A imagem acima mostra os indígenas ocupando a galeria do Plenário Ruy Araújo da Aleam, em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)
Manaus (AM) – Pressionado por uma manifestação nacional dos povos indígenas que incluiu ocupação de prédios públicos e fechamento de rodovias, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou, nesta quinta-feira (28), que irá manter a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Nos protestos, os indígenas pediam que a Sesai não fosse extinta. Na proposta do governo do presidente Jair Bolsonaro, a saúde indígena ficaria subordinada à Secretaria Nacional de Atenção Básica, criada neste ano. Ainda não está claro se a Sesai terá autonomia financeira.
O anúncio de manutenção da Sesai foi feito após uma reunião realizada no início da tarde, em Brasília, entre lideranças indígenas, indigenistas e o ministro da Saúde.
Como já é rotina do primeiro escalão do governo, o ministro Luiz Henrique Mandetta – que pertence à Frente Parlamentar Agropecuária – usou as redes sociais para divulgar um vídeo no qual aparece ao lado de duas lideranças indígenas históricas para falar sobre a decisão: o cacique Raoni e o sobrinho dele, Megaron Txucarramãe.
“Os índios achavam que deveriam permanecer como Secretaria Especial de Saúde Indígena. O Ministério achava que deveria somar à nova Secretaria Nacional de Atenção Básica e Indígena, para ficar mais forte. Como os índios acham que devem permanecer – porque isso é uma luta histórica, porque isso é simbólico, e porque ali se reforça a sua cultura, a sua identidade – nós vamos manter a Sesai, a pedido do cacique Raoni e do Megaron e de todas as comunidades”, disse o ministro, no vídeo.
Segundo o ministro Luiz Henrique Mandetta, o Grupo de Trabalho vai atuar para discutir como será possível “melhorar para chegar na nossa conferência, com este assunto pacificado, e olhando pra frente, na evolução do SUS e do sistema de saúde indígena”. E completou: “Fico feliz de ter oportunidade de conhecer, em vida, essa lenda do indigenismo brasileiro”, referindo-se ao cacique Raoni.
As mobilizações contra a ameaça de municipalização da saúde indígena começaram na quarta-feira (27), em pelos menos 30 áreas do país. Houve protesto nas ruas nos estados do Amazonas, Acre, Ceará, Mato Grosso, Pará, Roraima, São Paulo, entre outros, segundo informou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Em Manaus, os indígenas fecharam ruas e ocuparam o plenário da Assembleia Legislativa do Amazonas.
Sonia Guajajara, coordenadora da APIB, participou da audiência como o ministro Mandetta. Ela disse à Amazônia Real que o ministro garantiu a autonomia da Sesai em uma frase: “Tudo se mantém no lugar”. Segundo Sonia, não haverá mudanças, pelo menos até a realização da 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, que acontecerá em maio.
“A luta é para que a Sesai não fique embutida na Secretaria Nacional de Atenção Básica. Os indígenas devem ficar em estado de alerta, mobilizados. A qualquer momento, voltamos às ocupações, porque como não tem nada escrito, não dá pra confiar que o ministro vai cumprir com a palavra dele. O povo [governo] não tem nenhum temor de voltar atrás no que diz”, disse Sonia Guajajara.
A Secretaria Nacional de Atenção Básica (SAS) foi criada em janeiro deste ano, com a responsabilidade de “apoiar financeiramente Estados, Municípios e Distrito Federal, na organização das estratégias”, conforme constam nos dados de seu site.
Na prática, segundo os indígenas, a Sesai seria incorporada à SAS, sem autonomia de gestão, e dependeria da descentralização de recursos para a atenção à saúde nas comunidades, concentrando-se no orçamento dos municípios ou dos governos estaduais.
Não é a primeira vez que o governo federal tenta municipalizar a saúde indígena. Em 2016, o ex-presidente Michel Temer (PMDB) tentou alterar a gestão, mas recebeu como resposta uma forte reação dos indígenas, que também promoveram mobilizações nacionais.
“A gente já chamou outros manifestações contra a municipalização. O que este ministro quer é um modelo misto. Atender conforme a realidade das regiões. Quem está próximo da cidade tem que ter um atendimento, quem está longe, tem que ter outro atendimento. Mas ele não sabe como funciona. Ele quer botar um desmonte, mas não tem proposta clara”, disse Sonia Guajajara.
“O ministro insiste em modelo diferenciado para cada região. Mas todos bateram na tecla que tem que ser modelo único. O que se precisa é aprimorar, melhorar esse atendimento. Os Dsei´s têm que funcionar com autonomia financeira e política”, completou a líder indígena.
Logo após a audiência dos indígenas com o ministro nesta quinta-feira, a APIB divulgou uma nota, na qual relata o posicionamento inicialmente hostil do ministro às demandas dos indígenas, pouco antes da reunião.
“Inicialmente o ministro se mostrou irredutível, inclusive apresentando uma visão ultrapassada sobre os povos indígenas, demonstrando clara intenção de adotar um modelo fragmentado. Expressou, ainda, uma classificação de ‘índio antropizado’, ‘semi antropizado’ e ‘não antropizado’ para justificar mudanças na política de atenção à saúde indígena. Todas as lideranças indígenas presentes foram unânimes em afirmar a continuidade do subsistema de saúde indígena, mantendo a estrutura atual: Sesai, Dsei`s, Casais e Pólos base; com o aprimoramento das ações”, afirmou a representante da APIB, na nota.
Desvios da Funasa
A APIB também respondeu ao questionamento e críticas do ministro sobre a atuação das organizações não-governamentais (Ongs) na gestão dos recursos da saúde indígena. Desde a época da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsável pela atenção à saúde indígena até 2010, são as ongs (muitas são evangélicas) que atuam nesta função. Muitas delas foram denunciadas por desvios de recursos. Ainda na época dos governos petistas, a Funasa fazia parte da “cota” do PMDB nas estruturas do governo.
“Afirmamos também que não somos coniventes com nenhum tipo de fraude, corrupção e desvio, sendo que ele [Luiz Henrique Mandetta], como ministro, tem o poder-dever de investigar e determinar providências. E ainda, o movimento indígena ressaltou que há anos as lideranças vêm denunciando as indicações e interferências política para os Dseis (Distrito Sanitário de Saúde Indígena)”, diz a nota da APIB.
Segundo Sonia, as mobilizações dos indígenas foram decisivas para a mudança de mentalidade (pelo menos temporária) do ministro e os indígenas acreditam que ele “entendeu a força do movimento”.
“Ele disse antes que não tinha medo de movimento indígena, mas hoje sentiu a pressão. Fomos muitos diretos. E falamos das mobilizações. Antes de chegar na audiência, ele falou com a imprensa, dizendo que são as ongs que estão financiando as mobilizações. Mas na nossa fala começamos por isso. Dissemos que todo mundo estava por conta própria, que a insatisfação era geral”, afirmou a coordenadora da APIB.
Saúde se manifesta
Em nota enviada à Amazônia Real, a assessoria do Ministério da Saúde disse que o órgão federal “reforça a assistência à saúde indígena e sela acordo de manutenção da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), uma reivindicação dos povos indígenas”. Conforme a nota, a decisão “foi tomada em reunião com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e lideranças dos povos indígenas de todas as regiões do país, nesta quinta-feira (28), em Brasília. Entre os acordos definidos estão a criação de um Grupo de Trabalho para discutir a melhoria e avanços na assistência à saúde indígenas e a fiscalização dos recursos.”
Luiz Henrique Mandetta é médico e deputado federal pelo DEM de Mato Grosso do Sul desde 2011. Desde que assumiu o Ministério da Saúde, vem dando declarações de que faria mudanças na gestão da saúde indígena. Em seu discurso de posse como ministro, Mandetta já deu sinais de suas pretensões, dizendo-se preocupado com “os indicadores” e afirmando que havia na estrutura “quase um sistema de saúde paralelo, improvisado, sem termos os devidos controles por parte do estado”.
“Nós iremos, junto com a ministra Damares (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos), rediscutir a questão da saúde indígenas”, disse ele, no ato da posse.
É inviável municipalizar
André Baniwa, presidente da Organização Indígena da Bacia do rio Içana (Oibi) e liderança reconhecida do Alto Rio Negro (Amazonas), apontou a gravidade das intenções do governo Jair Bolsonaro para a saúde indígena. Ele lembrou que vários programas do Governo Federal que foram municipalizados não deram certo.
“A saúde indígena é prevista para ser gerida com dinheiro federal. Quando ele [governo] municipaliza, não repassa. Quando repassa, só para pagar profissional, mas com contrapartida do município. Essa contrapartida não existe. O município não tem dinheiro. Isso não é viável”, disse André Baniwa.
Para ele, o que é preciso ser feito é alterar a forma de gestão de contratos temporários, com a realização de concurso públicos e dar autonomia para os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei´s), com a implementação de um fundo financeiro.
“A lei da criação saúde indígena prevê serviços complementares, tanto para ongs, que o ministro critica, quanto para o município e estado. Mas a gestão principal da saúde indígena, inclusive nos serviços dos Distritos, é responsabilidade do Ministério da Saúde”, afirma o líder indígena.
André Baniwa mostra-se pessimista com a resposta dada pelo ministro da Saúde. Para a liderança indígena, o ministro “está enrolando para ganhar tempo” e revela-se “despreparado, porque não tem um plano de transição.”
“Ele só fala em ong, ong, mas não dá solução. O movimento está certo de continuar mobilizado, porque a qualquer momento ele desfaz essa conversa. É o Bolsonaro que deve estar orientando ele, dizendo: ‘Dá um tempo aí’. Ele [Bolsonaro] é assim: faz, desfaz, depois diz que está tudo bem. Volta pior ainda. É como uma doença que não consegue tratar, uma febre que ameniza, mas daqui a pouco volta, uma doença desconhecida”, comentou o líder indígena.
Para o presidente da Oibi, os impactos de uma eventual municipalização da saúde indígena seriam imensos, ampliando uma situação que já é grave nas comunidades indígenas.
“Recentemente, o governo suspendeu pagamento. Atrasou tudo, deixando tudo parado. Com isso, não tem gente para os polos de saúde. Não tem combustível, estamos sem medicamento. Médico, nem existe”, afirmou ele.
Ainda assim, André Baniwa lembra que a ideia de municipalizar não é nova, pois já existia desde a época da Funasa.
“Foi contrário a essa ideia que o movimento indígena levou o assunto para o âmbito da Conferência Nacional de Saúde e acabou virando um estudo, resultando na criação da Sesai”, disse o indígena.
A Sesai foi criada em outubro de 2010, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, a Sesai faz a gestão de 34 Distritos Sanitários Especiais de Saúde (Dsei) no Brasil.
Mobilização em Manaus
Na última quarta-feira, cerca de 200 indígenas de todas as regiões do amazonas, ocuparam a galeria do plenário Ruy Araújo da Assembleia Legislativa e foram recebidos pelos deputados estaduais.
Fonte: Amazônia Real