Mário Mantovani é diretor de políticas públicas da S.O.S Mata Atlântica, ONG criada na década de 80 que tem como meta promover a defesa da biodiversidade por meio de ações de educação e conhecimento acerca da Mata Atlântica e dos ecossistemas que estão sob sua influência. Nessa entrevista, Mário se mostra totalmente contrário ao texto do Código Florestal aprovado pelo Congresso Nacional e faz críticas ao Governo no que diz respeito à legislação ambiental.
Confira a entrevista
Na sua opinião o que seria um Código Florestal eficaz, justo e coerente tanto para os agricultores, sociedade civil e principalmente para o meio ambiente?
Mário Mantovani – O justo é quando todos têm realmente participação considerando o lado social, ambiental e econômico. O que a gente viu nesse novo texto foi um grupo usando a supremacia da força, que ainda tem nos financiamentos agrícolas, das oligarquias rurais, do atraso. E a gente percebeu também uma chantagem que esse grupo fez contra o Governo que aceitou a chantagem. Portanto, quando esses ingredientes estão juntos, ou seja, o lado que defende biodiversidade, clima, água que são coisas coletivas, coisas de interesse difuso. Ficou sem suporte quando o governo aceitou ater o meio ambiente e todas essas questões que são de todos, como moeda de troca para fazer os acordos políticos da casa, nomeações, usou para fazer emendas parlamentares, enfim o meio ambiente foi usado como moeda de troca nessa chantagem. E o que a gente percebeu é que, anteriormente nós já tínhamos feito avanços na legislação socioambiental brasileira, e dessa vez numa única tacada se acabou, por exemplo, com a função social da terra e nós não podemos admitir esse tipo de chantagem que está acontecendo no Brasil. Não é possível admitirmos tamanho retrocesso em pleno 2012, século 21, Rio+20, a gente falando do Brasil como potência ambiental e esse pessoal trabalhando ainda como se fosse uma volta ao passado. A questão ambiental no Brasil, hoje, se não fosse sério, poderia chamar de piada, porque não tem recurso, não tem como funcionar mais; a questão ambiental está falida.
Para o senhor, quais são os principais problemas no texto aprovado pelas duas casas?
MM – O novo texto, ele em si é um problema, não é possível pontuar. Ele é um “Frankstein”, é tão ruim que ele acerta em algumas partes e erra em outras porque já veio sendo costurado a base desses interesses. O certo seria como esestá sendo pedido, um veto total e que se fizesse um esforço de fazer aplicação da legislação. Por exemplo, fala-se sobre a regularização do pequeno agricultor, mas ele já esestá regularizado, nós temos a Lei da Agricultura Familiar, Lei da Mata Atlântica, os pequenos estão dentro, o que nós vimos foi uma grande chantagem dos grandes que queriam uma anistia ampla, geral e irrestrita. Eu acredito que o ideal seria paralisar esse processo iniciado, que o governo vetasse tudo, começasse um processo de regularização e, enquanto isso fizesse um debate sobre o Código Florestal, mas um debate consequente onde todos sejam ouvidos e não só um segmento.
O senhor acredita que há uma contradição no texto do Código, no que diz respeito a redução de áreas de reflorestamento das margens dos rios, porém para a existência do agronegócio é necessário e fundamental água em abundância e terra de qualidade?
MM – O Código é esse conflito, por isso que a gente diz que ele não tem a menor preocupação com o meio ambiente, tinha sim uma preocupação em regularizar situações pra poder ter financiamento agrícola, regularizar terras. O maior problema ambiental brasileiro é fundiário, não é de biodiversidade, é uma discussão periférica. O que nós percebemos é que o que estava em jogo era a questão do uso da terra. Nós nunca tivemos tamanha concentração de terras no poder de tão poucos. Um estudo do IPEA mostrou porque tinha esses grandes conflitos aqui na Câmara dos Deputados. E detectou-se que 80% das terras do Brasil estão nas mãos de menos de 20% de proprietários. Então nós estamos nos esforçando, primeiro para denunciar isso e depois tentar interferir de maneira a que fazer com que o governo tenha responsabilidade pelos seus atos.
Tantas pessoas deram a vida por essa causa, Chico Mendes, irmã Doroty, que foram grandes alertas. Hoje nós estamos tendo a discussão da questão dos índios, que estão perdendo suas terras pra esse avanço da agricultura. E terra de índio, unidade de conservação, não é terra de índio é terra do Brasil, terra nossa. E eles tentam diminuir essas comunidades tradicionais pra se apropriarem dessas terras.
Passeatas e mobilizações no Brasil inteiro contra o texto do Código enviado para a presidente Dilma enfatizam a insatisfação da sociedade civil. O senhor acredita que essa pressão pode gerar resultado para o veto da presidente?
MM – Acredito que não. Nós mandamos abaixo assinado de mais de 1 milhão e trezentas mil assinaturas, sequer teve resposta. Esse governo considera a questão ambiental periférica, não tem nenhuma importância, não tem pudor em colocar a questão ambiental como moeda de troca, é uma vergonha o que estamos passando. O governo se quisesse ter atitude não teria deixado chegar aonde chegou, o governo foi omisso, inconsequente, aceitou todo tipo de chantagem e perdeu a capacidade de reação.
Quais os impactos de uma suposta aprovação pela presidente Dilma do novo Código Florestal para a visão de outros países com relação ao Brasil, que esse ano sedia a Rio+20 e recebe membros governamentais e ambientalistas do mundo inteiro?
MM – O Governo não está muito preocupado com a Conferência, ele está tentando esvaziar a Conferência. Acho que tem o efeito Copenhagen aí, que é da frustração que estão tentando implantar aqui, mas a população não tem ideia do que é a Rio+20, em compensação o governo faz propaganda da Copa do Mundo, das Olimpíadas que só vão acontecer daqui a alguns anos. E o que a gente percebe é que da Rio+20 poderiam sair resoluções que fariam o Brasil sair na frente.
Qual era a importância dessa Conferência agora? Era mostrar que o que foi acordado em 92, parte do mundo não cumpriu o Brasil tava fazendo a sua parte. A presidente podia mostrar que é uma estadista acabando com essa farra que começou no Congresso, que não tem nada de discussão democrática, mas é de grupos de pressão.
Nós exportamos muitos produtos de base, e nessa Conferência o Brasil poderia mostrar que todos os produtos brasileiros saem daqui com carbono fixado com biodiversidade garantida, com água protegida, ou seja, nós não agregamos valor aos nossos produtos e perdemos a chance nessa Conferência. Nós vamos entrar pela porta dos fundos e os outros países também estão percebendo que quando o Brasil não dá valor, não vai ter valor, não vai ter uma prevenção, tanto que os maiores dirigentes não vão vir.
Fonte : Blog da FVHD