Juntos, população e governo do Brasil podem economizar cerca de R$ 88 bilhões por ano investindo em ciclismo como meio de transporte e atividade esportiva. E para cada R$ 1 investido no ciclismo existe uma economia de R$ 4 no sistema de saúde, de acordo com pesquisas científicas realizadas na Europa.
Como se não bastasse, o PIB negativo em 2015 ficou na casa dos 3,8%, praticamente a mesma projeção para 2016, e como consequência cerca de 8,4 milhões de pessoas sem emprego ao final de 2016. A corrupção do país suga cerca de 200 bilhões e os juros da dívida pública consomem mais aproximadamente 500 bilhões ao ano. Resumindo, é preciso literalmente pedalar muito para sair da crise.
Redução nos custos do sistema de saúde do governo
No Brasil ainda não existe uma pesquisa científica específica para quantificar os benefícios gerados por investimento no ciclismo. No entanto, diversas pesquisas realizadas no Reino Unido e Europa apontam o investimento no ciclismo como um dos investimentos com maior retorno no sistema de saúde. Utilizando as projeções de benefícios financeiros de pesquisas realizadas no Reino Unido, que tem uma população em torno de 64 milhões de habitantes e comparando com a população do Brasil de 205 milhões de habitantes, o potencial benefício financeiro em redução de custos de congestionamentos, tráfegos de carros, redução de poluição e custos de trabalho por pessoas afastadas por motivos de doenças cardíacas e de obesidade no Brasil pode girar em torno de R$ 7,5 bilhões por ano. Porém, é muito difícil ter um valor preciso, pois o valor investido na saúde no Reino Unido bem como o custo de vida e média de salário usado para o cálculo de ausência do trabalho é bem superior ao do Brasil, mas a grosso modo é possível concluir que o investimento no ciclismo como meio de transporte e como atividade física pode trazer um benefício financeiro somente na área de saúde na casa dos bilhões de reais no Brasil.
A Universidade de Cambridge em parceria com o NHS (National Health Service) do Reino Unido, equivalente ao SUS no Brasil, ressaltou que para cada 1 libra investida no ciclismo como atividade física ou meio de transporte é gerada uma economia no sistema de saúde de 4 libras com doenças relacionadas a obesidade e diabete. Se o Brasil usar a mesma estratégia de investimento, a redução de custos do sistema de saúde seria quatro vezes maior do que a investida no ciclismo. Ou seja, para cada R$ 1 investido no ciclismo existe uma economia de R$ 4 no sistema de saúde.
Pedaladas contra a crise
O uso da bicicleta como meio de transporte ou como atividade esportiva acaba sendo uma boa alternativa em tempos de crise; é como unir o útil ao agradável. A grande maioria da população, em algum momento da vida, já teve algum contato com a bicicleta. Desde crianças, temos na memória um dos presentes mais marcantes da infância, a primeira bicicleta, e em consequência a sensação de liberdade, o vento no rosto, os cabelos voando e o prazer de usufruir do nosso direito de ir e vir movidos por nossa própria energia e corpo.
Com base em pesquisas científicas realizadas em países da Europa e a nível mundial pela UCI (União Ciclística Internacional), pode-se concluir que utilizando a bicicleta como meio de transporte para trajetos urbanos de até 10 km é possível ter uma economia de cerca de R$ 2.000 por ano por pessoa. O valor pode variar bastante dependendo de cada caso, do consumo de combustível e o fato de que muitos vão continuar tendo as despesas fixas do carro para utilizá-lo em percursos mais longos que 10 km, como viagens ou onde a locomoção para o trabalho é superior a 10 km. O valor pode ser muito superior a isto se realmente existir uma mudança radical, existindo uma eventual venda do carro, usando apenas a bicicleta para trajetos urbanos e transporte público, táxi e outros meios de transporte para trajetos superiores a 10 km. Além disto, se for excluído outros gastos como academia, o valor da redução de custos pode ser pelo menos R$ 5.000 ao ano por pessoa. Pesquisas a nível mundial estimam que mais de 50% de todas as locomoções feitas nas grandes cidades de carro são para percursos de até 10 km.
Como o Brasil (população e governo) juntos podem economizar cerca de R$ 88 bilhões por ano investindo em ciclismo como meio de transporte e atividade esportiva?
Um recente estudo realizado e patrocinado pela UCI, entidade máxima no ciclismo a nível mundial, em parceria com “the European Cyclists’ Federation and the Bicycle Product Suppliers Association in commissioning the project, written by the University of California, Davis and the Institute for Transportation and Development Policy” conclui que existe um enorme potencial de desenvolvimento do ciclismo como meio de transporte.
Usando a bicicleta como meio de transporte ao invés de carro pode-se reduzir até 10% do total de emissão de dióxido de carbono e cerca de 25 trilhões de dólares em custos de infraestrutura a nível global até 2050. Se analisarmos o tamanho da população global de 7 bilhões de habitantes em comparação ao Brasil com 205 milhões de habitantes (cerca de 3% da população global) podemos concluir que a potencial redução de custos no Brasil seria em torno de 750 bilhões de dólares (aproximadamente 3 trilhões de reais até 2050, ou 88 bilhões de reais por ano). Obviamente o valor pode variar de acordo com o investimento alocado para estas áreas em cada país, porém, de uma forma simplista, este seria um valor estimado de redução de custos no Brasil.
De acordo com a pesquisa, esta economia financeira inclui também a redução de custos com combustível de cada pessoa, infraestrutura, despesas de manutenção de infraestrutura urbana e nas rodovias, redução de custos de transportes públicos etc. A pesquisa também explica que um carro precisa de sete vezes mais espaço que uma bike, e que também a velocidade da bicicleta é muito menor e mais segura que a de um carro, além dos demais benefícios na saúde da população que vai se tornar mais fisicamente ativa usando a bicicleta como meio de transporte.
O estudo recomenda uma série de ações para as cidades com o objetivo de mudar a cultura de carro para a bicicleta, tais como o investimento em infraestrutura em larga escala nas grandes cidades, revisão de leis de proteção aos ciclistas, encorajar a população a usar a bicicleta como meio de transporte e como atividade física e investir parte dos impostos de combustíveis e pedágio em sistemas de transporte alternativo como a bicicleta.
Resumindo, o Brasil tem um grande potencial de crescimento no ciclismo como meio de transporte e atividade física. Morando em Londres desde 2008, e viajando mundo afora por mais de 20 anos, tenho acompanhado atentamente a evolução do uso da bicicleta em suas mais diversas formas, em várias partes do mundo. Em países desenvolvidos e em grandes cidades do Velho Continente – como Amsterdam, Copenhague, Paris e Londres –, onde a infraestrutura para o uso de bicicletas como meio de transporte iniciou-se há décadas, a bicicleta faz parte da rotina da população. Também pode-se dizer que, como esporte, o ciclismo está entre os cinco favoritos dos europeus.
Em Copenhague, onde o trabalho de criação de infraestrutura e apoio ao uso das bicicletas iniciou-se ainda na década de 1960, hoje mais de 50% da população utiliza a bicicleta como meio de transporte. Naquela época, a cidade era extremamente poluída e o volume de carros nas ruas criava um verdadeiro caos. Grandes eventos ao estilo da São Silvestre, mas com bicicletas, misturam atletas de elite com a população e têm um papel fundamental para criar uma cultura de respeito a diferentes modais de deslocamento, além de gerar um impacto positivo na saúde pública, no respeito aos pedestres e ciclistas, e deixam um legado econômico positivo para diversos setores da sociedade.
Em Londres, por exemplo, eventos nesse estilo chegam a reunir mais de 100 mil pessoas em um fim de semana nas ruas do centro da cidade. Outros eventos, como a Cape Town Cycle Tour, na África do Sul, reúnem cerca de 50 mil ciclistas anualmente e o número de participantes cresce a cada edição. Na Franca, o governo paga cerca de R$ 1 por quilômetro rodado para pessoas que utilizam a bicicleta para ir e voltar ao trabalho; no Reino Unido, as bicicletas compradas através de um programa do governo, diretamente pelas empresas em que os funcionários concordam em usar a bicicleta como meio de transporte, geram uma isenção de impostos de até 40% para o contribuinte. O uso da bicicleta em suas diversas formas melhora a qualidade de vida da população, é um meio de transporte barato, agradável, saudável, ecologicamente correto, e ajuda a eliminar o atual caos do sistema de transporte das cidades do Brasil.
Fonte: Revista Bicicleta