Registrado em sete estados, o coral-sol libera compostos que causam necrose no tecido de outras espécies.
O coral-sol é um animal exótico invasor de origem europeia que chegou ao Brasil na década de 1980 na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, em uma embarcação petrolífera. Atualmente, o coral-sol é uma ameaça ao ecossistema de mais seis estados: Ceará, Alagoas, Sergipe, Bahia, São Paulo e Santa Catarina.
Classificado pela ONU no relatório Global Biodiversity Outlook como animal de maior impacto negativo na biodiversidade local, o coral-sol tem duas espécies em atividade no Brasil: a Tubastraea coccinea, que veio do arquipélago de Fiji, e a Tubastraea tagusensis, originária da Ilha de Galápagos, um dos locais com maior incidência de animais exóticos invasores.
Existem diversos fatores que contribuem para que ele seja tão perigoso para a biodiversidade local. No Oceano Pacífico, seu habitat natural, a espécie possui centenas de concorrentes do gênero que disputam espaço e alimento, enquanto a costa brasileira possui apenas 18. Aqui, o coral-sol não possui predadores e encontra um amplo espaço para se reproduzir.
Além da falta de espécies concorrentes, o coral-sol libera larvas no oceano que são carregadas por correntes marinhas e formam os pólipos. Esses pólipos se dividem e formam novas colônias. Para se proteger e ganhar ainda mais espaço, as colônias liberam compostos alelopáticos que inibem a presença de outros corais no mesmo ambiente e causam necrose no tecido de outras espécies.
“De forma geral, o coral-sol apresenta uma série de características vantajosas, como crescimento rápido, maturidade reprodutiva precoce, elevada capacidade regenerativa e capacidade de produzir larvas sexuadas e assexuadas” , disse a pesquisadora da UFRJ Kátia Capel, que participou da expedição em Santa Catarina e no arquipélago de Alcatrazes.
Esses fatores fazem com que outros tipos de corais que se reproduzem mais lentamente percam espaço em seu próprio ambiente natural, como o coral-cérebro.
Coral-sol no Parque Estadual Laje de Santos, SP — Foto: Paula Romano
“Tais características biológicas, aliadas ao fato de o coral-sol não ter predadores naturais no Brasil, contribuem para que essas espécies sejam capazes de cobrir até 90% de todo o substrato disponível em alguns locais, reduzindo o habitat disponível para espécies nativas”, disse Kátia.
Santa Catarina
As empresas petrolíferas são uma das principais causas da proliferação do coral em litoral brasileiro. Em 2000, por exemplo, foi registrado no município de Itajaí, Santa Catarina, a presença da espécie Tubastraea coccinea em uma plataforma de petróleo. Alguns anos depois, a espécie foi encontrada em costões rochosos na Ilha do Arvoredo, dentro da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo em Santa Catarina.
As colônias foram encontradas por um grupo que fazia um mergulho recreativo. Após sua identificação, o biólogo Alberto Lindner e sua então aluna de mestrado Kátia Capel confirmaram ser a espécie Tubastraea coccineana, chamada popularmente de coral-sol.
“Nessa região, o coral-sol existe apenas em pequena escala e existem ainda poucos focos de invasão. Isso graças ao trabalho dos gestores da Rebio do Arvoredo, que realizaram o manejo da área pra controlar a invasão em escala local” , disse a pesquisadora da UFRJ Kátia Capel.
Baía de Ilha Grande
Na Baía de Ilha Grande, o problema é ainda mais sério. A ilha possui extrema diversidade marinha, abrigando milhares de espécies, muitas delas endêmicas (que só existem naquele local). Lá, biólogos do Projeto Coral-Sol, criado em 2006, realizam o trabalho de manejo das colônias do coral que já se fixaram. Para isso, os biólogos mergulham e fazem a retirada dos corais com martelo e talhadeira.
Imagem do coral-cérebro — Foto: Álvaro Migotto
Em entrevista ao G1, a coordenadora do projeto, Fernanda Casares afirma que o método de retirada deve passar por um constante processo de aprimoramento.
“Tudo indica que a retirada manual dos corais é eficaz, mas é melhor aprimorar. Agora, estamos em fase de pesquisa para esse aprimoramento. Estudamos a densidade das colônias e realizamos a remoção, principalmente onde existe infestação em fase inicial”, disse.
Além do trabalho manual de retirada das colônias de Coral-Sol, Casares também afirma que os serviços de educação ambiental para a população local auxilia no combate à praga.
“É importante que a sociedade saiba do problema e o que pode fazer para ajudar. É um trabalho de conscientização, sensibilização e engajamento com os moradores”, reiterou a também bióloga, Fernanda Casares.
O que diz o Ministério do Meio Ambiente?
Em 2018, o Ministério do Meio Ambiente divulgou um plano de Implementação da Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras com objetivo de evitar a entrada do coral-sol e outras espécies exóticas invasoras no ecossistema nacional. O plano ficará em atividade por cinco anos, e contém todo o planejamento desde erradicação à educação ambiental e comunicação.
Segundo o MMA, o plano de implementação inclui um diagnóstico detalhado da situação da invasão das espécies no país e as estratégias de controle a serem consideradas, além da definição das ações prioritárias para o período de cinco anos. O Plano de Implementação será realizada por meio de monitorias anuais. A primeira será em setembro de 2019.
Ainda conforme o órgão, em Santa Catarina, de 2012 até o momento, foram removidas cerca de 11 mil colônias de Coral-sol pelo Rebio Marinha do Arvoredo. Em Ilha Grande, a 1ª Operação Eclipse, realizada pelo Projeto Coral Sol e a Esec Tamoios, resultou na remoção de 17 mil colônias.
No arquipélago de Alcatrazes, a situação era ainda mais crítica. Lá, de 2013 até a última operação em março de 2019, foram retiradas 250 mil colônias do coral. Ao todo, instituições associadas ao ministério já fizeram a remoção de cerca de 279 mil colônias
Impacto econômico
Segundo a diretora do Instituto Brasileiro de Biodiversidade, Simone Pszczol, o coral-sol impacta negativamente as atividades socioeconômicas relacionadas ao ambiente marinho, como a pesca e o mergulho. Logo, atinge a fonte de renda das populações.
“O problema se torna cada vez maior e mais grave quando você perde ‘serviço’. É muito grave quando aquele determinado serviço não existe mais, seja maricultura ou um turismo subaquático (…) Para isso, precisamos de manejo, que é a prevenção, contenção, erradicação e a sensibilização da sociedade sobre essa problemática”, disse Simone.
O coral-sol se enquadra como animal exótico invasor, pois além de destruir rapidamente a biodiversidade local, influencia negativamente a vida de pescadores e afeta economicamente grandes empresas petrolíferas, que devem fazer a limpeza das plataformas constantemente e prestar esclarecimentos contínuos sobre a proliferação de corais nos navios e plataformas.
Em 2015, por exemplo, o Ministério Público Federal (MPF) determinou, em liminar, que a Petrobrás, além de pagar multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento, devia apresentar um diagnóstico completo sobre o estabelecimento do coral na Baía da Ilha Grande, em Angra dos Reis.
Pesquisadores mergulham e retiram coral-sol de Calhaus — Foto: Mariane Rossi/G1
A Petrobrás entrou com recurso para reverter a liminar e, segundo o MPF, a manifestação mais recente indica que o processo tramitou na justiça até 2018 e foi encaminhado para um possível TAC (Termo de Ajustamento de Conduta).
Em nota, a Petrobrás diz que a liminar foi suspensa por decisão do relator do recurso, que considerou as medidas determinadas inexequíveis para a proteção do meio ambiente e que há registros da espécie na região há 30 anos. Ainda segundo a Petrobrás, os autores da ação civil pública não levaram em conta toda a incerteza técnica e as lacunas científicas que envolvem o tema e que ainda estão em construção no país e no mundo.
Veja a nota na íntegra:
“A liminar citada foi suspensa por decisão do Relator do recurso no TRF da 2ª Região, que considerou as medidas determinadas inexequíveis e ineficazes para a proteção do meio ambiente. Todas as partes estão em negociação com o Ministério Público Federal, autor da ação, para buscar uma solução de consenso e mais aderente às necessidades do ecossistema, sob o ponto de vista das empresas, dos órgãos ambientais e dos técnicos do MPF.
Cabe ressaltar que a liminar citada foi deferida em ação civil pública proposta pelo MPF em face da Petrobras, de mais quatro empresas e dos órgãos ambientais federal, estadual e ICMBio, com o argumento de que a presença de coral-sol na Baía de Ilha Grande supostamente causaria grande risco à biodiversidade marinha. Essa decisão desconsiderou que há registro da presença de tais espécies no local há mais de 30 anos, assim como não levou em conta toda a incerteza técnica e lacunas científicas que envolvem o tema e que ainda estão em construção no país e no mundo.”
Especialistas pesquisam coral-sol na Ilha Grande, em Angra dos Reis, RJ
*Sob orientação de Ardilhes Moreira