Ecologistas se tornaram improváveis beneficiários de rupturas na política europeia
BERLIM | THE NEW YORK TIMES
Quando os manifestantes vestindo coletes amarelos avançaram contra as barricadas na França, rebelando-se contra um imposto sobre a gasolina que atingia mais duramente os que menos podiam pagar, Annalena Baerbock observava com atenção do outro lado da fronteira.
Uma líder do partido Os Verdes da Alemanha, Baerbock viu a legenda se fortalecer de maneira constante no último ano. Mas ela sabe que se eles se tornarem uma força maior, terão de convencer os eleitores de que a política climática não é uma causa elitista, mas comum, além de abordar suas preocupações econômicas.
“A lição da França é que não podemos salvar o clima às custas da justiça social”, disse Baerbock, que aos 38 anos tem aproximadamente a mesma idade de seu partido. “As duas coisas precisam andar de mãos dadas.”
Este é o momento dos partidos ecologistas na Europa, ou pelo menos poderia ser.
Na Alemanha, os Verdes hoje superam os conservadores da chanceler Angela Merkel nas pesquisas e deverão fazer parte do próximo governo alemão.
Nas recentes eleições europeias, os chamados partidos verdes avançaram significativamente em outros países do bloco, conquistando 63 dos 751 assentos do Parlamento Europeu, um aumento de cerca de 47%.
Uma safra de legendas outrora radicais, que defendiam unicamente as causas ambientais, surgiu como os improváveis beneficiários das rupturas sísmicas na política europeia dos últimos anos.
A mudança climática saltou para perto do topo das preocupações dos eleitores em uma Europa que atinge temperaturas recordes. O colapso dos tradicionais partidos social-democratas abriu grandes espaços na centro-esquerda.
De qualquer modo, os partidos ecologistas hoje estão no cume da mais recente guerra cultural da Europa.
Com a migração perdendo espaço nos noticiários, a mudança climáticatornou-se uma nova frente poderosa na batalha entre liberais e populistas de mentalidade verde.
Enquanto os verdes surgem como a nova esperança para o centro político da Europa, eles se tornaram o inimigo número um dos populistas de extrema-direita e outros que projetam as políticas sustentáveis como parte de uma agenda elitista que prejudica as pessoas comuns.
Marine Le Pen, líder do Reunião Nacional da França, antes conhecido como Frente Nacional, se enfurece contra a “psicose climática”, por exemplo.
Na Alemanha, onde os Verdes alcançaram mais de 20% nas recentes eleições para o Parlamento Europeu, seus cartazes de campanha atacaram explicitamente a extrema-direita: “O ódio não é uma alternativa para a Alemanha”, diziam.
Os verdes britânicos obtiveram impressionantes 12% dos votos, não apenas promovendo o meio ambiente, mas também se opondo ao Brexit —terminaram em quarto lugar, à frente dos Conservadores (atualmente no governo).
Mesmo na França, abalada durante meses por protestos dos “coletes amarelos” contra o aumento do imposto sobre combustíveis, que acabou cancelado, os verdes ganharam 13,5% e se tornaram o partido mais popular entre os eleitores com menos de 35 anos.
E, assim como os populistas, os partidos verdes estão trabalhando em rede em todo o continente, tentando coordenar campanhas e realizando conferências conjuntas.
“A ideia verde foi europeia desde o início, porque você não pode resolver problemas ambientais dentro de fronteiras nacionais”, disse Baerbock, apontando que a primeira eleição da qual seu partido participou foi para o Parlamento Europeu, em 1979.
A batalha se desenrola não apenas dentro dos países, mas também entre eles, colocando cidades contra áreas rurais e os países mais ricos e mais liberais do norte e do oeste europeus contra seus colegas mais pobres do sul e do antigo leste comunista.
No sul da Europa, com o aumento da dívida e o alto desemprego entre os jovens, os partidos verdes permanecem marginais. Na Itália, nunca conquistaram mais de 4% dos votos nas eleições nacionais.
Na Espanha, o partido ambientalista Equo tem um único assento no Parlamento.
O mesmo vale para a Europa Oriental.
A Polônia não enviou um só parlamentar verde a Bruxelas. Juntamente a República Tcheca, Estônia e Hungria, ela recentemente bloqueou a mais recente tentativa da União Europeia de estabelecer uma meta de neutralidade do carbono até 2050, apelando para os problemas internos e a memória histórica.
“A Polônia não pôde se desenvolver durante os 50 anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, como França, Áustria ou Holanda”, disse Mateusz Morawiecki, primeiro-ministro nacionalista. O acordo proposto, disse, simplesmente “não é justo”.
Mesmo na Alemanha, o maior e mais rico país da Europa, onde os verdes tiveram maior êxito, a Alternativa para a Alemanha (AfD) acusa o partido de Baerbock de elitista e hipócrita.
“As pessoas que votam nos Verdes podem pagar”, disse Karsten Hilse, parlamentar da AfD e porta-voz ambiental do partido. “Eles se compram uma boa consciência, porque são os que mais prejudicam o meio ambiente, são os que têm milhas aéreas.”
“Mas as pessoas comuns estão ouvindo que são responsáveis pelo iminente apocalipse climático porque dirigem seus carros”, disse Hilse.
Essas acusações caem bem entre os eleitores de extrema-direita, até porque, durante muito tempo, foi verdade que os eleitores dos Verdes alemães estavam entre os mais ricos do país.
Mas a legenda está expandindo seu apoio —ganhou 1 em cada 5 votos nas eleições europeias. O partido não foi apenas o mais popular entre todos os eleitores com menos de 60 anos, mas também pela primeira vez o mais votado entre os eleitores desempregados.
Ainda assim, a acusação de privilégio permanece, disse Baerbock.
Os protestos na França foram um momento crucial de aprendizado, afirmou. O imposto sobre o combustível, vendido como uma medida de salvação climática, foi percebido como profundamente injusto.
Para os que menos podiam pagar, o imposto era visto como uma forma de compensar os danos ambientais causados principalmente pelas grandes empresas e pelas elites urbanas, que votam cada vez mais nos partidos verdes, mas cujo estilo de vida também tem a maior pegada de carbono.
“Em poucas palavras, aí está o nosso desafio”, disse Baerbock. “Nós olhamos para os ‘coletes amarelos’ com muito cuidado para não cairmos na mesma armadilha.”
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: Folha