O governo brasileiro aprovou primeiro registro de um medicamento à base de Cannabis sativa. Entenda o que mais é permitido e o que continua proibido
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) anunciou na segunda-feira (16) a aprovação do registro do medicamento Mevatyl, indicado para o tratamento de espasmos relacionados à esclerose múltipla, uma doença em que o próprio sistema imunológico ataca células do cérebro, nervos óticos e sistema nervoso central. Trata-se do primeiro registro de um medicamento à base de maconha no Brasil.
Anteriormente, a entidade já havia regulamentado a importação de remédios do gênero, mas não tinha aprovado o registro específico de nenhum. Isso significa que a única opção era que cada paciente buscasse ele mesmo uma autorização excepcional para importar determinado medicamento à base de Cannabis sativa – algo que continua valendo para a maior parte dos remédios.
Com a aprovação da Anvisa, o Mevatyl poderá ser importado pela Beaufor Ipsen Farmacêutica Ltda, empresa localizada no município de São Paulo, e vendido em farmácias. Segundo o órgão, ele será fabricado pelo laboratório GW Pharma Limited, do Reino Unido.
O remédio é classificado como tarja preta, o que significa que só pode ser vendido com a apresentação de uma receita médica especial – que é retida pela farmácia após a compra -, como acontece, por exemplo, com o tranquilizante rivotril.
Em entrevista ao Nexo, o advogado Emílio Figueiredo, membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, diz acreditar que a flexibilização das regras em torno de produtos à base de maconha é fruto da sensibilização das autoridades para o sucesso desses medicamentos em casos de difícil tratamento.
Abaixo, o Nexo preparou uma lista do que é permitido e o que é ilegal em se tratando de maconha hoje no Brasil.
Uso medicinal
O único remédio à base de maconha com registro pela Anvisa no Brasil é o Mevatyl, o que significa que ele poderá ser importado por uma empresa e distribuído em farmácias. Mas a Anvisa liberou em 2016 a importação de quaisquer produtos a base tanto de canabidiol quanto THC, duas substâncias presentes na planta. Por isso, há formas de obter remédios à base de maconha que não tenham sido registrados no país.
Para importar nesses casos, o paciente precisa obter de seu médico um laudo com o histórico de diagnóstico e tratamento de sua doença e uma receita, enviá-los para a Anvisa e obter autorização.
O CFM (Conselho Federal de Medicina), porém, tem se posicionado de forma contrária à descriminalização do consumo de drogas e criou medidas que na prática diminuem o alcance da decisão da Anvisa no caso da importação.
A entidade cria normas, fiscaliza a atuação de médicos, e tem usado seu poder para decidir como os profissionais devem proceder em relação a medicamentos não registrados. No caso do canabidiol, o CFM autoriza que apenas médicos psiquiatras, neurologistas ou neurocirurgiões o receitem em casos de tratamento de jovens com menos de 18 anos que sofram de epilepsia.
O CFM não autoriza que médicos receitem em nenhum caso remédios com o THC como princípio ativo.Médicos que desrespeitam as normas criadas pelo CFM correm o risco de sofrer processos disciplinares e até mesmo ter o seu registro para exercício da profissão cassado.
A própria planta da maconha é frequentemente utilizada com fins medicinais. Essa prática continua, no entanto, ilegal no país a não ser em alguns casos de autorizações específicas concedidas pela Justiça.
Uso recreativo
A lei brasileira sobre drogas considera drogas de uso proibido as substâncias entorpecentes, psicotrópicas e precursoras que constam nos anexos finais da portaria 344 da Anvisa.
A maconha está nessa lista, o que quer dizer que seu uso é considerado ilegal. O porte de maconha para uso pessoal acarreta penas leves, que vão de advertências a respeito do efeito nocivo das drogas a prestação de serviços à comunidade e exigência de comparecimento a programa ou curso educativo.
Um problema que costuma ser apontado na legislação brasileira é que ela não define critérios claros sobre o que é um usuário e o que é um traficante de drogas. Ou seja, trata-se de uma decisão subjetiva que fica a cargo do juiz.
Venda de maconha
A venda ou tráfico de maconha é ilegal, e as penas podem ser de reclusão (5 a 15 anos) e multa. Nos casos de “tráfico privilegiado”, quando o réu é primário, apresenta bons antecedentes e não integra uma organização criminosa, os condenados podem ter acesso a direitos como saídas da prisão em datas comemorativas ou cumprir sua pena em regimes que envolvem menos tempo de encarceramento. Nos outros casos, o tráfico é considerado um crime hediondo, o que acarreta em penas menos maleáveis.
Plantio
O plantio de maconha pode ser entendido como tráfico ou, no mínimo, porte para consumo de maconha. Ele é via de regra, considerado ilegal com base na Lei de Drogas.
Figueiredo, da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, ressalta, no entanto, que há exceções. Três famílias obtiveram decisões da Justiça autorizando, em seus casos, o plantio de maconha para uso medicinal para o tratamento de doenças de filhos que sofrem de epilepsia.
Importação de sementes
Apesar de o plantio ser, em geral, proibido, há indícios de que o número de pessoas importando sementes de maconha está crescendo no país. Segundo informações divulgadas em 2015 pela revista “Perícia Federal”, produzida pela Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, em 2010 a Polícia Federal do Rio Grande do Sul realizou 34 laudos sobre sementes de maconha apreendidas, enviadas para o país principalmente a partir da Holanda. Em 2014, foram 10 mil.
Figueiredo afirma que muitas dessas apreensões têm resultado em processos criminais por porte para consumo de entorpecentes, tráfico internacional de drogas ou contrabando de mercadorias proibidas. Outros são arquivados.
Ele diz ainda que não conhece nenhum caso de condenação em definitivo por importação de sementes, mas, há acusados recorrendo de condenações por tráfico de drogas e contrabando de mercadorias proibidas. Ou seja, na falta um entendimento claro da Justiça sobre o assunto, importar sementes pode, no mínimo, causar problemas com a lei.
Fonte : Nexo