Não cabe retrocesso, o licenciamento é consequência dos princípios constitucionais do país, afirmou procuradora da República Fabiana Schneider em seminário no Congresso Nacional
Vários projetos de lei e até de emenda à Constituição estão em debate em Brasília com uma única temática: o licenciamento ambiental. Atacado por empresários como obstáculo ao desenvolvimento do país, o licenciamento é o principal instrumento de controle de atividades econômicas potencialmente poluidoras que existe no ordenamento jurídico brasileiro. Diante das várias propostas que surgiram no Congresso Nacional – algumas inclusive prevendo a extinção do licenciamento – o poder Executivo, por meio do Ministério do Meio Ambiente e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), prepara um texto que sirva de substitutivo para ser votado no parlamento. O assunto foi tema de um longo seminário nessa terça, 13 de setembro, na Câmara dos Deputados.
Presentes ao seminário, representantes da sociedade civil, de organizações não governamentais e o Ministério Público Federal (MPF) foram unânimes em expressar preocupação com as propostas existentes. “Estamos vinculados aos princípios da precaução, da participação, da vedação ao retrocesso e do poluidor-pagador. Não há como fazer mudanças legislativas tentando se afastar desses princípios, porque estaremos nos afastando do estado constitucional”, disse a procuradora da República Fabiana Schneider, que representou o MPF.
“Qualquer proposta de dispensa de licenciamento em atividade potencialmente poluidora é inconstitucional”, disse Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). “Não queremos novas Marianas, não queremos novas Belo Monte. Não temos o direito de errar de novo. Faço um apelo a essa casa: não votem legislação em atropelo”, disse Malu Ribeiro, da organização SOS Mata Atlântica.
Entre as propostas em tramitação, a proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65/2012 e o Projeto de Lei do Senado (PLS) 654/2015 na prática extinguem o licenciamento ambiental. A primeira institui que a apresentação de Estudos de Impacto implica automaticamente concessão de licença, excluindo qualquer controle social do procedimento. A segunda estabelece o chamado fast track, um rito sumário que também significaria o fim do controle social.
A terceira proposta em trâmite é de uma lei geral do licenciamento, que está com relatoria do deputado Ricardo Trípoli, da Comissão de Meio Ambiente da Câmara. A esse anteprojeto – PL 3729/2004 – o governo federal prepara um texto substitutivo, que tem sido debatido há alguns meses, inclusive com organizações da sociedade civil. A presidente do Ibama, Suely Vaz, presente ao seminário, detalhou as premissas do projeto do Executivo.
“A lei geral do licenciamento pretende criar uma norma que contemple da usina nuclear ao posto de gasolina”, disse. O projeto prevê ritos simplificados para o licenciamento de autoridades com menor potencial poluidor, racionalizar os termos de referência (questionários que dão origem aos estudos de impacto ambiental), fixa prazos máximos para as análises e até uma metodologia para dispensa de licenciamento. Um dos pontos polêmicos é a limitação da participação das autoridades intervenientes – órgãos que se pronunciam em áreas em relação às quais o Ibama não tem competência, como em caso de impactos sobre povos indígenas, quilombolas ou à saúde da população.
A pressão das entidades representativas de agentes econômicos é para acelerar os trâmites ambientais e reduzir etapas. A chamada segurança jurídica foi mencionada por todos os representantes do empresariado presentes ao seminário. “A PEC 65 é inviável constitucionalmente, mas é um grito de desespero de quem quer empreender e investir diante da situação atual”, disse Rodrigo Justus, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). O representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcos Guerra, também se disse contrário à PEC 65, mas elogiou o projeto que prevê a fixação de prazos para aumentar a celeridade do licenciamento e cobrou a manutenção da proposta de desvincular o licenciamento das manifestações de órgãos intervenientes. A CNA também cobrou que existam ritos diferentes para atividade agropecuária: “Nenhum país do mundo tem licenciamento para a produção de alimentos”, disse Justus.
Intervenientes – Ao discurso da celeridade proferido pelas entidades empresariais, os representantes da sociedade civil contrapuseram o discurso da precaução ambiental e criticaram os projetos apresentados pelas empresas brasileiras. “O que dificulta aprovação de projetos no Brasil não é o licenciamento, é a baixa qualidade de projetos que atendem interesses pouco republicanos”, disse Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica.
“Ibama e órgãos estaduais não têm competência jurídica para se manifestar sobre impactos em terras indígenas. Se a manifestação da Funai for excluída, vai haver uma corrida ao Judiciário, gerando mais insegurança jurídica. Não se trata de estabelecer prazos, se trata de dar condições para que esses órgãos cumpram suas missões institucionais”, disse Maurício Guetta, do ISA.
“Não existe metro quadrado na Amazônia que não esteja ocupado por pessoas. Então não se pode afastar a posição dos órgãos intervenientes no processo. É preciso respeitar os direitos dos povos tradicionais”, disse Fabiana Schneider.
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