseducam o povo para democracia e para não violência exaltando pessoas de outra época que devem ficar no passado com sua opções tristemente condicionadas por visões de vida do passado século XX.
Ainda vamos certamente percorrer um tempo para ultrapassar a força destas crenças nas virtudes da violência e da guerra, porém um passo definitivo pode ser dado já: a condenação absoluta da tortura seja ela branca, negra ou amarela, atéia, cristã, judaica ou muçulmana, capitalista ou socialista, estatal ou não estatal, em tempo de guerra ou de paz.
Tortura nunca mais.
Eduardo Jorge