No final de semana reli o livro de Jô de Araújo “Parlamentarismo, a hora e a vez da cidadania”, Editora Vozes, segunda edição de 1993.
São apenas 200 páginas. Uma síntese clínica e viva escrita originalmente para o debate do plebiscito em 1993. Trata da evolução histórica do parlamentarismo desde seus primeiros passos britânicos no século XVII até seus formatos mais evoluídos como o da Suécia. Analisa os órgãos e atos essenciais do poder neste regime. Os elementos críticos das experiências parlamentaristas brasileiras desde o império e finalmente as disputas mais atuais entre as opções presidencialismo e parlamentarismo no Brasil após a ditadura militar.
Acho que infelizmente o livro deve estar esgotado. A Editora Vozes poderia pensar em reedita¬-lo numa terceira edição atualizada. Também perdi o contato com o autor. Seu nome completo é Áureo Pereira de Araújo. Presenteou-me na época livro autografado. Morava em Guarujá/SP.
De qualquer forma quero transcrever duas passagens pitorescas e interessantes para nosso quadro político de hoje.
A primeira é uma citação de artigo do ex-deputado José Genoíno PT/SP no jornal Folha de São Paulo em 1992. “Nos Estados modernos, democracias estáveis são aquelas em que a luta pela realização de interesses materiais dos diversos grupos sociais alcançou um elevado grau de institucionalização. Nesses Estados, o governo democrático se torna uma forma relativamente autônoma de exercício do poder político, em relação aos grupos da produção. No Brasil, um dos principais problemas de nossa incipiente democracia é precisamente este: a pouca autonomia do Estado, em relação aos interesses materiais das elites. A existência desse estado instrumental e em promiscuidade com os negócios privados o inviabilizou como uma ordem institucional normativa relativamente autônoma. A corrupção é inerente a essa forma de Estado privatizado.”
Genoíno e eu éramos, nesta última década do século passado, dois dos coordenadores de uma das inúmeras correntes internas do PT que se chamava Democracia Radical. Entre outras teses ela dizia ser possível, numa reforma de fôlego, conciliar socialismo com democracia de verdade e superar um século de simbiose entre socialismo e autoritarismo… Neste grupo estavam lideranças políticas expressivas como Augusto de Franco, Tarso Genro, Roberto Gouveia, Marina Silva, Marcos Rolim e outros.
O texto de Genoíno, que era uma das principais lideranças entre os parlamentaristas da época, continua tendo seus méritos, porém uma coisa não fica clara. Quando ele se refere às famosas “elites” não sei se pensava que nós da variada fauna e flora da esquerda democrática e não democrática também estávamos incluídos. E hoje como ontem isto vale para Lula, Dilma, Marina Silva, José Serra, Roberto Freire, Stedile, Luiza Erundina ou Luciana Genro para citar só alguns em mais evidência.
O segundo trecho é do próprio Jô de Araújo. É com ele que ele termina o seu livro e cabe bem para nossa reflexão em relação a gravíssima crise que o Brasil entrou após a eleição de 2014.
“Mesmo que vença o presidencialismo, acreditamos que o debate que será travado por toda parte acarretará uma profunda modificação da rigidez imperial desse sistema. Mas, nesse caso, não conseguiremos resolver completamente dois grandes problemas: dotar de maior racionalidade o conjunto de nossas instituições políticas e renovar a nossa cultura cívica. Outras crises advirão, com todo o ritual macabro de insânias e paixões que conhecemos. E o tema do parlamentarismo voltará, mais cedo ou mais tarde, à agenda dos debates nacionais-porque esse modelo de organização política constitui elemento intrínseco de aperfeiçoamento da democracia, representativa e participativa, nos dias que virão.”
Eduardo Jorge