Para Nick Bridge, chefe da diplomacia climática do Reino Unido, anúncio de saída dos EUA não abala Acordo de Paris porque dinâmica da economia já virou no sentido da descarbonização, e China e Índia são exemplos
DO OC – A dinâmica da economia global já virou definitivamente no sentido da descarbonização, e países insuspeitos como Índia e China devem exceder o cumprimento das metas que propuseram no Acordo de Paris simplesmente porque isso dá dinheiro. As afirmações otimistas são de Nick Bridge, o embaixador do clima do Reino Unido.
Bridge diz que o anúncio da saída dos Estados Unidos do acordo do clima não será capaz de tirá-lo dos trilhos, porque empresas, Estados e cidades americanas já se comprometeram a compensar a ambição perdida na esfera federal. “A dinâmica principal está acontecendo dentro dos EUA, com sua pesquisa e desenvolvimento fenomenal, sua capacidade financeira, essa trajetória de descarbonização é irreversível.”
Segundo ele, o mundo terá de lidar com qualquer que seja decisão final dos EUA, mas o Acordo de Paris “não é negociável”, como sugeriu Donald Trump ao anunciar a saída do país a menos que pudesse encontrar “termos mais favoráveis”.
Falando ao OC em Brasília antes do início da COP23, em Bonn, Bridge negou que o bloqueio do Reino Unido a projetos sul-americanos submetidos ao Fundo Verde do Clima tenha se dado pelo fato de esses países serem de renda média – o Brasil vem acusando os países ricos de tentar “reescrever as regras” de financiamento climático, dificultando-o aos emergentes. “Simplesmente operamos na base de uma avaliação objetiva do impacto e da qualidade dos projetos propostos”
Leia a entrevista.
O que podemos esperar da COP23?
Nós estamos uma mudança de um diálogo que era de posições imóveis para ver o que realmente esperávamos ver em Paris, que é um diálogo que se reforça mutuamente, no qual todos se beneficiam. Temos agora um mapa do caminho valioso, neste ano precisamos gerar momento, precisamos ir para a frente com mais determinação, dadas as notícias que vêm dos EUA. Sabemos aonde temos de chegar no ano que vem para completar o livro de regras. E também sabemos, à medida que as projeções científicas ficam mais claras, que veremos países excedendo suas NDCs devido à dinâmica da economia.
Quando o sr. diz outros países excedendo as metas, está se referindo a quem?
O Reino Unido, por exemplo (risos). Nós estamos cumprindo nossos orçamentos de carbono. Estamos surpresos pelo fato de que nos tornamos o maior produtor de energia eólica offshore do mundo, descarbonizamos mais rápido do que o esperado e ao mesmo tempo crescemos mais rápido do que o esperado. Na Índia, a revolução das renováveis é impressionante e está tirando o carvão do sistema energético mais rápido do que o esperado. Na China as emissões estão se estabilizando e, novamente, eólica e solar estão desempenhando acima do esperado e projetos de carvão vêm sendo suspensos. No mundo inteiro temos visto a liderança do presidente [francês Emmanuel] Macron, da chanceler [alemã Angela] Merkel, do premiê [canadense Justin Trudeau]. Muitos exemplos vêm nações-ilhas e também países que não têm muito dinheiro, mas que fizeram avanços extraordinários, na América Central, por exemplo. Há um momento bastante positivo.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente lançou seu relatório Emissions Gap recentemente e disse que ou aumentamos a ambição até 2020 ou não vai dar para estabilizar o aquecimento global abaixo de 2oC, como preconiza o Acordo de Paris. Mas, quando se fala em aumentar ambição antes de 2023, isso simplesmente não está na mesa. Como o Sr. vê isso se desenrolar no ano que vem?
A primeira coisa é que eu acho que os mercados e as empresas estão à frente dos governos. No Reino Unido fomos de 40% de carvão na geração de energia cinco anos atrás para um dia em abril deste ano com zero carvão. Isso é uma transformação que as pessoas pensariam que fosse impossível. Quando se dá o sinal para o setor privado, há pontos de virada nos quais as coisas se mexem bem depressa.
Se você olhar para os EUA, os Estados, cidades e empresas estão se comprometendo a igualar o nível de ambição perdida na esfera federal porque eles viram a maneira como a inovação acontece. Os países farão suas próprias análises de sua realidade e de seus mercados e eu acho que eles concluirão que eles podem ser mais otimistas. Como isso vai se traduzir em termos das NDCs eu não posso dizer a esta altura, mas a escala do desafio que o Pnuma descreve põe a barra de ambição que precisamos superar.
Outro exemplo é na questão da navegação. Se não lidarmos com navegação ela pode ser tornar responsável por 17% das emissões globais em 2030. Então as discussões na IMO sobre uma estratégia para isso em 2023 não têm a pressa necessária; precisamos ver isso sendo discutido no ano que vem. Quando você tem a clareza do sinal para o mercado e para as finanças você consegue andar muito mais e muito mais rápido. O que eu digo para os nossos parceiros é que considerem uma estratégia de longo prazo, mesmo que simples, para que todos vejam o plano de voo, e isso trará mais ambição.
O Reino Unido estaria pronto para dar um primeiro passo e anunciar uma revisão da NDC antes da data de 2023?
Eu não estou em posição de dizer se faremos isso, mas posso dizer que sempre estivemos na ponta da maior ambição do espectro na Europa, e no Reino Unido nós claramente enxergamos a responsabilidade que temos de liderar e vemos as oportunidades econômicas.
Como o Brexit afeta a dinâmica climática entre o Reino Unido e a Europa?
A resposta simples é que temos toda a nossa legislação e as nossas regulações para induzir a descarbonização, e isso não será afetado pelo Brexit. Mas nós temos nossas questões práticas para discutir nas negociações, sobre se vamos permanecer uma parte da posição negociadora da UE, ou sobre o que faremos com o esquema de comércio de carbono da UE. Que padrões ambientais estabeleceremos quando deixarmos a UE? São questões importantíssimas. Mas, acima delas, a chave é a ambição política, e quanto a isso toda a Europa permanece muito ambiciosa.
Esta COP será a primeira depois do anúncio de saída dos EUA. Há alguns meses o comissário europeu do Clima foi criticado por sugerir que os EUA poderiam reduzir seus compromissos se fosse para permanecerem no Acordo de Paris. E as pessoas interpretaram isso como a UE sinalizando que o Acordo de Paris é negociável. Quão longe os europeus estão dispostos a ir num compromisso que mantenha os EUA a bordo?
Eu não sei se foi exatamente isso o que o comissário [Miguel Arias] Cañete disse. Eu acho que ele estava refletindo que os EUA haviam se engajado positivamente nas discussões. A dinâmica principal está acontecendo dentro dos EUA, com sua P&D fenomenal, sua capacidade financeira, essa trajetória de descarbonização é irreversível. E é extremamente vantajoso do ponto de vista econômico, há empregos na energia renovável em todos os Estados dos EUA, é a fronteira da inovação. Então, por todos esses motivos, achamos que os EUA deveriam estar no Acordo de Paris; é bom para eles e é bom para nós. Eles precisam fazer sua lição de casa e ver o que eles acham que é a trajetória deles e, quando fizerem isso, vamos olhar, mas em último caso cabe aos EUA sair ou ficar.
Desculpe insistir nisso, mas o presidente Macron disse desde o início que o acordo não e negociável e a chanceler Merkel afirmou a mesma coisa. O Reino Unido concorda?
Podemos ser muito claros: não, o Acordo de Paris não é negociável e o processo é irreversível. Acho que a confusão gira em torno de se os EUA saírem e voltarem com um compromisso diferente configura uma renegociação. Isso não é uma renegociação, isso é um compromisso diferente dos EUA. Então a coisa mais importante que todos nós concordemos é que o Acordo de Paris é irreversível, mas temos de lidar com qualquer que seja a decisão dos EUA. Mas isso é diferente de o Acordo de Paris ser renegociável.
Os países em desenvolvimento estão muito preocupados com o financiamento e culpam muito os países desenvolvidos por olharem apenas o lado da mitigação. Não dá para ter ambição em mitigação, eles dizem, sem ambição correspondente em finança.
O Reino Unido sempre propôs compromissos financeiros muito ambiciosos e na pré-COP todo mundo reiterou a importância dos US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020. Mas, além disso, o reconhecimento de que esta é uma questão de vários trilhões de dólares. E precisamos migrar para um espaço no qual consigamos trabalhar juntos para movimentar oportunidades maciças no setor privado. Uma área onde o Reino Unido está tentando liderar é adaptação e mitigação. O Reino Unido está comprometido a botar 50% de seu financiamento climático em adaptação. Não há muitos países fazendo isso e acreditamos que é o melhor a fazer. E nosso dispêndio em cinco anos é de mais de 6 bilhões de libras. Estamos fazendo parcerias, inclusive com o Brasil, em iniciativas como restauração e desmatamento evitado e energia de baixo carbono, aprimorando eficiência energética.
Parece que houve diferenças de opinião na última reunião do Fundo Verde do Clima no Cairo, na qual o Reino Unido bloqueou iniciativas da Argentina e do Paraguai argumentando tratar-se de países de renda média. Diplomatas de países emergentes diriam que o financiamento deveria ir para países que emitem mais, e que são emergentes. Pode esclarecer?
Nós temos sido grandes apoiadores do GCF, muito grandes contribuintes. Simplesmente operamos na base de uma avaliação objetiva do impacto e da qualidade dos projetos propostos, e aprovamos muitos projetos, e houve dois projetos que não achamos que tivessem o nível correto, e não se trata da renda do país proponente. Há muitos projetos de países de renda média e média-baixa e queremos que os projetos mais ambiciosos e impactantes sejam financiados, então não é essa a minha interpretação do que aconteceu.
Há esse medo de que no que diz respeito a financiamento a decisão americana possa trazer de volta o espírito pré-Paris e acabar com a trégua entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O sr. acha que isso pode acontecer?
Não, obviamente queremos que os EUA façam seu papel no financiamento climático. Eu não vejo nenhum outro país recuando em seu compromisso de financiamento, então, não, não detectei na pré-COP um recuo. Os EUA são um grande ator nesse cenário e suas decisões têm grande impacto, mas devemos trabalhar com eles para achar o caminho.
Fonte: Observatório do Clima