Campanhas eleitorais baratas e transparentes é o mais novo desafio do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) no Brasil. Com a aproximação das eleições municipais de outubro, a primeira depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a contribuição de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais (ADI 4650), as atenções agora estão voltadas para a campanha contra o caixa dois.
O assunto foi discutido com as instituições que integram o movimento, na última terça-feira, na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília. O MCCE já mobilizou o país na conquista da Lei 9840/99 e LC 135/2010, conhecidas como “Lei contra a compra de votos” e “Lei da Ficha Limpa”, até agora as duas únicas leis anticorrupção de iniciativa popular já aprovadas no país.
Além do combate ao caixa dois nas próximas eleições, já está nas ruas o projeto de Reforma Política também de iniciativa popular. O diretor da MCCE Luciano Santos disse que já conseguiram 900 mil assinaturas, mas pretendem chegar a 1,5 milhão antes de encaminhá-lo ao Congresso Nacional. Ele acredita que a reforma vai qualificar o quadro político brasileiro. Santos foi o redator da lei da Ficha Limpa e defende a participação direta da população para a promoção das mudanças sociais.
O MCCE é composto por 63 entidades como confederações, conselhos profissionais, sindicatos, associações de classe, movimentos sociais, entre outros. Não aceita dinheiro público, é mantido por essas instituições e por doações de populares.
CAIXA DOIS
O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, abriu os trabalhos falando da importância de se buscar campanhas eleitorais “mais baratas, transparentes e acima de tudo, limpas”. Ele acredita que, com a proibição das doações de empresas, deverão ocorrer muitos problemas de caixa dois nas eleições de outubro. “Sabemos que tudo isso que já foi efeito não é suficiente para que possamos dar um fim a essa crise ética e moral sem precedentes que vivemos hoje no Brasil”, afirmou. Lamachia anunciou ainda que a OAB vai lançar uma nova campanha nacional sobre respeito ao voto, reafirmando que voto não tem preço, tem consequência. “A consequência de um voto mal dado, a consequência de uma escolha mal feita é exatamente isso que nós estamos vendo”, lembrou.
Um dos fundadores do MCCE, Marlon Reis, ressaltou que hoje há um debate global sobre a democracia e que o financiamento de campanhas é comum em todo o mundo, havendo um debate muito forte na Europa, em países como Espanha e Alemanha e, nos Estados Unidos, pelo democrata e pré-candidato à presidência Bernie Sanders. “Todos os graves escândalos que vimos se relacionam com o financiamento de campanhas eleitorais e temos as eleições mais caras da Terra”, destacou Marlon, lembrando que 70% dos deputados federais eleitos ou 354 parlamentares da atual legislatura foram financiados por apenas 10 empresas.
Marlon defendeu a revogação das doações ocultas e a obrigatoriedade dos relatórios sobre o financiamento gerados a cada 72 horas após cada doação (pessoa física) são excelentes formas de controles para que o país acompanhe, praticamente em tempo real, os valores arrecadados pelos candidatos. “O que inibe a prática corrupta do caixa dois de campanha é a transparência e o controle”, assegurou.
WATERGATE
O debate contou com a participação do americano Craig Holman, responsável por Assuntos Governamentais e Relações Institucionais entre os poderes do Estado no Public Citizen Congress Watch, sediado em Washington. A organização sem fins lucrativos defende os interesses dos cidadãos americanos perante o Congresso, as agências do poder executivo e os tribunais. Holman também está trabalhando com organizações não governamentais europeias e membros da Comissão e Parlamento europeus para desenvolver um sistema de registro de lobistas para a União Europeia.
Entre muitas vitórias, o Public Citizen já enfrentou com sucesso as práticas abusivas da indústria farmacêutica, indústrias nucleares e automobilísticas, entre outras. Holman tem doutorado em reforma do financiamento da campanha eleitoral, ética nos governos e prática de lobby e impacto do dinheiro nos Estados Unidos. Como representante legislativo, ele serve como o especialista em relações institucionais da organização no Capitólio e atua em assuntos relacionados ao financiamento de campanha e ética governamental.
Holman lembrou que os Estados Unidos levaram 100 anos para chegar a um bom sistema eleitoral e regular o dinheiro na política, garantindo a transparência. As mudanças começaram a acontecer no século XIX, quando a influência coorporativa se tornou tão corrosiva que era preciso ter fim. Na década de 70, no século XX, o escândalo do Watergate foi decisivo para o aperfeiçoamento do sistema de financiamento de campanhas. Ficou provado que o então presidente Richard Nixon recebia dinheiro de caixa dois de grandes empresas.
Fitas gravadas reforçaram também a acusação de que Nixon sabia das operações ilegais do Watergate e que tentou atrapalhar as investigações. O presidente renunciou num discurso dramático pela TV e uma nova lei foi aprovada impondo limites às contribuições de todas as fontes. Não eram mais permitidas doações a candidatos superiores a mil dólares por eleição, mas só até 2014, quando a Suprema Corte americana derrubou o limite das doações por pessoas físicas.
Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência. O problema existe no mundo todo, o Brasil pelo menos já deu alguns passos: o representante do Public Citizen Congress Watch afirmou que o aspecto mais importante que tem observado na política brasileira é a proibição do financiamento de campanhas por empresas. Quem sabe o brasileiro nunca mais vai ouvir o mantra de que “as doações foram legais e aprovadas pelos tribunais eleitorais”?
Fonte: http://www.mcce.org.br/