A morte do relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, num acidente de avião nesta quinta-feira, deu mais um giro na intrincada novela da crise política brasileira e criou um imbróglio jurídico-político para a operação, para o presidente Michel Temer (PMDB) e para a presidenta da mais alta Corte brasileira, Cármen Lúcia. Neste cenário de perplexidade, haverá pressão para que Cármen, com poder a seu dispor para escolher um nome do tribunal para substitui-lo na investigação, e Temer, que indicará um novo nome para o Supremo, tomem decisões rápidas.
O ministro de 68 anos era apontado como um magistrado experiente (foi desembargador no Tribunal Regional Federal da região Sul e ministro do Superior Tribunal de Justiça), técnico, seguro e discretíssimo. Características essas que fizeram com que fosse pouco questionado em suas decisões referentes a maior investigação de corrupção no Brasil, daí a tarefa complicada de preencher sua vaga sem gerar ruídos. Quando foi indicado pela então presidenta Dilma Rousseff (PT) para integrar a Corte, em 2012, quase não surgiram vozes contrárias ao nome de Zavascki no meio jurídico. No campo político, apenas quatro senadores votaram contra a sua nomeação, e 57 foram favoráveis a ela. Entre os cinco indicados por Rousseff para assumir uma vaga na maior corte brasileira, apenas Luiz Fux, em 2011, teve um número menor de rejeição entre os senadores – só dois foram contra ele.
Nos bastidores do Congresso Nacional é comum ouvir relatos de que senadores e deputados têm trânsito livre com alguns dos ministros do STF. Jantam juntos, fazem reuniões extraoficiais em seus gabinetes e até têm relações de amizade. Com Zavascki, contudo, dificilmente se ouvia comentários do tipo. Era fechado em copas. O grampo feito pelo ex-senador Sérgio Machado (PMDB) no senador Romero Jucá (PMDB), quando falaram de um “pacto” para deter a Lava Jato, demonstra bem essa autoblindagem imposta pelo ministro. Dizia Machado: “Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o Teori, mas parece que não tem ninguém”. Ao que Jucá respondeu: “Não tem. É um cara fechado, foi ela [Dilma] que botou, um cara… burocrata”. Os dois peemedebistas são alvo da operação.
Neste panorama é que, em meio ao luto, todos os passos de Cármen Lúcia, na chefia do tribunal a relativo pouco tempo, e de Michel Temer, cujo Governo está implicado diretamente na Lava Jato, serão seguidos com lupa. Já começaram os discursos políticos que cobram que Lava Jato seja protegida para que não acabe travada por “uma trapaça da sorte” – para usar as palavras do ministro do STF, Roberto Barroso, para lamentar o acidente que matou Teori. A Cármen caberá decidir se vai usar do poder de seu cargo para escolher de ofício o novo relator da Lava Jato que dará andamento à “delação do fim do mundo”, o acordo de 77 executivos da Odebrecht que deve entregar mais de uma centena de políticos. De pronto, a ausência do magistrado deve fazer com que se atrase o processo do qual ele tinha interesse de dar andamento célere já em fevereiro. Já Temer, atolado no caos penitenciário, na crise financeira, na briga pela presidência da Câmara e na escolha de seu novo ministro da Secretaria de Governo, terá mais uma crise a administrar – a de indicar o sucessor do ministro no Supremo. Sempre que uma vaga se abre, inúmeros candidatos aparecem.
A central da boataria de Brasília já se precipitou em lançar dois concorrentes: o atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e o juiz responsável pela Lava Jato na primeira instância, Sérgio Moro. Os nomes de nenhum dos dois devem prosperar. O primeiro, apesar de advogado constitucionalista, tem um perfil bastante político, é filiado ao PSDB. O segundo, ficaria impedido de julgar qualquer processo da própria Lava Jato, pois teria de analisar boa parte de suas próprias decisões. Assessores de Temer dizem que ele fará sua indicação de maneira célere e priorizará critérios técnicos.
Uma outra frente dentro desse imbróglio, será a da investigação do acidente envolvendo o ministro e outras cinco pessoas. A Aeronáutica e a Polícia Federal instauraram inquéritos para investigar a queda da aeronave em Paraty, no Rio de Janeiro. Neste contexto, segundo fontes da PF, estarão as supostas ameaças recebidas por Zavascki e seus familiares em maio do ano passado. Em uma mensagem em suas redes sociais, o advogado Francisco Prehn Zavascki, filho do ministro, escreveu: “Acredito que a lei e as instituições vão vencer. Porém, alerto: se algo acontecer com alguém da minha família, vocês já sabem onde procurar… Fica o recado!”. Na época, o ministro disse que não tinha recebido nenhuma ameaça séria.
El País