A Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, foi orçada em R$ 16 bilhões, leiloada por R$ 19 bilhões e financiada por R$ 28 bilhões. Quase dois anos depois do início das obras, o valor não para de subir. Já supera R$ 30 bilhões e pode aumentar ainda mais com as dificuldades para levar a construção adiante.
Com a sequência de paralisações provocadas por índios e trabalhadores, estima-se que a obra esteja um ano atrasada. Se continuar nesse ritmo, além dos investimentos aumentarem, a concessionária poderá perder R$ 4 bilhões em receita.
O vaivém dos números da terceira maior hidrelétrica do mundo deve acertar em cheio a rentabilidade dos acionistas, que em 2010 estava calculada em 10,5%. Hoje, as planilhas dos analistas de bancos de investimentos já apontam um retorno real de 6,5% ao ano.
A Norte Energia, concessionária responsável pela construção da usina de 11.233 megawatts (MW) no Rio Xingu, evita falar de indicadores financeiros e afirma apenas que os valores (de R$ 25 bilhões) foram corrigidos para R$ 28,9 bilhões.
Leiloada em abril de 2010, a usina foi arrematada por um grupo de empresas reunidas pelo governo para que a disputa tivesse concorrência. Desde então, o projeto tem sido pressionado por uma série de fatores em áreas distintas. A montagem eletromecânica dos equipamentos, por exemplo, até hoje não foi contratada, e um dos motivos seria a elevação dos preços dos serviços, de R$ 1 bilhão para cerca de R$ 1,6 bilhão. Custos ambientais e gastos administrativos também estão bem acima das previsões iniciais.
Junta-se a essa lista as despesas indiretas com mão de obra, como cesta básica e tempo para visitar a família. Dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon) mostram que, em apenas um ano e meio, o valor da cesta básica dos trabalhadores de Belo Monte subiu 110% e o intervalo entre as visitas das famílias, pagas pela empresa, recuou de 180 dias para 90 dias.
Vale destacar que a obra tem 22 mil trabalhadores, e a maioria fica em alojamentos. Qualquer mudança nos benefícios – mesmo que pequena – tem impacto relevante no orçamento.
As interrupções dos trabalhos por causa das invasões e greves também são fatores que explicam o aumento dos custos. Até quinta-feira, cerca de 7 mil trabalhadores do sítio Belo Monte, onde está sendo construída a casa de força da usina, ficaram parados por causa da invasão de 83 índios no local. A paralisação durou uma semana. Desde o início das obras da hidrelétrica, foram 15 invasões (e 16 dias de greve) que paralisaram as atividades e ajudaram a atrasar o cronograma em cerca de um ano.
Aceleração
Recuperar o tempo perdido exigiria um programa de aceleração das obras e significaria elevar os custos de mão de obra, dobrar turnos ou contratar mais gente. Ainda assim, afirmam executivos que trabalham na obra, não é certeza de que a hidrelétrica seja entregue no prazo estabelecido. Desde a década de 70, quando os primeiros estudos começaram a ser feitos, Belo Monte é motivo de polêmica.
Pela dimensão do investimento e sua visibilidade no mundo inteiro por causa das questões ambientais, o projeto é alvo de reivindicações e protestos – e ninguém duvida que novas greves e invasões vão ocorrer até o fim da obra.
Pelo cronograma original, as operações da usina devem começar em dezembro de 2014. Hoje, porém, apenas 30% das obras civis estão concluídas.
Investimento de R$ 3,1 bi está fora do cronograma
Não são apenas as obras civis da Hidrelétrica de Belo Monte que estão atrasadas. Os investimentos na área ambiental e social, que somam R$ 3,2 bilhões, também estão fora do cronograma original. No ano passado, a concessionária Norte Energia foi multada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama)em R$ 7 milhões, por deixar de atender às condicionantes estabelecidas na licença de instalação.
Na ocasião, apenas 15% dos 86 programas ambientais da hidrelétrica haviam sido concluídos e 66% estavam pendentes. De lá pra cá, a situação melhorou, mas ainda há atrasos, segundo informações do Ibama. Pelo último relatório de acompanhamento dos projetos, 49% estavam adequados e 5% tinham pendências. Outros 46% estavam em processo de ajustes ou adequações.
Os atrasos nas condicionantes motivaram mais uma ação do Ministério Público Federal. “O que temos visto é que as condicionantes não cumpridas na licença prévia passaram a ser condicionantes da licença de instalação, que também não foram executadas. Por isso, pedimos a suspensão da licença e paralisação das obras”, afirma o procurador da República Felício Pontes Jr., um dos autores da 17.ª ação judicial contra Belo Monte.
Ele explica que o Ministério Público está investigando por que houve a liberação dos recursos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), se esses programas não foram cumpridos.
Em nota, a instituição afirmou que os desembolsos são atrelados ao cumprimento de todas as exigências socioambientais e, caso seja comprovada alguma irregularidade, o banco pode suspender a liberação dos recursos ou exigir a quitação antecipada do débito. O BNDES destacou, entretanto, que podem ocorrer eventuais atrasos na execução das ações previstas, como em qualquer outro projeto.
Cenário pior. Além do Ministério Público, os moradores de Altamira, principal município afetado pela construção da usina, também não estão satisfeitos com a execução dos investimentos na área social. A comunidade apostava na liberação do empreendimento para melhorar a infraestrutura local, como estradas, aeroporto e saneamento básico, a educação e a saúde. “Mas temos percebido um cenário pior do que antes do projeto”, afirmou o presidente da Associação Comercial da cidade, Valdir Antonio Narzetti, ex-presidente do Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental da Transamazônica e Xingu (Fort Xingu).
Ele pondera, porém, que algumas áreas tiveram melhorias, seja pelos investimentos da Norte Energia ou por recursos do governo do Estado. A segurança pública, por exemplo, ganhou reforços com novas viaturas, motos e helicóptero. Na educação, a Norte Energia investiu na ampliação de escolas existentes, elevando a oferta de vagas.
Por outro lado, diz Narzetti, os investimentos na saúde, previstos nos programas da empresa, continuam patinando. Segundo ele, parte dos atrasos também se deve a disputas políticas. “A primeira informação era de que iriam reformar o hospital municipal. Depois viram que o prédio era muito antigo e decidiram construir um novo. Mas não houve acordo de onde construir o hospital e então decidiram ampliar um outro estabelecimento.”
Na infraestrutura urbana, também não houve melhorias. Pelo contrário. Com o aumento da população local, o trânsito piorou e o saneamento básico continua insuficiente para atender a demanda. “Para ajudar, descobriu-se que o projeto da Norte Energia não previa o tratamento da água nem do esgoto.”
O quadro de projetos atrasados inclui ainda a construção de novas vilas e bairros para abrigar as famílias que precisam ser removidas das áreas que serão alagadas. “Dois terrenos já foram definidos. O terceiro ainda está em discussão. O problema é que cada hora escolhem um padrão diferente para as casas, o que gera polêmica.”
O Estado de São Paulo