Duas tragédias de proporções alarmantes mataram centenas de conterrâneos nossos. As autoridades já identificaram os responsáveis, mas nas duas situações, as famílias das vítimas continuam sem seus entes queridos e, principalmente, sem receber um centavo de indenização.
O incêndio na boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013, começou às 2h30. E 240 minutos depois foi contido. Eram 5 horas da madrugada. Pais, mães, parentes angustiados correram para as portas trancadas da boate, as paredes foram derrubadas a golpes de marretas, e de lá foram recolhidos 242 corpos.
Em Santo Amaro da Purificação (BA), terra natal de Caetano Veloso, de Maria Bethânia e de Dona Canô, uma cidadezinha com construções coloniais bem preservadas, situada a 86 quilômetros de Salvador, vive uma tragédia que contabiliza 3 mil mortos, ou seja, doze vezes o número de vítimas fatais da boate Kiss, nos últimos 40 anos.
Estudos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e outras instituições estimam que cerca de 80% da população da cidade está contaminada pelos resíduos deixados pela mineradora francesa Peñarroya Oxide, conhecida no Brasil como Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac).
A empresa despejou na cidade 490 mil toneladas de rejeitos contaminados de chumbo, cádmio, zinco e outros metais pesados, até ser desativada em 1993. A fábrica deixou um histórico de poluição e doenças como saturnismo, demência, câncer, infertilidade, impotência, má formação de fetos e 3.000 mortos.
Através de manobras judiciais, muitas vezes imorais e protelatórias, a empresa continua sem ser responsabilizada. E os filhos e filhas, as viúvas e viúvos desses 3 mil entes queridos, contaminados e mortos aos poucos, com dores horríveis nas juntas, com fígado e rins comprometidos, com cânceres e peles feridas até o sangramento, continuam sem receber um centavo de indenização.
Em nome dessas milhares de vítimas de Santo Amaro da Purificação, é que Roberto de Lucena, deputado federal pelo PV de São Paulo, assumiu no seu primeiro mandato a presidência do Grupo de Trabalho, proposto por ele, que estudou o caso da contaminação por chumbo e outros metais pesados, bem como suas consequências, no recôncavo baiano.
O deputado mobiliza os setores mais humana e ecologicamente sensíveis da sociedade brasileira. “E a partir desses setores pressionaremos os poderes Executivo e Judiciário, para acelerar o resgate da imensa dívida social e moral que temos para com as famílias das vítimas de Santo Amaro da Purificação que hoje ainda é a cidade mais poluída por chumbo no mundo”, afirma Roberto de Lucena, que conta com o apoio da Avicca, a associação local das vítimas de contaminação por chumbo e cádmio.
Após mais de três décadas de omissão das autoridades brasileiras, por determinação da Justiça Federal da Bahia, a União e a Fundação Nacional de Saúde iniciaram em outubro de 2013 procedimentos para construir um centro de tratamento para vítimas de contaminação por chumbo em Santo Amaro da Purificação.
O prazo previsto era de seis meses. E até agora (maio de 2014), o deputado aguarda e monitora os desdobramentos da determinação da Justiça Federal. “Temos urgência porque as vítimas continuam a morrer, todos os dias, numa lenta agonia que a contaminação por metais pesados causa”, diz.
A tragédia continua
A principal reclamação das vítimas contaminadas é a inoperância das autoridades brasileiras em resolver (ou minorar) as consequências da contaminação ao longo dos últimos 40 anos, como pode ser visto no vídeo Cidade do Chumbo (http://bit.ly/1o8ePLw).
Por isso, Roberto de Lucena aceitou a relatoria da Proposta de Fiscalização e Controle, criada no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, para fiscalizar e monitorar os encaminhamentos adotados pelas autoridades brasileiras. Seu trabalho já deu resultados.
“Identificamos o mesmo rastro de contaminação e tragédia, produzido pela empresa que hoje se denomina Recylex, e suas subsidiárias brasileiras, Cobrac, que se transformou em Plumbum e Trevo, em Adrianópolis, no Paraná; no Vale do Ribeira, em São Paulo; em Minas Gerais e, mais recentemente, no Estado do Pará”, afirma o deputado.
O que acontece nas cidades e suas populações contaminadas pelo chumbo vai muito além de um crime socioambiental. É um crime contra a humanidade. “Estamos mobilizando, através da UGT, as centrais sindicais da Europa, que já elaboram um abaixo assinado entre os trabalhadores, para apoiar a nossa luta e a luta da Avicca”, afirma o deputado.
O objetivo é alcançar todas as áreas de atuação do grupo empresarial Plumbum – do qual fez parte a Companhia Brasileira de Chumbo – Cobrac, na Bahia. O grupo Plumbum funcionou, de fato, como subsidiário da Sociedade Mineira e Metalúrgica de Peñarroya, com sede na França.
Na Europa, a francesa Peñarroya transformou-se em Metaleurop e mais recentemente na recicladora de metais Recylex, empresa apoiada pelo Grupo Rothschild e controlada, em parte, pela gigante anglo-suíça Glencore Xstrata.
O crime contra a humanidade praticado através da contaminação por metais pesados em Santo Amaro da Purificação se amplia com o preconceito contra os ex-trabalhadores do setor. “Os trabalhadores que sobreviveram não conseguem mais nenhum tipo de ocupação formal, pois nenhuma empresa da região contrata alguém que tenha a carteira assinada pela antiga Cobrac ou Plumbum”, diz o deputado.
Crédito da foto: Carlos Augusto