Conhecer a real situação das barragens brasileiras e estudar novas metodologias para aumentar a segurança podem ser a solução para minimizar tragédias humanas e ambientais
Atualmente, existem 790 barragens de rejeitos de mineração no país, de acordo com a Agência Nacional das Águas (ANA). De acordo com o documento ‘Cadastro Nacional de Barragens de Mineração dentro da Política Nacional de Segurança de Barragens’ que a Fundação Verde teve acesso, dentre elas, mais de 20 estão categorizadas como de ALTO risco. Ainda de acordo com a Agência, a categoria de risco refere-se a aspectos da própria barragem que possam influenciar na possibilidade de ocorrência de acidente, enquanto o dano potencial associado diz respeito ao prejuízo causado havendo acidente ou rompimento. Dentre as 790, 204 barragens brasileiras de rejeitos apresentam dano potencial associado. As classificações para ambas as categorias são “alto”, “médio” e “baixo”. No caso do dano potencial associado, os conceitos levam em conta aspectos como infraestrutura e população localizadas abaixo da barragem.
O engenheiro civil e especialista em Engenharia da Qualidade, Oniwendel Felipe de Morais Pereira, em sua dissertação que lhe deu o título de mestre, ‘Uso Sustentável de Recursos Naturais em Regiões Tropicais’, afirma que, diante dos acidentes ocorridos nos últimos anos com esses tipos de estruturas (barragens do Fundão e Itabirito), com uma diferença temporal pouco maior que um ano, os dois casos apresentam um fato semelhante entre elas, a classificação por categoria de risco baixo. Ou seja, baixa possibilidade de ruptura segundo o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração (CNBM). Dessa forma, segundo Oniwendel, entende-se que o conceito de risco, norteador desse critério, pode não ter uma concepção e categorização adequada, já que, a classificação por categoria de risco deveria informar quais barragens possuem maior probabilidade de ruptura e ponderar os possíveis danos sociais, ambientais e econômicos. Segundo a portaria nº 416 (DNPM, 2012) o risco é definido como a probabilidade da ocorrência de um acidente.
RISCO IMINENTE – De acordo com o diretor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Minas, Julio Cesar Dutra Grillo, há técnicas alernativas eficientes sendo testadas, inclusive, pela Vale, no entanto o interesse é menor porque elas são mais caras. Segundo denúncia dos membros do Conselho de Política Ambiental (COPAM), a Vale forçou a decisão de rebaixamento da classificação de risco da barragem de Feijão de nível 6 para nível 4 para poder iniciar as obras de reaproveitamento dos rejeitos. Ainda de acordo com os membros, durante uma reunião extraordinária da Câmara de Atividades Minerárias, ocorrida em 11 de dezembro de 2018, houve uma acalorada discussão com a participação de dezenas de moradores que se manifestaram contra as licenças por causa de possíveis abalos hídricos na região. A discussão acabou com a aprovação, de forma acelerada, da licença para a continuidade das Operações da Mina da Jangada e das operações da Mina de Córrego do Feijão. O resultado foi pela aprovação, com folga, das licenças: 8 votos contra 1, com 1 abstenção.
Maria Teresa de Freitas Corujo, conselheira da Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Ambiental de Minas Gerais, que atuou para barrar a licença de ampliação das atividades no complexo da Vale em Brumadinho, disse que estava claro que havia uma pressa demandada pela Vale para obter as licenças de uma vez só.
Especificamente, a barragem de rejeito de minérios é produto da separação da parte “estéril” do minério do que tem valor de mercado. Segundo a própria Vale, as barragens existem para “para transformar o minério de ferro em um produto rico e que atenda às exigências do mercado internacional.” As mineradoras tendem a dizer que a lama do reservatório não contém metais pesados. No entanto, especialistas afirmam que naturalmente existem níveis de metais pesados em rochas e, quando esse material é utilizado em escalas gigantes, como na barragem, existe a possibilidade de contaminação. Como foi no caso de Mariana (MG). Estudos, pesquisas e laudos medicinais comprovaram que há níveis grandes de metais pesados, como arsênio, chumbo e manganês, circulando no sangue de moradores atingidos pela lama.
LEGISLAÇÃO E MINERAÇÃO
As barragens de contenção de rejeitos são estruturas comuns na mineração. A mineradora Vale, proprietária da barragem de Brumadinho (MG) que se rompeu na última sexta-feira (25) deixando mortos e desaparecidos, é proprietária de outras 142 estruturas semelhantes pelo país. As barragens de contenção de rejeitos de minério de ferro envolvem um processo complexo, de separação dos materiais que serão aproveitados e do que será descartado. Em tese, são utilizadas para diminuir os impactos ambientais da mineração. Foi a partir da década de 1930 que as indústrias investiram na construção das primeiras barragens de contenção de rejeitos, focando na manutenção da mineração e mitigação dos impactos ambientais.
A Política Nacional de Segurança de Barragens (lei nº 12.334/2010) cria regras para a acumulação de água, de resíduos industriais e a disposição final ou temporária de rejeitos. Desde 2010, a PNSB obriga as empresas a terem um plano de segurança e que seja feita uma classificação destas estruturas por nível de risco e dano potencial, cria um sistema nacional de informações sobre barragens e prevê uma série de obrigações de produção de documentos a serem avaliados pelo poder público. De acordo com o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Rômulo Sampaio, o problema não está na legislação. “A legislação que temos é suficiente. O problema não está nela, mas em fazer com que ela seja aplicada na prática, porque faltam investimentos nos órgãos de controle”.
Nos últimos anos houve alerações na legislação estadual mineira com a proibição da construção de barragens de sedimentação, como a de Brumadinho e Mariana. No entanto, o enrijecimento da legislação não é suficiente. Segundo pesquisadores, já existem centenas barragens de mineração em Minas Gerais, muitas delas de sedimentação, e a estrutura de fiscalização é insuficiente para garantir sua segurança.
Os relatórios de estabilidade das barragens são apresentados pelas empresas, e cabe ao órgão público verificar as informações apresentadas, mas faltam recursos, instrumentos, fiscais e técnicos especializados. Assim, não há rigidez na verificação destes relatórios.
De acordo com a Lei nº 12.334/2010, é de competência “do empreendedor a anotação de responsabilidade técnica, por profissional habilitado pelo Sistema Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea) / Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), dos estudos, planos, projetos, construção, fiscalização e demais relatórios citados na Lei”. Ou seja, até o momento foram presos cinco engenheiros responsáveis, mas nenhum executivo da Vale.
Fonte: ASCOM FVHD