Eduardo Jorge faz questão de dissociar o PV de Marina Silva. Em 2010, houve uma coligação entre sigla e candidata, frisa. Parceria que respeitou a religião de Marina, deixando de fora da campanha pautas como aborto e legalização da maconha. Quatro anos depois, com Jorge como postulante à Presidência — e Marina agora filiada ao PSB —, o PV aposta em 10 diretrizes, com foco na sustentabilidade, e volta a defender bandeiras tradicionais.
O médico de 64 anos, ex-deputado e um dos fundadores do PT, partido que deixou em 2003, sabe que será difícil repetir os mais de 19 milhões de votos de Marina. Ex-secretário de Saúde e de Meio Ambiente da cidade de São Paulo, ele aposta em ideias “afinadas com o século 21” para decolar.
— Sou conhecido mesmo em São Paulo. Então, se fui lembrado por 1% dos eleitores no país, é um bom começo — diz, referindo-se às pesquisas.
O PV foi a terceira via na eleição de 2010, com a candidata Marina Silva. É possível ir além?
Em 2010, só existia Internacional e Grêmio (numa alusão aos candidatos Dilma Rousseff e José Serra). Quem estava desgostoso veio para candidatura do PV coligado com Marina Silva. Já 2014 é uma eleição menos polarizada e influenciada pelo grito de mudança. O PV é um partido de vanguarda, o que temos de patrimônio não é apoio de construtoras, aparelhos de Estado e sindicatos. O patrimônio do PV são as ideias.
Com Marina, o partido fugiu em 2010 de seus temas tradicionais, como aborto e drogas. Neste aspecto, a aliança foi um atraso?
Foi um acordo programático, quando você e seu parceiro abrem mão de algumas ideias. Na política, isso é legítimo, e respeitamos as posições mais conservadoras de Marina, ligada a importantes igrejas evangélicas, que nos apoiaram na eleição passada. A aliança foi um sucesso, pela primeira vez a sustentabilidade teve peso no debate eleitoral.
O PV volta a defender a flexibilização do aborto e a legalização da maconha?
Desde março, temos um documento com nossas propostas de políticas públicas: educação, reforma tributária, previdência em regime único, reforma política. Não fugimos de nada. O PV não estimula a interrupção da gravidez pelo aborto, é o partido do planejamento familiar. Só que não podemos abandonar milhares de mulheres à própria sorte e tratá-las como criminosas. Tem de legalizar com critério, indicando a fase da gestação e dando atendimento.
E a maconha, como funcionaria a legalização?
Drogas como álcool e tabaco também trazem prejuízos e ninguém pensa em colocá-las na ilegalidade. Cerca de 10% dos usuários de Cannabis desenvolvem dependência. O Brasil precisa de coragem para, em vez de investir em polícia ou cadeia, usar essa dinheirama para diminuir o prejuízo que a maconha traz. Ao legalizar, descriminalizar e regular o consumo, o governo vai dizer três coisas: se possível, não use essa droga psicoativa. Se você usar, use o menos possível, como faz com tabaco e álcool. Terceiro, se você e sua família perceberem sinais de dependência, vamos te ajudar.
As diretrizes do PV falam em apostar na energia solar. E o pré-sal?
As grandes petroleiras estão se transformando em empresas de energia. Quando o Brasil atrela todas as esperanças na matriz petrolífera, ele condena a Petrobras a ficar vinculada a uma energia superada. Se tenho petróleo, como a Noruega tem, uso bem, mas cada vez menos, e invisto em outras fontes. A ignorância do Brasil em relação à energia solar é inacreditável. Daqui a 15 anos, será viável, competitiva e mais limpa.
Vocês defendem um novo plebiscito para o parlamentarismo (o último plebiscito sobre sistema de governo foi em 1993). Por quê?
O presidencialismo no Brasil é imperial, o presidente concentra 68% dos recursos dos tributos nacionais. Queremos menos Esplanada: 33% dos recursos com a União, 33% com Estados e 34% com municípios. O parlamentarismo é um conceito mais equilibrado de governo. Junto do voto facultativo e do voto distrital misto, vai permitir campanhas mais baratas e politizadas.
Outra proposta é extinguir o Senado. A Casa não funciona?
Hoje, tudo o que se vota na Câmara tem de votar tudo de novo no Senado. É um sistema ineficiente e caro. Também queremos diminuir o número de deputados e seus assessores. Deputado com muitos assessores é uma microempresa de clientelismo. Fui deputado por 20 anos, sei que dois assessores em Brasília e um no Estado resolvem.
E o corte no número de ministérios de 39 para 14 é factível?
O PV foi o primeiro partido a dizer que cortará os 39 ministérios. Teremos 14 pastas e vamos cortar desde o início 50% dos cargos de indicação. No Japão, quando troca o governo, muda no máximo 10% dos cargos, porque o resto é funcionário de carreira.
Para fazer tantas mudanças o senhor vai precisar de maioria no Congresso. Como conseguir uma base de apoio sem fazer acordos com outros partidos?
A fórmula é convencer o povo de que as ideais são melhores. Não quero discutir neste Congresso, quero que exista uma maioria de opinião pública esclarecida, e esse caminho vai se refletir em um novo Congresso. Pode demorar um pouco, mas a democracia funciona.
“As grandes petroleiras estão se transformando em empresas de energia. Quando o Brasil atrela todas as esperanças na matriz petrolífera, ele condena a Petrobras a ficar vinculada a uma energia superada. Se tenho petróleo, como a Noruega tem, uso bem, mas cada vez menos, e invisto em outras fontes.” — Eduardo Jorge
Fonte: Jornal Zero Hora