Agentes afirmam ter disparado porque veículo furou suposta blitz na favela; os dois policiais envolvidos no caso foram presos
Constança Rezende, Fábio Grellet, Mariana Durão e Roberta Pennafort, O Estado de S.Paulo
RIO – A turista espanhola Maria Esperanza Jiménez Ruiz, de 67 anos, foi morta a tiros por policiais militares quando saía de carro da favela da Rocinha, na zona sul do Rio, na manhã desta segunda-feira, 23, após um passeio na comunidade. Segundo a polícia, o veículo furou um bloqueio feito pelos agentes. Os dois PMs envolvidos no caso foram presos ainda nesta segunda. Entre janeiro e agosto, houve 712 vítimas de letalidade policial no Estado – quase três por dia. A alta é de 29,9%, ante o mesmo período de 2016.
Segundo a PM, o motorista que levava a turista, o italiano Carlo Zanineta, de 42 anos, furou um bloqueio policial, e, por isso, os PMs atiraram contra o veículo. Em depoimento, ele disse não ter visto os policiais e não entendeu que deveria parar. Mais cedo, dois PMs haviam sido baleados em confronto com tiros, o que contraindicava o passeio na comunidade – onde facções rivais disputam o tráfico de drogas.
O crime aconteceu por volta das 10h30. Maria Esperanza estava com o irmão, Jose Luiz Ruiz, de 70 anos, e a cunhada, Rosa Margarita Fernandez. Também estavam no veículo a guia Rosângela Reñones, brasileira que atua como freelancer e o motorista Zanineta, com vivência no Brasil. Ele teria sido contratado por uma empresa de turismo estrangeira. Além de Maria, ninguém mais foi ferido.
Violência
Turista foi morta após passar por blitz da PM instalada no Largo do Boiadeiro, na Rocinha
O carro foi atingido nos vidros traseiros e no para-choque. Ela foi ferida por uma bala no pescoço e morreu antes de chegar ao Hospital Municipal Miguel Couto, também na zona sul. A autópsia deve confirmar se a arma usada foi um fuzil.
O veículo, um Fiat Freemont, passava pelo Largo do Boiadeiro, na parte baixa da Rocinha, e se encaminhava para fora do morro. A saída para a Autoestrada Lagoa-Barra fica a cerca de 200 metros. O fato de o carro ter vidros escurecidos por uma película pode ter dificultado a visibilidade do motorista, assim como levou os PMs a considerar o carro suspeito.
“Ainda estamos investigando as circunstâncias bem detalhadas. Veremos imagens de câmeras, mas o fato é que as pessoas que estavam no carro não puderam perceber nenhum tipo de blitz, operação policial ou ordem de parada”, disse Fabio Cardoso, da Delegacia de Homicídios. “Uma turista vir ao Rio e ser assassinada é inadmissível. Vamos identificar e colocar na cadeia quem fez essa covardia. Teremos pessoas identificadas e presas. Mas qualquer divulgação prematura pode ser leviana e levar a prejulgamentos.” Ele chamou a barreira policial informada pela PM à imprensa de “suposta blitz”.
Os dois PMs presos pelo homicídio da turista – um oficial e um praça – também tiveram as armas apreendidas, por ordem da Corregedoria da corporação. Seus nomes não foram divulgados. A dupla, diz o órgão, violou o procedimento da polícia.
Violência
O clima é tenso na favela desde 17 de setembro, quando o bando de Antônio Francisco Bomfim Lopes, o Nem, ex-chefe do tráfico local, invadiu o morro para derrubar Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, que lidera hoje a venda de drogas. De lá para cá, houve vários confrontos, e o governo do Rio chamou reforço das Forças Armadas, em intervenção que durou nove dias. O embate que terminou com dois PMs baleados foi uma hora antes de o veículo de turismo ser alvejado.
Por ter uma bela vista da orla, a Rocinha recebe visitantes o ano todo, especialmente europeus. Com os recentes confrontos, a procura caiu e tours têm sido cancelados em dias de tiroteio. Há serviços que consultam policiais antes de confirmar passeios; outros decidem por conta própria. Não há informações sobre a conduta da empresa contratada pela espanhola. A companhia será investigada.
Letalidade
O aumento de mortos por policiais fluminenses em supostos confrontos teve aumento nos oito primeiros meses do ano, principalmente por ocorrências na Baixada Fluminense, uma das regiões mais violentas do Estado.
O mês com maior número de mortos pelas polícias foi março, com 120 casos – 96,7% mais do que no mesmo período do ano anterior, em que houve 61 casos. Mas em agosto, último mês com dados disponíveis, houve queda de homicídios em intervenções policiais. Foram 70 vítimas, ante 74 casos no ano passado. A redução é de 5,4%. Os números são do Instituto de Segurança Pública. Procurada para comentar as estatísticas, a Secretaria de Segurança Pública fluminense não se manifestou até 21 horas.
Três perguntas para Ignacio Cano, sociólogo e professor da Uerj
Fonte: Estadão