Futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública, o juiz federal Sérgio Moro afirmou em entrevista exclusiva ao Fantástico neste domingo (11) que, na avaliação dele, ministros do governo Jair Bolsonaro eventualmente acusados de corrupção devem ser afastados “se a denúncia for consistente”.
Veja os principais pontos do que Moro disse na entrevista e leia a seguir sobre cada um dos tópicos abaixo:
- Disse que ministros que venham a ser alvos de denúncias “consistentes” de corrupção devem ser afastados
- Contou que aceitou o convite de Bolsonaro por ter a chance de implementar “agenda anticorrupção
- “Rebateu críticas de que sua entrada no ministério pode comprometer a separação entre os Três Poderes
- Disse que há uma “fantasia” de que Lula foi “excluído arbitrariamente” das eleições, e que ele “está preso pois cometeu crime”
- Afirmou acreditar que o país vive “sentimento forte” contra sistema político que não agiu contra corrupção
- Defendeu que as regras atuais sobre armamento no Brasil “são muito restritivas para posse de arma em casa”
- Disse que o combate ao crime deve se basear em investigações sólidas, isolamento de líderes e confisco de frutos dos crimes
- Este combate ao crime deve “evitar confrontos armados”, defendeu Moro
- Disse considerar razoável a afirmação de que uma pessoa de 16 a 18 anos já tem compreensão de que é errado matar
- Afirmou que minorias não vão perder direitos e que governo será rigoroso contra crimes de ódio
- Disse que não vai disputar a corrida pelo Palácio do Planalto em 2022
- Falou que uma eventual indicação dele ao STF só pode ser possibilidade “quando surgir vaga”
Ministro alvo de denúncia ‘consistente’ deve ser afastado
Responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância do Paraná até o início deste mês, o magistrado defende que, na hipótese de um ministro vir a ser acusado de corrupção, devem ser analisadas as eventuais provas e feito um “juízo de consistência” da denúncia.
“Se a denúncia for consistente, sim [o ministro envolvido em alguma denúncia de corrupção deve ser afastado]. […] Eu defendo que, em caso de corrupção, se analise as provas e se faça um juízo de consistência, porque também existem acusações infundadas, pessoas têm direito de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um juízo de valor. Não é preciso esperar as Cortes de Justiça proferirem o julgamento”, defendeu o juiz da Lava Jato.
Questionado sobre se ele, como ministro da Justiça, iria analisar e fazer esse juízo de valor para aconselhar o presidente a demitir o ministro em questão, ele admitiu que, “provavelmente”, se envolveria no processo.
“Ou algum outro conselheiro. O que me foi assegurado, e é uma condição, não é bem uma condição, não fui estabelecer condições. Mas eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico”, complementou.
De acordo com o futuro ministro, ele discutiu com Bolsonaro e obteve a garantia do presidente eleito de que “ninguém seria protegido se surgissem casos de corrupção dentro do governo”.
Aceitou convite para implementar ‘agenda anticorrupção’
A jornalista Poliana Abritta indagou ao magistrado o que foi decisivo para ele aceitar o convite do presidente eleito para ser o ministro da Justiça a partir do ano que vem. Para integrar o governo, Moro vai ter que abrir mão de uma carreira de 22 anos na magistratura.
“O grande motivador dessa aceitação do convite foi a oportunidade de ir a Brasília numa posição de poder elevada de ministro da Justiça e poder implementar com essa posição uma agenda anticorrupção e uma agenda anticrime organizado que não se encontram ao alcance de um juiz de Curitiba, mas podem estar no alcance de um ministro em Brasília”, contou Moro.
O futuro ministro disse que conversou com dois amigos, com pessoas experientes e também com a família dele antes de aceitar o convite de Bolsonaro. Segundo ele, os conselhos foram “diferenciados”. “Alguns me recomendaram que não, outros me recomendaram que sim”, disse o juiz.
Rebateu críticas à decisão de aceitar ministério e afirmou que ‘Lula está preso pois cometeu crime’
O Fantástico questionou a Moro qual era a opinião dele em relação à crítica do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto – que se aposentou da Corte em 2012 – em relação ao fato de o juiz paranaense ter aceitado o convite para integrar o novo governo. Na avaliação do ministro aposentado, a transferência do magistrado para o primeiro escalão “comprometeria a separação e independência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário”.
“Tenho grande respeito pelo ex-ministro Ayres Britto. Eu acho que a avaliação dele, nesse caso, está equivocada. Existe essa fantasia de que o ex-presidente [Lula], que foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, teria sido excluído arbitrariamente das eleições por conta do processo criminal. Mas o fato é que ele tá condenado e preso porque cometeu um crime”, respondeu o magistrado.
A reportagem lembrou ao juiz federal que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva protocolou um novo pedido de habeas corpus pela liberdade do petista e pela anulação da ação penal do tríplex do Guarujá e indagou se ele temeu colocar em risco todo o trabalho feito até agora ao aceitar o convite para o ministério. O principal argumento dos advogados de Lula, ressaltou o Fantástico, é de que houve “irremediável perda da imparcialidade”.
“Não, veja, essa questão pertence hoje às Cortes de Justiça, não mais a mim. Eu proferi a decisão em relação ao ex-presidente Lula em meados de 2017. Então, assim, eu nem conhecia o presidente eleito Jair Bolsonaro”, enfatizou.
Sentimento anticorrupção no Brasil
O Fantástico questionou Moro se ele considera que o momento que o país vive hoje politicamente é resultado dos resultados dos quatro anos de atuação da Operação Lava Jato.
Ao responder, ele admitiu que, em parte, nas eleições deste ano, “havia um sentimento muito forte contra um sistema político que, apesar de todas essas revelações de casos de grande corrupção, praticamente nada fez”.
O futuro ministro da Justiça disse que, na visão dele, talvez Bolsonaro foi quem melhor foi identificado pela população como alguém que modificaria o status quo.
“Qualquer outro candidato que fosse identificado com essa causa anticorrupção teria boas chances. Sem prejuízo das outras bandeiras do candidato”, opinou Moro.
Regras atuais ‘são muito restritivas para posse de arma em casa’
Ao ser indagado sobre a promessa de campanha de Bolsonaro de flexibilizar a posse e o porte de armas, Sérgio Moro disse que, na opinião dele, as regras atuais “são muito restritivas para a posse de arma em casa”.
“Posse” é a pessoa ter uma arma dentro de casa. Não ela sair por aí passeando com a arma. Aí é porte, é diferente.”
O futuro ministro afirmou que, em razão de Bolsonaro ter sido eleito com base nessa bandeira, “existe um compromisso” com os eleitores para flexibilizar a posse de armas.
Moro disse que, apesar de ter arma e ter direito a portá-la na rua, “normalmente”, não anda armado.
Combate ao crime deve se basear em investigações sólidas e evitar confrontos armados
De acordo com Sérgio Moro, o Estado brasileiro tem que ter uma política mais rigorosa em relação às organizações criminosas. Ele defende três padrões de combate ao crime organizado:
- Investigações sólidas, direcionada à organização e seus líderes
- Prisão e isolamento dos líderes
- Confisco do produto da atividade criminal e do patrimônio da organização
“É assim que se desmantela organização criminosa. O criminoso vai pra cadeia, o policial vai pra casa”, ponderou.
Ele também defendeu que seja evitado “ao máximo” a situação de confronto armado entre a polícia e os criminosos.
“Não pode se construir uma política criminal, mesmo de enfrentamento do crime organizado, baseado em confronto e tiroteio. O risco de danos colaterais é muito grande. Não só danos colaterais, mas o risco para o policial.”
O futuro ministro também disse que vai estudar se é necessária uma reformulação da lei para acolher proposta do governador eleito do Rio, Wilson Witzel, que prevê o abate de qualquer pessoa que esteja portando fuzil.
Segundo ele, não é razoável que o policial tenha que esperar o criminoso atirar nele com uma metralhadora ou com um fuzil antes que ele possa tomar qualquer providência.
Maior de 16 anos já tem ‘compreensão’ de que é errado matar
Sérgio Moro disse, ao ser questionado sobre a possibilidade de o futuro governo propor ao Congresso Nacional a redução da maioridade penal, que, na avaliação dele, é “inegável” que há uma necessidade de proteger o adolescente, que “é uma pessoa em formação”.
O magistrado, no entanto, disse considerar razoável a afirmação de que mesmo um adolescente entre 16 e 18 anos já tem a compreensão de que é errado matar.
“Isso [redução da maioridade penal] não resolve criminalidade, mas tem que se considerar a justiça individual. Pense numa família que um dos membros foi vítima de um homicídio praticado por um adolescente acima de 16 anos. As pessoas querem uma resposta do Estado institucional. E o sistema atual, que prevê sanções muito reduzidas para crimes dessa natureza, de gravidade, é insatisfatório”, opinou Moro.
Garantias para minorias
Questionado na entrevista sobre quais garantias poderia dar para a comunidade LGBT, negros e mulheres de que os direitos deles não serão retirados no próximo governo, Moro afirmou que nunca viu, na campanha eleitoral, uma proposta de Bolsonaro com cunho discriminatório em relação às minorias.
“Eu não imagino de qualquer forma que essas minorias estejam ameaçadas. O fato de a pessoa ser hetero, homo, branco, negro, asiático, isso é absolutamente indiferente. Nada vai mudar”, declarou o futuro ministro.
Moro disse ao Fantástico que tem grandes amigos que são homossexuais e que algumas das melhores pessoas que conhece são homossexuais.
Segundo ele, o próximo governo tem que ter uma postura rigorosa contra crimes em geral, mas também a crimes de ódio, entre os quais se enquadram os cometidos contra minorias.
“Eu não poderia ingressar em qualquer governo se houvesse alguma sombra de suspeita que haveria uma política desse espécie.”
Nega que vá disputar Presidência da República]
Confrontado pelo Fantástico com a possibilidade de, eventualmente, sair candidato à Presidência da República em 2022, Sérgio Moro disse que não vai disputar a corrida pelo Palácio do Planalto.
“Não, isso eu tô te falando aqui, não vou ser. Eu não sou um político que minto. Desculpe. Com todo respeito aos políticos, mas, assim, bons e maus políticos. Existem maus políticos que faltam com a verdade. Eu não tô faltando com a verdade”, enfatizou.
STF só pode ser possibilidade ‘quando surgir vaga’
Questionado sobre uma eventual indicação para uma cadeira no Supremo, Moro disse que, na opinião dele, é até “indelicado” falar sobre vaga no tribunal quando não existem vagas.
“É uma perspectiva, uma possibilidade que se coloca no futuro, quando surgir uma vaga. Meu nome pode ser cogitado, como o nome de várias pessoas”, observou.
Fonte: G1