A justificativa para o PL, de autoria de um deputado da bancada ruralista, seria o controle de animais silvestres. No entanto, especialistas afirmam que a proposta abrirá precedentes para a liberação da caça em escala nacional
Há mais 50 anos a caça de animais silvestres é proibida no Brasil, medida amparada em leis como as de Proteção à Fauna (Lei 5.197/1967) e de Crimes Ambientais (Lei 9605/1998) e que nunca conseguiram extinguir a caça completamente.
Na tentativa de anular e alterar partes importantes dessas leis, tramita na Câmara dos Deputados desde 2016 o Projeto de Lei 6268/16, do deputado ruralista Valdir Colatto (PMDB-SC), que prevê a regulamentação de manejo, controle e exercício de caça de animais silvestres. A justificativa para a elaboração desse PL, de acordo com o próprio autor da proposta, é evitar “o contrabando, o comércio clandestino, o abate ilegal, os maus tratos e a extinção de animais silvestres e exóticos”. No entanto, de acordo com Dener Giovanini, coordenador-geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS), o Brasil não tem a menor condição de liberar a caça esportiva “por absoluta falta de meios para fiscalizar a atividade”.
Na prática, a caça de animais silvestres nunca cessou no Brasil e é considerada um dos principais fatores da redução de populações e da extinção de espécies ameaçadas pela extensão do país e inviabilidade de uma fiscalização adequada. Ambientalistas contrários à proposta afirmam que a proposição abre caminho para a liberação da caça de fauna silvestre em escala nacional, comprometendo os esforços que o Brasil vem desempenhando para a conservação da biodiversidade, em sintonia com a legislação nacional e com acordos internacionais como a própria Convenção da Diversidade Biológica das Nações Unidas.
O texto do PL determina que o manejo de animais silvestres, para garantir estabilidade de ecossistemas, só poderá ser feito com apresentação de plano aprovado por órgão ambiental competente. Esse plano deverá ser feito a partir de pesquisas. No entanto, Dener critica o fato de qualquer órgão ambiental poder dar permissão para matar animais silvestres. “O projeto não pede nem ao menos um estudo técnico, apenas um laudo de qualquer órgão ligado ao meio ambiente. É um risco muito grande.” Para ele, o projeto não tem nem como ser melhorado, “não deve tramitar”.
O projeto também permite a comercialização desses animais restrito às populações tradicionais, como indígenas e quilombolas, no caso de espécies habitantes de reservas extrativistas ou de desenvolvimento sustentável. Além disso, o projeto regulamenta o assassinato de animais quando estes forem considerados nocivos para a agricultura.
Para se ter ideia na prática do que acarretaria caso o projeto virasse lei, um empresário poderia abrir uma “Fazenda de Caça aos Macacos”, desde que fossem espécies de primatas livres de risco de extinção. Como justificativa para sua proposta de permitir a caça de animais, Colatto cita o javali europeu, espécie trazida por pecuaristas e que atualmente é considerada uma praga por comer plantações. No entanto, Dener afirma que os javalis que chegaram inicialmente no Sul do país e hoje já são problema até em Roraima não tiveram uma migração natural. “Não acredito que um javali andou seis mil quilômetros, do Sul ao Norte. Acho que ele foi artificialmente introduzido para ser caçado”, afirma. O javali europeu é o único animal que tem caça permitida atualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Segundo especialistas, a caça é proibida desde 1967 e, mesmo com a insuficiência de recursos financeiros e humanos, o Ibama registra em média dois autos de infração de caça por dia. Pesquisadores dão conta de que o ato ilícito é muito maior. Apenas na região de Campinas, três onças-pardas monitoradas pelo Projeto Corredor das Onças, do ICMBio foram mortas em 2016, duas delas alvejadas sob girais, enquanto a outra foi imobilizada na mata por laços preparados para caça de paca e sucumbiu de sede abandonada à própria sorte quando descoberta pelos caçadores que fugiram.
O PL 6.268/2016 anula a Lei de Proteção à Fauna e retira da Lei de Crimes Ambientais o poder de ampliar penas de detenção e multas por matar, perseguir, caçar, apanhar ou utilizar animais sem licença, se isso acontecer durante expedições de caça. Segundo especialistas, as justificativas apresentadas pelo deputado Colatto, como a necessidade de “manejo” e de “controle populacional”, afirmando que é preciso conter populações de determinadas espécies taxadas de invasoras e perigosas aos ecossistemas são frágeis. Os ambientalistas propõem que a proibição seja mantida e ampliada, bem como seja estabelecido um controle racional das crescentes populações do Javali no território nacional.
Outros efeitos – Segundo Rafael Feltran-Barbieri, pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental (NEA) Instituto de Economia da Unicamp, a eventual liberação não trará efeitos perversos somente à fauna, mas também às comunidades humanas. “Boa parte da apreensão de armas de fogo que circulam ilegalmente nas ruas, mas principalmente no meio rural, vem de denúncias da prática ilegal de caça”, afirma. Para ele, a partir do momento que as pessoas cogitarem a possibilidade de uma permissão especial para abate de animais indesejáveis, a denúncia se tornará mais rara e a averiguação pelas autoridades também, de modo que se perderá de uma só vez o controle da caça e da circulação de armas não registradas.
O que diz a Lei 5.197, de 3 de janeiro 1967 –
Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.
§ 1º Se peculiaridades regionais comportarem o exercício da caça, a permissão será estabelecida em ato regulamentador do Poder Público Federal.
§ 2º A utilização, perseguição, caça ou apanha de espécies da fauna silvestre em terras de domínio privado, mesmo quando permitidas na forma do parágrafo anterior, poderão ser igualmente proibidas pelos respectivos proprietários, assumindo estes a responsabilidade de fiscalização de seus domínios.
Art. 2º É proibido o exercício da caça profissional.
Art. 3º. É proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem a sua caça, perseguição, destruição ou apanha
RENCTAS – É uma instituição sem fins lucrativos que desenvolve diversos projetos destinados a proteção da nossa biodiversidade e atua prioritariamente em três frentes: Educação ambiental, pesquisa e conservação e apoio aos órgãos de controle e fiscalização ambiental. Para alcançar seus objetivos a RENCTAS desenvolve diversos projetos, como campanhas de conscientização ambiental, treinamentos e workshops, publicações sobre o tema, etc.
As ações que a RENCTAS desenvolve poderão ser consultadas através do seu site
Fonte : Fundação Verde Herbert Daniel