O atlas foi elaborado por um grupo de professores e pesquisadores das universidades federais de São João del-Rei (UFSJ), de Itajubá (Unifei) e de Minas Gerais (UFMG). Os riscos das estruturas de rejeitos minerais constam em capítulo intitulado “Crise: desafios e soluções”. A obra, que contou com participação de pesquisadores dos Estados Unidos, Israel e Alemanha, será editada pelo professor Leonardo Rocha, do Departamento de Geociências da UFSJ.
Um dos autores do estudo, o professor Ricardo Motta Pinto Coelho, coordenador do Núcleo de Estudos Avançados em Recursos Hídricos e professor visitante do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSJ, explica que a pesquisa foi baseada nos bancos de dados do Departamento Nacional de Mineração (DNPM, hoje Agência Nacional de Mineração) e da Comissão de Política Ambiental do governo do estado. “Foram usados dois índices oficiais: o potencial de danos e a questão de infraestrutura da segurança das barragens”, afirma o especialista, também professor aposentado do Departamento de Ciências Biológicas da UFMG.
“Uma barragem pode ser segura, mas pode ter um grande potencial de danos, por exemplo, pelo fato de estar próxima a uma cidade e ter um volume acumulado muito grande. Pode ter ainda problemas estruturais”, explica o professor. Os responsáveis pelo estudo lembram que, das 20 barragens com maiores volumes de rejeitos acumulados no Brasil, 15 estão no território mineiro.
Riscos e danos
Em relação às categorias de risco, diz o levantamento, pouco mais da metade (54,5%) das barragens associadas à mineração apresenta classificação de “baixo risco”. Mas “chama atenção o número de estruturas que sequer foram classificadas em termos de riscos que apresentam às populações humanas (39,8%)”. Na lista do DNPM/ANM consta que 21 barragens “apresentam riscos médios ou elevados à população do entorno dessas estruturas”.
Os responsáveis pelo atlas ressaltam que a implantação de uma área de mineração em dada região “impulsiona a expansão urbana, visto que atrai muita gente graças à oferta de empregos diretos e indiretos”. Ao mesmo tempo, alertam que “a grande proximidade da mineração com os centros urbanos é um novo desafio para as grandes mineradoras no estado”, que “estiveram sempre acostumadas a operar a grandes distâncias da população urbana”. “A existência de uma mina de ferro é também um desafio para os gestores públicos. Eles deveriam planejar ou mesmo limitar a expansão urbana por meio dos zoneamentos constantes nos planos diretores. Na realidade, o que se vê é o resultado de riscos aumentados associados à mineração em função da má qualidade dos planos municipais de zoneamento e de parcelamento urbano”, pontua o estudo.
O documento lembra ainda que “as dezenas de quilômetros quadrados inundados com lama tóxica, as grandes superfícies de florestas arrancadas pela passagem da onda de rejeitos, as centenas de quilômetros de cursos d’água com sua biota e sedimentos contaminados nas bacias hidrográficas dos rios Doce e Paraopeba formam um passivo ambiental que irá permanecer por décadas nesses ecossistemas”.
Para os autores do estudo, a repetição de desastres do tipo sugere que o gerenciamento desses reservatórios é “defeituoso, impreciso e, provavelmente, baseado em premissas técnicas insuficientes ou até falsas”. Os pesquisadores salientam que o objetivo do atlas é apresentar de maneira acessível a toda a população a condição dessas barragens, dando uma atenção especial a alguns municípios considerados críticos. “Em vez agrupar as barragens em função de suas características técnicas ou operacionais, o atlas as classificou em função da sua proximidade das populações urbanas que estariam expostas a uma possível ruptura.
Recomendações
O mapeamento das barragens apresenta recomendações aos gestores nas esferas municipal, estadual e federal, assim como às empresas, para amenizar os riscos de danos. “Recomenda-se que os municípios considerados críticos articulem-se, buscando não somente harmonizar e padronizar as legislações municipais sobre a matéria, mas que possam elaborar planos estratégicos de desenvolvimento em comum, compartilhando recursos e pessoal especializado”, afirma o professor Ricardo Motta Pinto Coelho.
Na área de competência dos estados e da União, a diretriz é aumentar a integração entre órgãos estaduais e federais, para compartilhar melhor seus bancos de dados sobre as barragens associadas à mineração, bem como sobre outras (hidreletricidade, setor sucroalcooleiro, indústrias etc. O professor ressalta ainda que a Agência Nacional de Mineração “deveria desenvolver um plano nacional de gestão ambiental de reservatórios, em conjunto com outras agências que são responsáveis por outras tipologias de barragens”.
Mariana e Brumadinho no rol de cidades críticas
O Atlas das Barragens de Mineração em Minas Gerais, elaborado por pesquisadores das universidades federais de São João del-Rei (UFSJ), de Itajubá (Unifei) e de Minas Gerais (UFMG), lista 10 municípios considerados “críticos” por causa do potencial de danos em caso de rompimento das barragens de rejeitos minerais que sediam. No levantamento, foi levada em conta a proximidade das barragens das cidades, o que eleva o potencial de danos em caso de um acidente. Além de Mariana e Brumadinho, vítimas de tragédias e que continuam no mapa das ameaças, o grupo é composto por Itabira, Itaiutuçu, Itabirito, Ouro Preto, Nova Lima, Congonhas, Paracatu e Barão de Cocais.
Em relação a Mariana, os professores e pesquisadores lembram dos efeitos da catástrofe da mineradora Samarco, quatro anos atrás: “O rompimento da barragem praticamente destruiu o distrito de Bento Rodrigues e causou danos substanciais nas localidades de Paracatu de Baixo e Gesteira. Após percorrer quase 100 quilômetros no Ribeirão do Carmo, a pluma de sedimentos atingiu o Rio Doce e contaminou cerca de 600 quilômetros. Cerca de um mês após a ruptura da barragem, a onda de lama atingiu a foz, em Regência (ES) e chegou a comprometer diversas praias, mangues e arrecifes coralinos e outros biomas em dezenas de quilômetros do litoral do Sudeste”.
O documento identifica no município menos 14 barragens. E destaca que “após o desastre de Fundão, Mariana continua enfrentando graves problemas com outras barragens associadas à mineração”. No caso de Brumadinho, cidade ainda abalada pela tragédia de 25 de janeiro de 2019, foram localizadas por meio do estudo 24 represas de resíduos de mineração. “Em caso de ruptura, ao menos uma das represas teria seus rejeitos invadindo a malha urbana das cidades”, alerta.
O estudo também chama atenção para os riscos para a área urbana de Congonhas, que tem 18 barragens de rejeitos. “Em caso de ruptura, boa parte dos rejeitos de uma das maiores barragens de rejeitos de mineração do estado, a Barragem da Casa de Pedra, liberaria uma massa enorme de rejeitos que inundariam boa parte da zona central da cidade”, alertam os especialistas.
Citando reportagem do Estado de Minas, os autores do diagnóstico ressaltam que “a cidade foi escolhida como um caso de estudo, uma vez que passou por um pesadelo depois que a Barragem de Casa de Pedra apresentou infiltrações graves. A estrutura precisou passar por intervenções urgentes e implantar um sistema de evacuação de emergência, que envolveu cerca de 4.800 pessoas que residem a apenas 250 metros do complexo”.
Ao relacionar Nova Lima como município crítico, os responsáveis pelo estudo também mencionam o Estado de Minas. Lembram que município da Região Metropolitana de BH “conta com várias represas com problemas de segurança. Um dos casos mais graves refere-se à Barragem de Capão da Serra, com seus 47 metros de altura, também conhecida como Barragem de Pasárgada. Há pelo menos 50 residências no traçado considerado de alto risco”.
Fonte: EM