Uma das principais consequências da mudança climática é o aumento na frequência de catástrofes naturais. Populações vulneráveis em diferentes lugares do mundo sofrem os efeitos de inundações, secas e furações ou são ameaçadas pelo aumento do nível do mar. Junto com esses desastres naturais, algumas das próprias ações de mitigação e adaptação à mudança climática também podem colocar em risco direta e indiretamente os direitos humanos.
A relação inseparável entre direitos humanos e meio ambiente foi oficialmente reconhecida pela Conferência do Clima da ONU em sua reunião realizada em Cancun (COP-16), no México, em 2010, onde admitiu-se que toda medida de adaptação e mitigação da mudança climática tem algum impacto na população.
“Não é suficiente reconhecer a relação entre direitos humanos e mudança climática”, defende a peruana María José Veramendi, advogada da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (Aida). Ela explica que há vários anos a organização trabalha para que o acordo climático negociado na Conferência de Paris, que ocorre entre esta e a próxima semana, “inclua uma linguagem específica de direitos humanos para que os países se comprometam de forma que todas as ações climáticas respeitem, protejam e promovam os direitos humanos”.
O texto preliminar do acordo contempla a demanda, mas as propostas ainda não têm consenso dos países. “Já conseguimos que essa linguagem fosse incluída, mas o que temos que conseguir agora é que seja mantida e que os estados a apoiem nas negociações”, diz María José.
Diversas organizações da sociedade civil consideram que a inclusão da questão dos direitos humanos permitiria reforçar as metas da COP-21 e deixar claro que o grande objetivo do acordo internacional é desenhar medidas para proteger a humanidade do que poderia ser um grande desastre se a mudança climática não for controlada.
“O texto do acordo não tem os princípios fundamentais de justiça social e respeito aos direitos humanos que nós gostaríamos de ver”, adverte Alix Mazouni, responsável de políticas internacionais da Climate Action Network (CAN) (leia mais).
Paralelamente, a Costa Rica defende uma proposta, apoiada por 18 nações, que pede o compromisso dos países de adesão ao Pacto de Genebra para os Direitos Humanos na Ação Climática (veja aqui). O Brasil ainda não aderiu à iniciativa.
Por outro lado, a Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) defende que o acordo de Paris deve visar à mitigação da mudança climática junto com a prevenção dos impactos climáticos negativos à população, garantindo que todos tenham a capacidade necessária para adaptar-se a ela. Exige-se também que sejam garantidos recursos de equidade e não discriminação nas ações climáticas, uma reparação efetiva às vitimas da mudança climática e que sejam mobilizados mais recursos para promover um desenvolvimento baseado nos direitos humanos, protegendo à população de eventuais prejuízos causados por empresas (saiba mais).
Também é bom lembrar que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) exige que os Estados comprometam-se em proteger o direito à consulta livre e informada das populações afetadas na formulação e implementação de políticas climáticas. “A hidrelétrica de Belo Monte está afetando um grande numero de pessoas que não foram consultadas e que estão sofrendo a violação do seu direito à vida, à água ou à moradia”, diz María José Veramendi. A obra é defendida pelo governo federal como uma forma de reduzir as emissões de gases de efeito estufa do setor de energia no Brasil, por supostamente tornar dispensável o uso de usinas térmicas, mais poluentes.
Direito à terra para lutar na mudança do clima
“Se querem deter o desmatamento, reconheçam direitos legais às comunidades [sobre seus territórios]”, afirmou Andrew Steer, presidente do World Resources Institute (WRI). Reforçar os direitos da população que mora nas florestas não é só um beneficio para essas comunidades, mas também a melhor opção para conservar o meio ambiente e mitigar a mudança climática, segundo um informe da organização. O documento demostra que os índices de desmatamento e a degradação nas florestas são consideravelmente menores quando elas são geridas pelas populações locais. A conclusão baseia-se nos resultados de 130 estudos de caso em 14 países diferentes
(leia aqui).
Embora sejam os guardiões das florestas, as comunidades indígenas e tradicionais figuram entre os mais vulneráveis à mudança do clima.
Geograficamente, é a Ásia aonde mais colidem os direitos humanos ligados à questão climática. Um exemplo disso é o crescimento da cultura de óleo de palma – usado para a alimentação e como carburante renovável – que ocupa grandes extensões de terras, pondo em risco direitos básicos da população local, como o acesso aos recursos, à água, à moradia e à vida. Neste ano, mais da metade dos assassinatos anuais de indígenas por disputa de terras ou recursos aconteceram na Ásia, segundo o Observatório de Direitos da Terra (Land Rights Watch, em inglês).
Outras regiões, como os países insulares do Pacífico, vivem a ameaça de que, em 20 ou 30 anos, suas ilhas sejam completamente engolidas pelo mar. Alguns desses países, como o Kiribati, já estão comprando territórios em outras ilhas, como em Fiji, para poder deslocar suas populações. A Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS, sigla em inglês), formada por 39 países em risco, exige compromissos legalmente vinculantes dos outros países em matéria de redução de emissões, assim como de compromissos de direitos humanos que definam políticas de acolhida de refugiados ambientais ou financiamentos como compensação por danos ou perdas.
Quem protege a aqueles que cuidam da floresta?
Um indígena é assassinado em média cada semana tentando proteger o meio ambiente, segundo as estimativas dos últimos anos da campanha do Observatório de Direitos da Terra. No entanto, segundo dados oficiais, neste ano já foram 92 as vitimas indígenas, ou seja, dois assassinatos por semana (saiba mais).
“O clima agrava-se, o meio ambiente está em perigo e por isso o nosso papel como protetores da natureza é cada vez mais importante”, diz Mina Setra, líder indígena e ativista defensora dos direitos humanos da etnia Dayak Pompakng, da Indonésia. “Somos nós quem protegemos as florestas, mas como podemos fazê-lo se perdemos a vida? Pedimos aos governos e as empresas que parem a violência, precisamos que nossos direitos à vida, à terra e aos recursos sejam respeitados”, exige ela.
Frente à mudança climática, direitos básicos como a segurança alimentar estão em perigo, segundo Lino Mamani, indígena Quechua, conhecido como o “Guardião da Batata”, no Peru. “O cultivo da batata está sendo deslocado pelo aumento das temperaturas”, explica.
A defesa do meio ambiente e mais concretamente a luta pela terra são algumas das principais causas de morte e de violação de direitos humanos em alguns países. “É inaceitável tudo o que os povos indígenas precisam lutar para conseguir a terra. As empresas mineiras seguem tendo prioridade diante da conservação das florestas e isso me doe como mulher e como indígena”, diz a peruana Diana Ríos, líder indígena da etnia Asheninka.
O Brasil figura entre um dos quatro países mais perigosos para a defesa ambiental, segundo a Global Witness, que informa que 900 ambientalistas no mundo foram assassinados, desde 2001; só em 2014, foram 116 (veja documento).
A líder indígena Mina Setra sugere seis propostas para o governo brasileiro nas negociações da Conferência do Clima: fortalecer os direitos humanos nas negociações, garantir às populações tradicionais o acesso à terra e recursos, consulta efetiva das populações afetadas por empreendimentos econômicos, disponibilidade de fundos para os guardiões das florestas, fim da violência e intimidação dos povos indígenas e inclusão das contribuições ambientais dos povos indígenas no INDC brasileiros.
Fonte : ISA