O Palácio do Planalto monitorou com dinheiro público as redes sociais de parlamentares de oposição e governistas e de jornalistas, com o objetivo de municiar diferentes órgãos do governo sobre o comportamento digital de deputados, senadores e da imprensa. A coluna obteve uma série de relatórios produzidos sob encomenda da Secretaria de Governo (Segov) e da Secretaria de Comunicação (Secom) ao longo de fevereiro, março e abril deste ano — documentos que foram classificados como sigilosos, alegando tratar-se de um “trabalho autoral” da empresa contratada para tanto. Dos relatórios, emerge um governo preocupado com cada detalhe do que parlamentares e jornalistas publicam nas redes sociais, com um propósito que segue obscuro.
O monitoramento dos parlamentares é diário. Intitulado Parlamentares em foco, o relatório, enviado para Luiz Eduardo Ramos, Fabio Wajngarten e algumas poucas outras autoridades do Planalto, é dividido em três eixos. Num deles, “Debates dos usuários”, são monitoradas tendências das redes. No eixo “Publicação dos parlamentares”, a Secom faz uma análise das postagens dos quatro deputados e senadores que mais publicaram no dia.
Em 13 de março, o monitoramento anotou, por exemplo, as críticas de Alexandre Frota a Bolsonaro por minimizar a Covid. Dias antes, em 9 de março, destacou as postagens do petista Paulo Pimenta, com críticas a Bolsonaro e Moro. No dia seguinte, 10 de março, o ponto foram as postagens de Kim Kataguiri, sobre uma reunião com Damares Alves e críticas ao MST. Há até o relato sobre manifestações prosaicas, como um trecho em que se destaca que o petista José Guimarães comemorou gol do Fortaleza ou que o bolsonarista José Medeiros parabenizou a mulher pelo aniversário.
No eixo “Aderência ao governo”, a análise da Secom é mais subjetiva. Aqui, debruça-se sobre o teor das postagens de parlamentares de oposição, de centro e da situação, classificando-os nesses três segmentos e dando uma conotação positiva, neutra ou negativa às publicações. Conteúdos considerados negativos de parlamentares da base são listados, bem como o que for tido como positivo vindo dos de oposição. Em 3 de março, por exemplo, o documento frisa os elogios da senadora Kátia Abreu ao Ministério da Saúde e a defesa de Sergio Moro, então ministro, pelo senador Jorge Kajuru, do Cidadania.
Jornalistas são alvos de monitoramento específico.
Em janeiro, por exemplo, no documento Monitoramento de redes sociais: alcance de colunistas, a Secom comparou, vai saber por que, o alcance dos perfis desta coluna e do jornalista Ricardo Noblat no Twitter com o de Jair Bolsonaro.
A Secom se recusou a responder à coluna o porquê de tudo isso.
Há duas discussões aqui. Primeiro, é lícito usar dinheiro público para monitorar o debate político (ou os gols do Fortaleza) feito nas redes sociais por parlamentares? Jornalistas devem ser alvo desse tipo de escrutínio? E há outro ponto, sobre o qual a Secretaria de Governo e a Secom se recusaram a responder: o que é feito com essa informação?