XAPURI (Acre) — Pressionados pela pecuária, moradores da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes , em Xapuri , no Acre, estão abandonando a cultura da castanha e da borracha para adotar as criações de gado como fonte de renda. A mudança não chega sem efeitos colaterais. Para acomodar o gado, os moradores precisam “limpar” a área de floresta.
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E, para isso, muitos estão usando o fogo. O resultado é que, neste ano, a Resex Chico Mendes está liderando o ranking de focos de incêndio entre as unidades de conservação do Acre.
Criada em 1990, a reserva que homenageia o líder seringueiro morto a mando de fazendeiros em 1988 tem cerca de 1,9 mil famílias morando em 975 mil km². Inicialmente, a ideia era que a área se transformasse em um modelo de desenvolvimento da chamada “economia verde”, com foco na produção da borracha extraída das seringueiras, da coleta de castanha-do-pará e de outros produtos da floresta.
Nos últimos anos, no entanto, a pecuária seduziu muitos moradores. Segundo o plano de manejo do local, a criação de gado é permitida desde que não ultrapasse 5% do total da área destinada a cada família. Mas, para acomodar o gado, é preciso abrir pasto em meio à floresta, e o fogo é usado nesse serviço.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ( Inpe ), foram 163 focos de incêndio registrados na reserva neste ano, até anteontem. No Acre todo, cresceu em 134% o número de queimadas em relação a 2018.
Viajando pelo interior da Resex, é possível ver diversas criações de gado às margens de um dos estreitos ramais que cortam a área. A estrada é de barro. Na chuva, a lama toma conta. Na seca, a poeira impera. Além do pasto, também são vistas áreas de mata derrubada e grandes áreas descampadas já atingidas pelo fogo.
— Essa área aqui, no ano que vem, tem grande chance de virar pasto — diz o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Francisco Assis, apontando para uma área queimada.
‘Gado é segurança’, diz dona de rebanho
A pouco mais de 30 quilômetros da entrada da reserva, Francisca da Silva de Oliveira, 35, cuida dos filhos Carina, de sete anos, e Ibrahimovic, de cinco. O mais velho, Petkovic, 15, e o marido trabalham no mato.
Da casa de madeira modesta em que vivem ela pode avistar o pequeno rebanho de sua família pastando tranquilamente sob o sol amazônico.
— Acho que tem umas 40 cabeças. Não contei. É pouco. Para nós, o gado é uma segurança, né? No ano passado, meu marido ainda tirou seringa, mas neste ano ele desistiu. Não estava mais valendo a pena — contou.
A relação entre fazendeiros e moradores da reserva é tabu por ali. Indagada sobre se havia sido procurada para arrendar suas pastagens, Francisca jura que não.
Ela diz saber que o gado tem sido cada vez mais usado como alternativa por seus vizinhos na reserva, mas, nascida e criada no interior do Acre, ela olha para o próprio pasto com um ar de preocupação.
— Do jeito que as coisas estão, daqui a pouco tudo isso aí vai virar pasto. É ruim, né? — confessa.
Francisco Assis diz que, nos últimos anos, muitos fazendeiros da região deixaram de disputar poder com os extrativistas e têm aceitado parcerias.
— Eles chegam no extrativista e oferecem um acordo. Você abre uma área na tua terra, ele coloca umas 50 cabeças lá e te paga com a cria delas — descreve Assis.
Para o fazendeiro, o negócio faz com que ele não tenha que gastar para obter novas pastagens para o seu rebanho. Para o extrativista é a oportunidade de iniciar sua própria criação e ter uma fonte de renda extra.
Para Raimundo Mendes, 74, primo e companheiro de militância de Chico Mendes, o avanço da pecuária o deixa aflito e triste.
— Isso é algo que muito me preocupa e preocupa a todos que, junto com Chico Mendes, lutaram para que se criasse uma reserva e a gente continuasse tendo nossas terras protegidas. E hoje são poucos os que estamos tendo esse zelo e essa responsabilidade — lamenta.
Fonte: O Globo